— Não vai me chamar para entrar?
Sua voz me tirou dos meus devaneios, eu devia estar há quase um minuto só olhando para a pessoa na minha frente. Sabrina lembrava muito a minha versão de uns anos atrás: cabelos escuros, olhos brilhantes e algumas sardas salpicando o rosto. Mas em todo o resto éramos bem diferentes.
Deixei ela entrar, ainda meio em choque. O que diabos ela estava fazendo aqui? E o que tinha conseguido tirá-la daquele estado de garota perfeitinha e deixá-la dessa forma? Lá no fundo, eu já sabia a resposta.
— Como me achou? — perguntei depois que ela sentou em uma ponta do sofá, e eu sentei na outra. Ela passou a mão nas bochechas, limpando os rastros de maquiagem. Eu, sem pensar muito, fiz o mesmo.
— Você não é muito discreta no Instagram, Alex. — meu nome parecia estranho saindo de sua boca. Ter ela ali me lembrava toda a vida que eu tinha deixado para trás, e não me trazia uma sensação nada boa. — Você está diferente.
Realmente, em seis meses eu tinha mudado bastante. Ganhei alguns quilinhos, meu cabelo tinha crescido um pouco e, em qualquer outro momento que não fosse esse, eu estava bem mais feliz. Amaldiçoei o destino por ter feito ela me ver naquele estado.
— O que você está fazendo aqui, Sabrina? — nunca fomos o tipo de irmã que falavam sobre a vida, e eu não estava a fim de começar agora.
Sabrina tirou o casaco que vestia e por um momento o ar escapou dos meus pulmões. A peça de roupa escondia seus braços cobertos por hematomas e machucados, que pareciam ter sido feitos há alguns dias. Uns estavam roxos, outros já amarelados pelo tempo. Havia marcas de dedos ao redor de seu bíceps, e só agora consegui perceber marcas semelhantes ao redor de seu pescoço. Os olhos de Sabrina se encheram de lágrimas.
Meu estômago estava vazio e isso parece ter piorado o enjoo que me subiu pela garganta. Tudo que consegui sentir foi nojo.
— Eles fizeram isso com você? — minha voz saiu baixa, e eu nem ouvi a dela quando ela afirmou.
Nossos pais.
Eu sempre invejei as famílias dos filmes e livros, que sempre pareciam perfeitas e tão acolhedoras. Não demorei muito para perceber que aquilo não passava de uma fantasia, histórias inventadas para disfarçar a crueldade que existia no mundo. E eu não vivia naqueles mundos fictícios, eu vivia no mundo real. E nesse mundo, as coisas ruins estão mais perto do que imaginamos.
Esfreguei o rosto, me convencendo com meu próprio toque que não estava presa em um pesadelo. Eu sempre me convenci de que quando eu saísse de casa, meus pais e ela seriam a família perfeita, a família que eles sempre desejaram ser, com a filha que eles sempre desejaram. Mas com ela ali na minha frente, finalmente percebi que aquilo nunca aconteceria.
Sabrina agora não era mais a garota que sempre me olhou com superioridade, alimentada pelos nossos pais. Não era mais a pessoa que eu sempre me comparava e perguntava por que eu não era como ela. Ela estava frágil, indefesa, encolhida como se eles pudessem chegar a qualquer momento e machucá-la de novo. Ali, ela não era mais a pessoa que eu acabei criando um sentimento tão ruim que mal conseguia olhar para ela. Ali... ela era só a minha irmã mais nova.
— Desculpa. Por todos esses anos. Desculpa. — ela disse entre os soluços quando a abracei, tentando protegê-la de todo o mal. Também chorei ao apertá-la cada vez mais em meus braços, um turbilhão de sentimentos querendo saltar do meu peito.
— Não, você que tem que me desculpar. Eu fui a pior irmã mais velha possível...
— Eu também não fui uma irmã muito boa... — concordei com ela e rimos entre os soluços e coriza escorrendo por nossos narizes.
— Mas me conta. — voltei a ficar séria, enquanto levava meu olhar para os machucados em sua pele alva. Ainda não pareciam reais. — Por que fizeram isso com você?
— Acho que depois que você foi embora... eles precisavam de um novo saco de pancadas. — ela deu uma risada triste e abraçou os joelhos. Sabrina ao meus olhos sempre foi uma garota indestrutível, autossuficiente. E vê-la naquele estado estava virando meu mundo de cabeça para baixo.
— Mas eles nunca me bateram assim. Jeremy só me bateu uma vez. — o nome dele saiu tão natural que nem me surpreendi por não conseguir chamá-lo de pai. — Aconteceu mais alguma coisa?
— Eu... tirei uma nota baixa. — Sabrina apontou para alguns roxos em seu braço. — Fui para uma festa escondida. — apontou agora para o outro braço. — Beijo um garoto no meu quarto. — as marcas em seu pescoço.
Quis socar a almofada, a parede, o chão, tudo ao meu redor. Mas o que Sabrina menos precisava era de mais agressividade. Ajudei-a a colocar o casaco de volta, cada vez que eu olhava as marcas em seus braços a raiva aumentava em mim.
— Eles sabem que você está aqui?
— Não. Eu disse que ia dormir na casa de uma amiga.
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, o barulho que minha barriga fez preencheu toda a sala. Sabrina gargalhou. Dei um peteleco em sua testa e a puxei para mais um abraço, antes de ir até a cozinha fazer algo para nós comermos.
Enquanto eu fazia panquecas e ria com a minha irmã - coisa que eu nunca me imaginei fazendo -, tomei uma decisão que talvez fosse me arrepender. E muito. Mas aquilo não poderia ficar assim.
Christian tinha ido embora. Dave talvez não quisesse mais falar comigo. Maya não estava mais sozinha, tinha a namorada pra fazer companhia. E agora minha irmã precisava de mim. Não tinha mais nada me prendendo aqui.
— Nós vamos voltar. Assim que possível. Eles não podem tratar a gente como se fôssemos "sacos de pancadas". — repeti o termo que ela usou, mesmo sendo horrível.
Depois de tomar um banho, Sabrina usava minhas roupas e estávamos mais parecidas que nunca. Lá no fundo, eu sempre quis isso: ter uma irmã. E eu faria de tudo pra não perder aquilo.
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Uma Segunda Chance (PAUSADA)
RomanceAlexia precisava recomeçar. Cidade nova, amigos novos, vida nova. E tudo parecia correr bem até que um problema chegou para atrapalhar tudo. E esse problema tinha nome, sobrenome e endereço. E ele era lindo. Mas será que valia a pena colocar tudo q...