Fantasmas

45 3 3
                                    

"Que dias há que na alma me tem posto / Um não sei quê, que nasce não sei onde, / Vem não sei como e dói não sei porquê."

Camões


        -   Teresa, ainda bem que atendeu. Já tinha ligado tantas vezes...

        -   Boa noite Beatriz.

        -  Ouça Teresa... ligaram-me do Hospital. A sua mãe foi internada - um silêncio desconfortável arrasta-se. - Teresa?

       -  Para si porquê Beatriz? - nem sequer sei se me sinto assim tão ofendida por não terem ligado para mim, mas o hábito de me sentir ofendida com estas coisas tem o seu peso e deixo-me levar por ele.

      -  A Alice... ela deu o meu contacto para emergências...

Ouço o ar triunfante do outro lado e bufo um riso sarcástico. Bones olha para mim com uma sobrancelha levantada e um olhar inquisitivo. Aceno-lhe para que não se preocupe mas ele levanta-se do sofá e vem ao pé de mim.

      -  Era só o que tinha para me dizer Beatriz? - não consigo disfarçar o desagrado na voz.

     -  Ai Teresa, não precisa ser tão mesquinha... a menina sabe que eu e a Alice somos boas amigas.

     -   Não me faça rir - um pequeno ronco escapa-se-me e Bones ri também. Abro-lhe os olhos para que se cale mas ele lança-me o sorriso mais lascivo que já vi e eu sinto os joelhos derreter. Concentre-se Teresa, a sua mãe está hospitalizada! - você e a minha mãe não sabem o significado dessa palavra, não a use por favor.

Bones assobia ruidosamente e eu tapo o bocal para que não se oiça do outro lado mas...

      -  Teresa, quem está aí consigo?

      -  Isso não lhe diz respeito, não é Beatriz? Que deselegante da sua parte meter-se na vida dos outros.

Ouço-a gaguejar do outro lado e só porque estou a sentir-me particularmente venenosa hoje, continuo.

      -   Pensei que tinha conseguido livrar-se dos seus tiques de burguesa Beatriz... mas calculo que seja por isso que se dá tão bem com a minha mãe.

Bones olha para mim com uma expressão de... admiração? Poderá ser isso?

      -   Teresa... - o choque na voz deixa-me mais satisfeita do que quero admitir - não estou a reconhecê-la.

     -   Pois é Beatriz, a minha educação sempre me impediu de dizer o que penso, mas isso não me tornou mais feliz... por isso Beatriz, deixemo-nos da hipocrisia de fingir que gostamos uma da outra sim?

Bones agarra-me pela cintura olhando-me como se me quisesse engolir inteira. Tento afastar-me, mas ele prende-me mais ainda.

     -   Tem mais alguma coisa para me dizer Beatriz? - deixo sair o ar que esteve preso no peito este tempo todo.

     -   Teresa... eu... nem sei que lhe diga, francamente.

     -   Experimente dizer-me o que lhe disseram do Hospital... afinal é isso que me interessa.

Bones acena afirmativamente, com o ar mais satisfeito do mundo e sinto um calorzinho no peito.

     -   Bom, o que me disseram foi que a sua mãe foi internada com grande dificuldade em respirar e testou positivo para esta doença terrível que anda por aí agora... nunca pensei que a sua mãe fosse afectada... sinceramente pensei que isso só afetasse o povinho...

Uma vida a tintaOnde histórias criam vida. Descubra agora