the real story

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Trinta minutos se passaram e ainda estávamos presos naquele cubículo. Entre uma leve crise de pânico e outra, eu e Christian conversamos sobre tantas coisas que o tempo pareceu voar. Eu lhe contei sobre o motivo de eu ter me mudado e descobri que sua família era dona de uma fábrica de charutos (ou eram cigarros?) e que sua família vinha da Colombia, por isso o "Gonzales". Bem que eu tinha notado uma pitada de sotaque nele.

— Posso perguntar uma coisa? — indaguei depois de alguns instantes em silêncio. Ele assentiu com a cabeça. — Eu escutei umas coisas, sobre você e uma garota...

— Argh, de novo não. — Christian esfregou a têmpora esquerda num claro desconforto. — Com certeza você escutou que eu fiz alguma merda e a garota fugiu para algum país que não aceita latinos.

— Ahn... — desviei o olhar meio constrangida. — Algo assim.

— Pensa comigo: eu espalhei uma foto dela, mas ninguém nunca viu ou sabe como é essa foto. — sua voz começou a se elevar. — Eu espalhei um boato sobre ela, mas ninguém sabe que boato é esse. Um pouco estranho, não? Eu sei que essas coisas acontecem de verdade e a garota sempre sofre muito mais. Só que... ninguém, ninguém mesmo, ao menos veio falar comigo pra tentar tirar a história a limpo.

Havia dor em sua voz e eu sabia que ele estava falando a verdade. Christian respirou fundo e encarou a porta do elevador, o olhar vazio.

— A garota me usa, rouba dinheiro da minha família, foge para a puta que pariu e eu sou o vilão. Mais fácil agir como um, não? — ele voltou a me olhar, agora com um sorriso meio cínico nos lábios. — Com certeza você já ouviu por aí que eu só ando em bares, brigando e enchendo a cara, saio dirigindo bêbado e atropelo velhinhas, que já fui preso mais vezes do que posso lembrar. Claro, nem tudo é verdade.

Torci para que pelo menos a parte de atropelar velhinhas fosse mentira. Eu estava certa então, ele não era tudo aquilo que falavam. Por toda minha a vida fui julgada e rejeitada pelas pessoas que deveriam ser as mais importantes pra mim, então eu tinha alguma noção do que ele sentia. Nunca gostei de estudar, nunca fui boa em esportes ou artes, nunca tive nenhum talento que me diferenciava dos outros. E para meus pais, uma engenheira e um professor, essa era a maior das decepções. E então veio minha irmã, a melhor da turma, sempre dedicada, certinha e aplicada, e ficou claro que eu não pertencia àquela família.

Engoli o nó que se formou em minha garganta e pousei a minha mão sobre a dele.

— Você não precisa ser assim. Quem liga pro que os outros acham? Você sabe a verdade, só isso importa. — tentei soar o mais convincente possível, já que que nem eu mesma acreditava muito nisso. — Quem se recusa a ver isso é o errado da história.

Ele me olhou nos olhos por um tempo antes de separar nossas mãos. Não consegui decifrar o que seu olhar queria dizer e nem tive muito tempo, já que ele se levantou logo em seguida.

— Já estamos presos há muito tempo aqui...

Aquela foi sua última fala da noite. Apertamos todos os botões de novo, batemos na porta e tentamos ligar para os bombeiros. Não sei ao certo qual deles deu certo, mas em alguns minutos saímos de lá. Ele pegou sua moto, eu peguei minha bicicleta e seguimos caminhos opostos, como se nada tivesse acontecido.

Eu não sabia bem o que sentir. Não poderia ficar triste por causa de uma pessoa que eu nem conhecia, poderia? E no final, eu estava certa. Provavelmente todas as coisas ruins que falavam sobre ele também eram mentira. Tinham criado um monstro em cima da imagem de Christian, mas no fundo ele era apenas um cara normal e que tinha sido injustiçado.

Martelei esses pensamentos enquanto pedalava até meu prédio, onde tinha alguém sentado na frente dele.

— Dave? — apertei os olhos para tentar enxergar melhor, depois de prender a bicicleta. Apesar de estar escuro, aquele cabelo que parecia ter vida própria era único, eu o reconheceria no meio de uma multidão de cabelos bagunçados.

— Meu Deus, Aly! Finalmente! — ele correu em minha direção, parando a poucos centímetros de mim. Seus olhos me analisavam por inteiro. — Por que você demorou? Achei que tinha acontecido alguma coisa.

— Fiquei presa no elevador. — choraminguei enquanto ele passava o braço pelos meus ombros e subia as escadas comigo. — Não tinha sinal de celular...

— E você ficou esse tempo todo sozinha? — ele estava preocupado comigo, dava pra perceber em sua voz. Fiquei feliz com aquilo.

Hesitei por um instante e respondi que sim. Ninguém precisava saber daquele imprevisto com Christian Gonzales, para os meus amigos nada tinha mudado. E tudo que eu precisava agora era do meu amigo e bastante espaço livre.

Uma Segunda Chance (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora