here we go again

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  Amanhã completariam cinco dias desde o incidente do cinema, e cinco dias que Christian não falava comigo. Não respondia minhas mensagens e não retornava minhas ligações, nem ia a cafeteria. Eu queria poder tomar uma pílula para poder ignorar meu sentimentos, mas ela ainda não existia. Tinham as drogas, claro, só que eu não tinha chegado nesse nível. Por enquanto.

E agora... era diferente. Durante todos aqueles meses que eu admirava Christian de longe, apenas imaginando como deveria ser seu cheiro ou seu rosto ao acordar, era apenas uma fantasia, um desejo saudável por algo quase que inalcançável.

Então ficamos presos juntos num elevador, eu costurei sua barriga no chão do seu banheiro e nos beijamos ao som de um filme de terror. Nem nos sonhos mais loucos eu imaginaria alguma dessas coisas com um garoto, muito menos com aquele garoto. Mas aconteceu. E aos poucos eu fui me apaixonando de verdade, as mensagens que trocávamos faziam parte do meu dia e eu nem reclamava mais do sono que sentia ao acordar depois de dormir tarde por causa de horas numa ligação com ele.

Tudo aconteceu em segredo. Um segredo que eu guardei a sete chaves, parte por medo de perdê-lo e perder tudo que estávamos construindo aos poucos, parte por medo do que os outros iriam pensar. Foi errado, eu sei. E mesmo se eu não tivesse consciência disso, o silêncio de Christian me faria perceber rapidinho.

Era uma típica manhã de inverno em Portland. Ainda não nevava, mas o céu indicava que isso poderia acontecer a qualquer momento. O ar era frio e pesado, bem como meu humor naquele dia. Vesti-me com um suéter azul turquesa e uma calça preta, os pés bem aquecidos e protegidos por botas de cano curto e uma touca preta que fazia o mesmo papel em minha cabeça. Esses dias de gelo - vindo de Christian - me fizeram focar mais no trabalho, era um bom refúgio. Peguei turnos extras e voltei mais tarde para casa nesses dias, apreciando a companhia da noite.

— Bom dia, senhoria Alexia. — sr. Al me cumprimentou quando entrei na cafeteria. Lá dentro estava tão quentinho e aconchegante... — Achei isso por debaixo da porta, imagino que seja para você.

Depois de colocar meu avental, peguei o papel de suas mãos. Era pequeno e estava meio amassado e caligrafia mais se pareciam com garranchos do que letras.

"Loira, me encontre no parque. 21 horas. — C."

Não precisava do "C" para eu saber que era do Christian. Só ele me chamava de loira, e eu particularmente adorava aquele apelido.

Como se o sol tivesse criado espaço entre as nuvens carregadas de água, meu dia se iluminou. E pelo resto dele eu trabalhei com pressa e ansiedade, como se pudesse acelerar o tempo e pular para a parte em que eu e Christian nos encontrávamos. Eu pediria desculpas, ele falaria que estava tudo bem, nós nos beijaríamos por um bom tempo e tudo voltaria ao normal.

Mas foi tudo bem diferente.

Na hora exata em que ele marcou, eu me encontrava de pé no centro do parque, no mesmo lugar em que eu vim ajudá-lo semanas atrás. A lembrança me trouxe arrepios que correram pela minha espinha inteira, e o frio que estava fazendo não ajudava.

Sentei-me num banco, a madeira estava úmida e com certeza minha calça ficaria molhada mais tarde, mas Christian estava demorando. Dez minutos. Quinze minutos. Vinte. A noite já caía por completo e as pessoas em sua maioria já corriam para suas casas, procurando se proteger do frio. E eu estava prestes a fazer o mesmo quando o vi. Sua silhueta vindo em minha direção era inconfundível.

—Desculpa a demora. — sua voz era séria. Controlei minha vontade de pular em seus braços e apenas segurei sua mão que esperava a minha no ar. — Vem comigo.

Caminhamos em silêncio por alguns instantes e paramos em frente a um carro. Ele abriu a porta do carona e eu entrei, Christian o fez logo em seguida no lado do motorista. Estávamos no que parecia ser um rua sem saída, com pouca iluminação e sem um resquício de vida por perto. Senti meu coração bater forte no peito. Ele não faria algo comigo. Faria?

— Você me magoou, loira. De verdade. Eu achei que estávamos indo pra alguma direção, eu achei que você fosse diferente das outras. — abri a boca para responder, mas sua mão se levantou e seu indicador cobriu meus lábios. — Deixa eu terminar... ainda assim, mesmo com você tendo vergonha de mim, eu ainda sinto que você é diferente. Eu te contei meus segredos, você já sabe sobre a minha família. E ainda escolheu ficar. Então eu te devia isso, uma explicação.

— Explicação? Como assim? O que tá acontecendo, Christian? — era óbvio o medo em minha voz. Ele estava sério, falava tudo muito rápido e só fazia as minhas paranoias aumentarem. Sua mão foi de encontro a minha.

— Eu vou embora, Alexia. Voltar para a Colombia. — uma pausa se fez. Seus olhos não saíam dos meus. — Não é mais seguro aqui pra mim, pra minha família. Tem gente atrás de nós, querendo tomar parte dos nossos negócios. E... você me magoou sim aquele dia, mas eu só parei de falar com você porque não podia te colocar em perigo. Acabou que o seu segredo foi uma coisa boa. — ele riu baixinho, uma risada triste. — Por isso eu te trouxe pra cá, quanto menos souberem de nós, de você, melhor.

Era muita coisa pra assimilar. Christian percebeu isso e me deu um tempo. Ficamos os dois em silêncio enquanto um turbilhão de pensamentos fazia minha cabeça girar.

Não precisava de muito para entender que queriam matá-lo e que, se eu fosse uma pessoa próxima dele, minha cabeça também estaria no jogo. Eu não entendia muito bem os negócios da família dele, mas sabia que envolvia muito dinheiro e pessoas ruins de verdade. Sua preocupação em me deixar de fora só deixava tudo mais difícil.

Estava tudo dando certo! Era pra ser a minha vez de ser feliz. Claro, ainda tinha muitas coisas pra pensar, mas não era justo que essa chance fosse tirada das minhas mãos tão cedo. Não tivemos a oportunidade de dormir juntos, eu não conheci sua família e ele não conheceu a minha (que no momento eram Maya e Dave), não falamos "eu te amo" um para o outro. E a falta daquelas coisas me doeu mais do que pude imaginar.

— Por favor, não fica assim. — ele disse quando viu as lágrimas que ameaçavam transbordar dos meus olhos. — Está sendo difícil pra mim também... fazia tanto tempo que eu não gostava de alguém de verdade. Desde...

— Eu sei. — era da ex louca e que o deixou com uma péssima reputação de quem ele estava falando. Desde o começo eu sabia de alguma forma que ele não era uma pessoa horrível, e justo quando eu pude provar e aproveitar aquilo... — Você não pode ficar, de jeito nenhum? Você poderia se mudar de casa, se esconder em algum lugar até as coisas melhorarem...

— Eu queria que existisse essa chance, de verdade. — Christian segurou meu rosto em suas mãos, o polegar fazendo leves carícias em minha bochecha. As lágrimas finalmente se libertaram. — Mas as coisas não funcionam assim, loira. É bem mais complicado.

— Quando você vai? — consegui perguntar com a voz trêmula.

— Hoje mesmo, daqui a algumas horas. — Sua voz morreu e junto com ela toda minha esperança de fazer seus últimos momentos comigo valerem a pena. Ele me abraçou e eu derreti em seus braços, sem força para fazer mais nada.

Talvez tenha sido melhor assim. Talvez se nós tivéssemos tido tempo para nos conhecer mais e fortalecer esse sentimento que estava crescendo, esse momento seria muito mais doloroso do que já está sendo.

Eu sempre acreditei que o amor resolveria tudo. Mas é muito cedo para chamar de amor... e talvez esse seja o motivo pelo qual tenho que deixá-lo ir.

Ficamos um tempo em silêncio e ele dirigiu até a minha rua. Nos permitimos um último beijo; lento, mas intenso. Eu queria decorar cada canto de sua boca e se possível prender o seu cheiro no meu. Mas aqueles detalhes só viveriam em minha memória agora.

Christian foi embora e eu andei pela rua, no final acabei invertendo o caminho e indo em direção a outra casa. Bati duas vezes e esperei que atendessem. Minha cara estava horrível, a maquiagem borrada embaixo dos olhos e o nariz escorrendo pelo choro que ameaçava voltar.

A porta se abriu e eu me joguei nos braços do meu melhor amigo. Sem falar uma palavra, Dave me puxou para dentro e apertou ainda mais seus braços ao meu redor. Aquele abraço que eu já poderia chamar de lar, e que era o único que poderia tentar juntar os pedaços do meu coração.

Uma Segunda Chance (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora