Angel
A noite chegou tão depressa que mal percebi que já estava me sentindo cansada de tanto dirigir. Não tínhamos um propósito ou um destino concreto, só fugíamos, sem rumo ou direção. Mas eu já me sentia entediada de tanto dirigir.
Jason estava com um sorriso estranho no rosto, desde que falamos sobre nossos planos futuros — se é que teríamos um. Seu sorriso era até meio bobo para a cara de durão que ele normalmente mantinha. Não sei o que mais me deixava preocupada, se era quando ele estava quieto demais ou agora quando tinha esse sorriso de quem estava planejando algo, na cara. Sua personalidade bipolar transformava-o em uma incógnita a nunca ser desvendada. E, por incrível que pareça, eu gostava disso nele; o fato de ele sempre me surpreender com o que estaria pensando ou o que diria a seguir. E seu jeito misterioso era sexy, e uma verdadeira diversão para mim, que sou apenas uma mera expectadora de seu caráter.
— Então... acho que a nossa cota de hotéis já foi ultrapassada. Né? — Perguntou, me olhando de soslaio.
— Por quê? — Perguntei confusa.
— Sei lá, mas acho que seria mais divertido dormir sob as estrelas ao invés de um hotel. Talvez eu me sentisse um pouco mais livre. — Constatou.
"Não falei? Jason sempre sendo uma caixinha de surpresas".
— Se você prometer que não terá nenhum monstro lá fora, além de nós dois, é claro! — eu ri — Por mim tudo bem. — Dei de ombros.
Meu comentário fez nós dois cairmos em gargalhadas. Nunca vi Jason rir tanto, e suas risadas pareciam soar como música para meus ouvidos. Ainda mais depois vê-lo tão triste nesses últimos dias.
Contudo, sua voz ressoou em meus ouvidos, de repente, num tom grave e rouco.
— Provavelmente, Angel, eu sou o monstro mais perigoso que você deveria temer.
Naquele momento, em que o encarei estarrecida, limpei as lágrimas do canto dos olhos de tanto rir, e notei que ele me observava seriamente, com um olhar intenso sobre mim.
Ele levemente deixou que um sorriso transparecesse em seus lábios e eu apenas virei para frente e me concentrei em dirigir, mesmo que agora, meu corpo todo incendiasse por dentro e eu pudesse sentir seus olhos me analisando, me queimando conforme percorriam meu corpo.
Dirigi até encontrar uma rua de chão batido estreita; entrei na via e alguns metros à frente avistei um arvoredo e terra plaina. A lua cheia estava tão grande no céu que tudo se iluminava com seu brilho, parecendo que Deus estava segurando uma lanterna gigante focada em nós. Saímos do carro e pegamos um cobertor no porta-malas. Jason estendeu o cobertor abaixo de uma árvore, e sentou sobre ela, se escorando contra o tronco da grande árvore. Olhando-me, ele abriu os braços, num convite para que eu me acomodasse também. Sentei em meio a suas pernas, e apoiei minha nuca no seu ombro direito; seus braços fortes evolveram meu corpo. Sentindo-me confortável, repousei minhas mãos nas suas e as acariciei. Me senti segura e amada assim.
— Faz um tempo, Angel, que algo vem me assombrando e que eu preciso te contar. — Ele disse ao meu ouvido.
— Estou aqui, pode me contar o que quiser. Sempre vou gostar de saber mais sobre você, Jason. — Falei e me pus a torcer em meus dedos um fiozinho de linha que havia se soltado do meu casaco de moletom.
Jason era bem fechado quando se tratava dele. E poder descobrir coisa novas sobre ele, sempre me deixava animada, no entanto, seu timbre ao falar comigo, me deixou nervosa. Foi como se a intuição de que algo ruim saísse de sua boca, me assombrasse.
— Mas o que eu tenho para te contar é uma coisa que você não vai gostar de ouvir e que, provavelmente, possa até fazê-la deixar de me amar.
Virei em seus braços, sentando de modo que ficasse cara a cara come ele, e com convicção disse:
— Eu nunca seria capaz de deixar de amá-lo. Você já está impregnado aqui — apontei para meu coração. —, como se tivesse sido costurado com uma linha incapaz de ser rompida. — Eu peguei sua mão e a coloquei sobre meu coração mostrando-o o que eu queria dizer.
Apesar das minhas palavras o assegurando, senti que seu corpo ficou tenso, e as batidas do seu coração aumentarem drasticamente. Ele estava nervoso.
— Você sabe como eu conseguia ganhar dinheiro antigamente? — Ele fez uma pergunta retorica. Mas acabei me lembrando de uma conversa que tive com Madalena a tempo atrás.
— Nos seus serviços? Não foi? — indaguei.
— Mas você não sabe que tipos de serviços eu fazia, Angel.
Ao olhá-lo diretamente nos olhos percebi como seu olhar se entristeceu.
— Eu era um assassino de aluguel, Angel, e matei muita gente por dinheiro. E não foram apenas pessoas ruins, na maioria, eram pessoas inocentes. — Confessou.
Minha boca se abriu em um grande "O". Sempre imaginei que o antigo serviço de Jason era trabalhar como segurança, guarda-costas ou algo do tipo, nada como um assassino de aluguel havia me passado pela cabeça. Aquilo me deixou espantada.
Mas como não consegui proferir uma palavra, ele prosseguiu.
— Eu me arrependo muito de ter feito o que fiz. Isso só ajudou o monstro a crescer dentro de mim. Cada vez que eu matava uma pessoa, o rosto agonizando que eu deixava para trás se infiltrava em minha mente me fazendo lembrar da fera que eu sou.
— Você não é assim. Você é bom.
— Não, eu não sou bom, nunca fui. Você só amenizou um pouco da fera dentro de mim. Apaziguou o monstro que existe escondido em minhas entranhas. Mas cada vez que eu me lembro dos rostos que matei, eu sei que só estou tentando esconder o que realmente sou. O monstro está aqui, bem dentro de mim, Angel, apenas esperando a oportunidade para ser liberto e sair matando novamente. Eu sinto e eu tenho medo disso. Tenho medo de que você esteja por perto e veja o que eu sou capaz de fazer.
Eu o abracei, pois não sabia o que dizer. Esse é um dos momentos em que um abraço vale mais do que mil palavras.
— Teve um em especial. — Ele disse com pesar, assim que me soltou. — Aquela foi a morte que me fez entender que não tinha volta para o que eu sou.
O encarei com tristeza, percebendo que ele se arrependera imensamente seja lá o que tenha feito.
— Uma mulher me contratou para matar o marido. — Explicou. — Ela tinha um amante e queria ficar com a fortuna do marido. A quantia que ela me ofereceu para matá-lo era irrecusável, então aceitei o serviço. Mas quando eu entrei no escritório do marido, descobri que ele era um senhor de idade. Nunca vou me esquecer da sua feição de pavor quando me viu, e muito menos de sua pergunta: "Por que está fazendo isso?", e eu apenas respondi: "Porque sou um monstro". E daquele dia em diante não consegui mais controlar a fera em mim, eu matei a sangue frio qualquer um, sem me importar com quem era. Deixei que a raiva que eu sentia por seu pai se extravasasse naquelas pobres pessoas que não tinham culpa do que eu era. Então no dia em que te vi pela primeira vez, sentada embaixo do pé de castanheira brincando com seu cachorro, o teu sorriso fez algo acontecer dentro de mim. Ele foi a única coisa que me trouxe um pouco de paz.
— Jason, nem sempre somos maus porque queremos ser, às vezes somos obrigados a isso, ou é a única opção existente naquele momento. Você foi criado nas ruas, num mundo que por si só, já te torna uma pessoa ruim e então o Sombra da Noite veio e acabou com o resto de bondade que tinha dentro de você. Não é sua culpa, Jason. Você não é um monstro, monstro sempre será quem te transformou nisso.
— Obrigado. — Ele sussurrou.
— Pelo quê? — Perguntei.
— Por me dar uma chance e por me amar mesmo eu sendo assim. — Ele apontou para si mesmo.
— Ei! — Eu ri. — Eu também sou assim.
Jason riu.
Então o observando rir, eu compreendi que Jason precisava se perdoar, descobrir que ele pode ser e fazer o bem muito mais do que já fez o mal.
Jason precisava aprender o que era viver.
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Protegendo (terceiro livro da trilogia Salva-me)
Misterio / SuspensoPara salvar seu amado Angel precisou fazer uma escolha. Uma escolha que a mudou completamente. Agora ela precisará lidar com a fera que há dentro do seu ser. Contudo, Jason e Angel descobrirão verdades, enfrentarão o perigo e terão que correr contra...