Capítulo 28

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Malévola

Admito que em nenhum momento, me senti tão desconfortável na presença das fadas trevosas.Nunca consegui me encaixar direito,já que elas me consideram superior e civilizada e se sentem pequenas e inferiores,evadindo ao máximo contato e conversas sadias com minha pessoa.Apenas as crianças do povo,que são pouquíssimas já que a espécie não está de fato,bem na reprodução,ainda se aproximam mais,me entregando flores e presentes,mas futuramente,creio que serão ensinadas pelos própios pais que devem me evitar.Detesto essa cultura de um líder intocável,porque isso apenas me torna mais antissocial do que já sou.

Para piorar um pouco as coisas,Borra resolveu me importunar com cantadas deselegantes que me deixaram até constrangida na frente dos demais,sendo que já não estou muito bem.Nesta altura,todas as fadas trevosas parecem saber da responsabilidade que tenho nas mãos e seus olhares me cobravam silenciosamente,piorando meu estado.Infelizmente,agora,parecia que eles estavam de fato contando com minha "superioridade" e liderança para sobreviver.Estavam pondo em minhas costas,a salvação da espécie,crendo que possíveis filhos meus podem acabar com a mortalidade dos recém-nascidos.Mas por quê?Como odeio estar passando por tudo isso.

Diaval chegou e sentou-se perto de mim.Felizmente a presença dele fez Borra parar de me tirar a ressequida paciência que possuo,mas em contrapeso,meu amigo parece notar o meu mau humor e fica preocupado outra vez.

Sério,odeio ser tratada como criança,eu sei me cuidar,por que Diaval se preocupa tanto?Aquilo tudo não era da conta dele!Ainda bem que ele não me atormentou muito,já que tinha acabado de ser perdoado,a pouco tempo atrás por um erro parecido.

Zeyn me submeteu a um curto ataque cardíaco ao me pegar de surpresa pelas costas.O sábio fada-macho não perdeu tempo em me cobrar uma resposta,mas Diaval estava ali e bem,aquele não era o momento adequado para conversar,então pedi para fazermos isto depois.

Eu estava com vontade de chorar e meus olhos marejavam,me fazendo sofrer,pois não queria soltar aquelas lágrimas,e escondê-las parece ainda mais doloroso.Ninguém precisa saber dos meus problemas.Não sei por quanto tempo vou aguentar esta pressão.Não,eu não quero fazer isso,por que eles não entendem?

Minha filha chegou ao altar e nossa,ela estava linda.Por segundos,pude esquecer tudo que me atormenta.Aurora me fazia bem e ela não imagina quanto.Andrew também estava muito fofo,nos braços da mãe.Mas eu não fazia ideia de que aquela cerimônia me proporcionaria muito mais.

Quando Aurora me chamou até o altar e me falou aquelas palavras bonitas,eu pude liberar a água que estava presa nos meus olhos.Pude chorar,mesmo que detestasse fazer isso,pois é um símbolo de fraqueza.Mas era um choro de alegria.Um choro de emoção.Ao menos,minhas lágrimas não foram derramadas por situações que agora acabam com meu interior.

A princesa que tive o prazer de criar e chamar hoje de "filha" me disse que me amava.Ela era muito doce,gentil e meiga,mas nunca havia falado isso de uma forma tão explícita a mim,assim como eu não falava a ela.Nossas provas de amor sempre estavam nas ações que tínhamos uma com a outra,não nas palavras.

Eu quis responder que também a amava,mas minhas cordas vocais se fecharam,como se minhas amídalas estivessem inflamadas.Não sentia minha pele queimar ou ficar vermelha,mas o meu interior se encontrava em chamas de alegria.Quando finalmente pude responder,apenas soltei que Aurora não precisava ter feito isso e bom,ela não precisava mesmo.

Mas ela o fez.

Diaval ficou tão emocionado quanto eu,ao ser chamado de pai.Nunca imaginei que Aurora o considerava assim.Estou perplexa.

Foram tantas coisas,tantos momentos bons naquele altar.Ao mergulhar Andrew,com Diaval me ajudando,meu coração se aqueceu.Aurora nos tinha dado a maior responsabilidade de sua vida.Por nossas mãos,ela escolheu a vinda de bênçãos para seu filho.

Eu pude esquecer de tudo.Nada mais importava naqueles instantes.

Os humanos e fadas aplaudiam de pé e gritavam com alegria e empolgação.Digamos que uma apresentação em público não foi tão assustadora assim.

Desço junto a Diaval do altar e todos ali presentes começaram a se dirigir para o salão de festas.O banquete iria começar.

-Malévola,será que podemos conversar? -Zeyn diz enquanto eu e meu fiel amigo estávamos passando pela porta da capela.

-Sim. -respondo secamente.

Diaval permanecia do meu lado e pelo visto,não tinha planos de sair dali.

-Em particular -o sábio pigarreia arregalando os olhos para meu amigo.

-Pra quê? -o homem ave protesta, com os braços cruzados,batendo o pé no chão.

Não preciso responder nada.Olho para o corvo humano com repreensão na fisionomia e agradeço que ele entende o recado,se retirando do local.Diaval tinha esta vantagem:ele interpretava minhas expressões,me fazendo poupar palavras e saliva.

-Malévola,você já tem uma resposta,não é? -Zeyn me questiona com um tom de voz meio arrogante aos meus ouvidos -Estou esperando a dias,você tem que parar de fugir de suas responsabilidades.

Como ele ousava dizer que eu fugia de minhas responsabilidades?Não sou este tipo de fada!Apenas precisei de um tempo para pensar,já que se tratava de um assunto delicado.

-Eu não estou fugindo de nada! -exclamo estressada. -Vocês é que estão praticamente me forçando a fazer algo que não quero e não acho necessário!

-A questão não é querer,majestade.A questão é sobreviver e é isso que as fadas trevosas precisam.Só você pode ajudar.

-Por que só eu,Zeyn? -questiono -Não precisa ser assim.A espécie pode evoluir ao poucos,não precisam de filhos meus para isso!

-Sim,Malévola,nós precisamos -ele me contraria,com os olhos cor de prata fixos nos meus -Seus filhos são a única esperança.Eles seriam fortes como você.

-Quem garante isso? -altero o tom de minha voz. -Esses filhos nem existem,quem pode afirmar que serão fortes?Quem pode garantir que nascerá outra fênix,me diga?

A sabedoria e esperteza,mesmo que por um momento,pareceram desaparecer do semblante de Zeyn.Ele fica confuso e até titubeia.

-Bom...Mas nós precisamos ao menos tentar,Malévola -ele dá de ombros.-É nossa chance.

-Acontece que não sou a solução para todos os problemas das trevosas,Zeyn!-digo com angústia -Vocês estão me sufocando!

-Esta é a maior chance de sua vida,majestade.Você pode salvar gerações. -o fada-macho diz com uma voz mais tranquila.

-Eu não quero ter filhos!Não quero me casar com alguém que nem ao menos tenho sentimentos.Casamento é coisa séria para mim e envolve muito mais que política e sobrevivência.

-Não existe isso de sentimentos numa união,Malévola.Nós não se importamos com isso.-ele responde com frieza -Nosso trabalho é fazer nossa raça perpetuar,se é que me entende.Nossos casais começam a se amar com o tempo.

-Eu não vou fazer isso,Zeyn.-balanço minha cabeça -Me desculpe.

-Você vai deixar sua espécie ser extinta,é isso mesmo que quer que aconteça Malévola?-ele abre os braços,em ato de questionamento.

-Claro que não!-respondo áspera,arqueando as sobrancelhas.-Mas não precisa ser assim.

-Precisa,majestade.Você está abandonando seu povo e suas origens.É a pior coisa que estás fazendo na vida e vai se arrepender disso!

Ele sai,me deixando sozinha com meus devaneios.Estou confusa,me sinto mal.Não se trata de não socorrer a espécie ou a deixar a mercê de uma extinção,mas algo dentro de mim diz que eu não sou a solução para este problema.Não desta vez.

Meu estômago volta a embrulhar,mas não é de alimentos envenenados.É de nervoso.Minha cabeça dói,não porque bati,mas de tristeza.Eu não podia abandonar as trevosas,elas são meus antepassados.Mas também não quero ter que me submeter a um casamento forçado,apenas com intuito de reprodução.Eu não quero isso para mim.

Céus,o que faço agora?








FEELINGS-MALÉVOLA E DIAVALOnde histórias criam vida. Descubra agora