Das pequenas coisas...

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"Ser profundamente amado por alguém dá-nos força, mas amar alguém profundamente dá-nos coragem"

Lao Tzu


     -   Robert... não precisava ter vindo - queria poder abraçá-lo como se faz a um amigo querido, mas ao vê-lo de luvas e máscara recordo-me dos tempos estranhos que vivemos e deixo-me ficar a uma distância recomendada.

       -   I had to come Teresa, you know...

       -  Não me apresenta o seu amigo querida? - Artur abraça-me, como se quisesse marcar o território e sinto um arrepio de nojo atravessar-me o corpo.

       -   Artur, este é o Robert, um amigo fotógrafo...

       -   Ah, que interessante! E fotografa o quê?

Mal posso acreditar que está abertamente a flirtar com Robert como se eu não estivesse presente. Puxa-me para o lado e põe-se entre mim e Robert, tirando-me completamente do ângulo de visão dele.

Deixo-me ficar quieta. Afinal estou aqui para prestar uma última homenagem ao meu pai e não me apetece iniciar uma discussão em pleno cemitério. Viro costas aos dois mas ainda consigo ouvir a resposta de Robert.

      -  I do believe we're here for Teresa's father, so if you'll excuse me.

Sinto os passos dele atrás de mim e sinto uma gratidão tão grande que só me apetece dar-lhe um beijo e um abraço. Artur segue logo atrás em passo mais rápido até me acompanhar. Quando está ao meu lado, agarra-me o braço bruscamente e puxa-me para mais perto, sussurando-me ao ouvido:

       -   Sabe quem vai pagar pela afronta do seu amigo, não sabe minha querida?

      -   Não controlo as outras pessoas.

      -   Então não deveria ter-lhe dito para estar presente neste momento só da família.

      -  Eu preferia estar aqui sozinha, então também você não deveria estar aqui, não é? - não sei como tenho coragem para lhe responder, mas a presença de Robert dá-me alguma força.

Ele aperta-me o braço de tal maneira que não consigo evitar um gemido de dor.

       -  Vamos ter uma conversa muito séria sobre as suas amizades, mais tarde.

O tom não deixa margem para dúvidas e sei que o meu dia não vai ser fácil. Mas agora não é o momento para pensar em mim, estou aqui pelo meu pai e o crematório está aqui mesmo à minha frente.

O carro funerário vem logo atrás de nós. Está carregado de coroas de flores, de familiares e amigos. Imagino que o Artur tenha avisado toda a gente. Admira-me que não haja sequer uma câmera de televisão para registar o pesar dele ao mundo. Ah... pensei cedo demais... lá está ele, um repórter de microfone na mão e cameraman no encalço. Artur vai ao encontro de ambos, enquanto me aproximo do carro funerário. Preparo-me para espreitar o caixão, mas os meus passos estão tão pesados que não consigo mexer-me. Estou pregada ao chão.

       -  Teresa... - sinto-o aproximar-se mas ficar a alguns passos de distância. A voz está abafada pela máscara que lhe tapa a boca e o nariz.

       -  És a pessoa mais sensata que conheço Robert... 

       -   Pourquay?

        -  Porque...

Viro-me de frente para ele, com vontade de o abraçar mas vejo um olhar carregado de outros significados que não consigo decifrar.

       -  Porque - aponto para a máscara e as luvas - quem mais viria de luvas e máscara para um cemitério?

Uma vida a tintaOnde histórias criam vida. Descubra agora