14. the song remembers when

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NOAH

Assim que atravessamos a fronteira, eu consegui ver os nervos de Joalin diminuindo aos poucos. Sua perna tentava chacoalhar pra cima e pra baixo, e às vezes ela mordia os cantinhos da unha por causa da tensão, mas eu tentava a todo custo distraí-la de alguma forma. As músicas que tocavam tinham sido praticamente escolhidas a dedo por mim, contendo todas as suas preferidas. Eu puxava assunto sempre que sentia seu medo voltando, e a gente conversava até sobre as árvores que encontrávamos na estrada. Foram longas horas de viagem, mas estando ao seu lado era como se todo minuto fosse curto demais. Quando não cantávamos cada palavra das músicas do Queen, comentávamos sobre os nomes das cidades que cruzávamos. Até que finalmente chegamos. 

Eu reconhecia aquela estrada como se fosse a palma da minha mão, considerando as inúmeras vezes que viajei com meus pais para visitar algum parente de fora, ou nas suas férias do trabalho. E nada havia mudado. A placa que anunciava a entrada da cidade tava levemente mais desgastada, mas ainda me inundava de lembranças e memórias de tantos anos vividos aqui. Assim que nos aproximamos do trevo que conectava a estrada com as ruas da cidade, eu senti a mão de Joalin em cima da minha, segurando o câmbio junto comigo. A gente sorria um pro outro, relembrando cada mínimo detalhe que trazia tudo de volta. Eu desacelerei bastante a velocidade do carro para conseguirmos acompanhar todas as novas e antigas lojas das mesmas famílias que moravam ali há anos de tradição. Alguns terrenos que antes estavam vazios agora foram ocupados por casas novas, pequenos negócios, e muitas locadoras de filme. Era como se eu tivesse visitando um livro antigo, como se alguém tivesse narrando uma fábula bem antiga pra mim. E Joalin sentia isso também, pois o rosto dela tava inundado com um sorriso de orelha à orelha. Mesmo no anoitecer e com as luzes foscas dos postes e de alguns faróis que cruzavam nosso caminho, eu conseguia ver seu rosto todo iluminado de felicidade e nostalgia.

Nós passamos em frente à nossa escola, que à essa hora da noite estaria completamente vazia se não fosse pelos pequenos grupos de alunos que ficam treinando e estudando até tarde. Eu senti um arrepio ao relembrar de tantas e tantas coisas que passamos ali com nossos amigos, e isso me dava muita saudade. Nós avançamos mais um pouco até chegar no alto da nossa rua, e meu coração pulava algumas batidas. Joalin, que antes grudava seu rosto na janela, agora abaixava o vidro e se esticava um pouco pra fora, sentindo o vento forte e frio trazer de volta o cheiro familiar dos pinheiros e ipês dos nossos desde sempre vizinhos. Ela sorria e não se importava com os fiapos de cabelo voando a toda velocidade nas suas bochechas. Poucos segundos depois eu avistei o pedaço da rua que carregava praticamente toda carga emocional de lembranças que eu vivi na minha vida. Assim que desliguei o carro e o som, fomos assolados pelo silêncio daquela rua. Nós ficamos dentro do carro por longos minutos, apenas encarando as nossas duas casas, uma ao lado da outra. No jardim da casa que antes pertencia aos Loukamaa, era possível enxergar uma placa de madeira perto da caixa de correio, anunciando sua venda. A casa tava completamente vazia, e era estranho pensar que há alguns anos ela morava ali e, por isso, eu era a pessoa mais sortuda do mundo. Já a minha casa, a pouquíssimos metros de distância, tava com diversas luzes acesas e uma bicicleta encostada na varanda da frente, que eu reconheci ser a que minha irmã usava há um bom tempo.

- Isso é louco. - ela finalmente comentou, interrompendo nosso silêncio de observação.

- Sim... - minha voz tava um pouco trêmula. Eu voltei aqui algumas vezes desde que fui embora pra faculdade, mas voltar aqui com Joalin era bem mais diferente do que eu imaginava. - Ei... - eu a olhava. - Você conseguiu!! Fez sua primeira viagem de carro desde o acidente.

- Você acredita nisso? - ela sorria bastante, com os olhos brilhando.

- Eu tenho muito orgulho de você, ok? - me aproximei, dando um beijo no topo da sua cabeça. - Vamos nessa?

Ready for Love | NoalinOnde histórias criam vida. Descubra agora