"It is our choices that show what we truly are, far more than our abilities." —J. K. Rowling
- Menina!
- Sim, Maria?
- O menino Artur... ele telefonou a perguntar por si... ele disse que estava a vir para falar consigo... - a voz está carregada de lamento.
- Isso foi há muito tempo?
- Foi agora mesmo, menina. Vim dizer-lhe imediatamente para que tivesse tempo...
- Obrigada Maria. - levanto-me do cadeirão devagar, sentindo as picadas da dormência a alastrar-se pelas pernas e deixo-me ficar parada até sentir-me voltar ao normal. Toco-lhe no braço suavemente e aperto para a assegurar de que tudo está bem. - eu trato de tudo a partir daqui. Quando o Artur chegar avise-me. Estarei no meu quarto, está bem?
Ela acena e vira-se para o corredor, saindo da biblioteca sem fechar a porta. Pude ver-lhe um sorriso antes de se ir embora. Talvez ela acredite mais em mim do que eu própria...
*****
- Menino Artur, a menina Teresa ainda não está pronta. Por favor, peço-lhe que aguarde no salão ou na biblioteca...
- Maria - a voz é calma mas firme - presumo que tenha avisado a Teresa de que estava a caminho. Se ela ainda não está pronta, isso revela uma imensa falta de educação da parte dela.
Corro para o quarto e fecho a porta ao entrar. Oiço os passos dele nas escadas e no corredor. Não sei por que me estou a esconder mas sinto o coração a bater tão depressa como quando vivíamos juntos e eu me escondia na casa de banho para evitar as fúrias dele. Não tenho como me preparar para o que aí vem. Nunca aprendi, limitei-me a fugir e deixar que o meu pai me salvasse...
Sei que ele está perto e a minha respiração fica presa no peito. Sinto o nó na garganta expandir-se e o pânico toma conta de mim. Ele está quase a abrir a porta, eu sinto-o. Sei como vai acabar tudo isto e sinto os olhos arder das lágrimas que cobrem a linha d'água. Sinto vontade de vomitar e tenho o corpo tão rígido que não consigo mexer um único músculo. As lágrimas começam a correr pelo rosto, sinto-as queimar a pele e tenho raiva de mim mesma por não conseguir resistir a este pânico. Por não me defender.
- Teresinha... - a voz do outro lado surge como um aviso - espero que esteja apresentável... - funga uma risada, mais para o pessoal da casa do que para mim - porque vou entrar.
Deixo-me ficar na posição fetal no chão, aceitando o que me espera como se fosse o meu destino. Oiço a porta abrir do outro lado do quarto e o meu corpo gela. A dormência toma conta dos meus membros e é neste estado de puro pânico que oiço a voz dele... Quem me dera apagar essa dor, princesa... Ninguém pode Bones... ninguém...
O meu subconsciente passa todas as cenas passadas com ele, como se visse um filme. Aquele primeiro momento em que me salvou e todos os outros momentos em que me foi resgatando... sinto o Artur aproximar-se e sei ao que vem. Vejo na minha mente o que se vai passar e vejo a vítima que sempre fui, dobrada sobre mim mesma, aceitando tudo como se merecesse o que recebo. A única altura em que achei que não merecia, foi quando estive com Bones...
O primeiro pontapé atinge-me em cheio nos braços que uso para proteger o resto do corpo. Sinto uma dor lancinante que se dissolve rapidamente nas que se seguem, os pontapés que se sucedem com fúria a um ritmo alucinante e depois deixo completamente de sentir o meu corpo. Não sei se desmaiei ou se morri... entrego-me como sempre fiz. Olho-me de cima e sinto pena, como se aquele corpo não me pertencesse, como se olha um cão abandonado e esfomeado.
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Uma vida a tinta
RomanceA vida de Teresa não está fácil. Tudo o que podia correr mal, parece acontecer ao mesmo tempo... até na sua vida aparecer o homem que a salva de mais maneiras do que ela estava à espera.