I knew you were trouble

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Eu nunca fui uma adolescente rebelde. As únicas merdas que eu fazia eram sair de casa escondida ou matar aula com os alunos mais velhos da escola. Quando eu tinha 15 anos, fiz amizades com um grupo de garotos que não ligavam para o que era certo ou errado, apenas faziam o que bem entendiam. E no auge da minha adolescência, aquilo era máximo. Até eles colocarem maconha na minha mochila e quase me fazerem ser expulsa da escola. Olhando para trás, esse episódio foi uma das coisas mais doidas que já fiz na vida.

E agora, eu estava no meio de um parque, fazendo pressão na barriga de um cara que eu mal conhecia para tentar estancar o sangue do seu ferimento. Minhas mãos tremiam mais que tudo e eu respirava fundo a cada cinco segundos tentando não desmaiar. Odiava sangue.

— Me diz de novo porque você me ligou e não chamou uma ambulância. — indaguei, a voz baixa para não chamar muita atenção.

— Já disse... eu não podia. — Christian se esforçava para falar, estava tão pálido quanto eu. — E por favor, não ligue... não ligue pra uma agora. Não posso ir... pra um hospital.

Choraminguei. Levantei as mãos rapidamente e olhei o corte. Não  parecia muito profundo e ele tinha me dito que tinha sido de raspão, mas ainda assim precisaria de pontos. Minha cabeça estava a mil por hora. O que tinha acontecido com ele para terminar desse jeito? E por que ele não podia ir para um hospital? E por que diabos ele me chamou?! Desde o acontecido no elevador, ele não tinha aparecido na cafeteira e nem no Instagram dava mais sinal de vida. E do nada ele me chama para cuidar de uma facada que recebeu. Que belo primeiro encontro.

— Ok, ok. Você mora aqui perto? — Christian afirmou com a cabeça. Passei um braço pelas suas costas e o ajudei, com dificuldade, a se levantar. Não tinha ninguém por perto, nem mesmo idosos fazendo suas atividades matinais. Agradeci internamente. — Vai falando o caminho e quando chegarmos lá, damos um jeito.

Levei-o até o carro e graças as suas coordenadas, mesmo entre gemidos de dor, em poucos minutos chegamos em sua casa. Que mais se parecia uma mansão. Ele me orientou a parar na entrada dos fundos e, fazendo o máximo de silêncio de possível, entramos naquela imensidão que ele chamava de lar. A casa tinha dois andares, mas altura suficiente para uns cinco. As paredes e pilastras eram de mármore branco, e a decoração uma mistura de Grécia antiga e da atualidade. Se não tivesse um cara sangrando em mim eu poderia passar o dia inteiro admirando aquela arquitetura incrível.

— Onde é seu quarto? — presumi que tinha um banheiro nele também. Christian apontou para a última porta no corredor e usei minhas últimas forças para arrastá-lo até lá. Pelo silêncio seus pais ainda dormiam e nós tínhamos algumas poucas horas até que eles acordassem. Eu estava certa e não tinha apenas um banheiro, era o maior que eu já tinha visto. Coloquei-o sentado na beirada da banheira e procurei por algum kit de primeiros socorros nas gavetas. Bingo.

— Você sabe que vai precisar levar pontos aí, né? — ajoelhei na sua frente e o ajudei a tirar a blusa. Uau... ok, sem tempo pra isso. Usei gazes limpas e álcool para limpar o ferimento. Ele urrou de dor, mas a toalha entre seus dentes abafou o barulho. Senti meu peito apertar com aquela cena.

—Sim... nada que eu nunca tenha feito antes. — segui seu olhar até a caixa do kit. Havia agulhas e linhas que reconheci serem de sutura. Ele só podia estar brincando comigo.

— Você não vai fazer isso, Christian. Não mesmo.

— Eu não vou. Você vai. — arregalei os olhos. Sua expressão séria mostrava que ele realmente não estava brincando.

Tá aí, essa foi a coisa mais doida que já fiz na vida. Costurar uma pessoa sem a mínima experiência. A única coisa que já costurei na vida foi um vestido meu que rasgou no meio de uma festa e tinha ficado tão bom que ele se soltou alguns minutos depois e eu tive que ir embora. Mas uma pessoa... aquilo era completamente diferente. Christian tomou algumas pílulas que ele jurou que diminuiriam sua dor e me guiou durante todo o processo. Minhas mãos tremiam, eu suava frio e meu estômago se revirava cada vez que a agulha atravessava sua carne. Foi o momento mais desesperador da minha vida. Mas no final, por incrível que pareça, deu certo. Ele ficaria com uma cicatriz horrível no futuro, mas não sangrava mais e estava fora de perigo.

Me permiti relaxar e sentir um mínimo de orgulho enquanto tomava um banho quente. A água se misturava com o sangue de Christian grudado ao meu corpo e adquiria tons de vermelho, tons que me arrepiavam mesmo depois de tudo que eu consegui fazer. Enquanto eu o suturava não pude deixar de perceber outras cicatrizes semelhantes em seu corpo, fora aquelas em seu rosto. Por um momento duvidei se eram de brigas realmente, mas agora não tinha mais outra resposta. Aquela era a vida dele. Ponderei por um instante. Eu deveria escutar meus amigos que falavam que eu deveria ficar fora do caminho, fora da vida dele? Deveria, com certeza. Mas algo sempre me puxava de volta.

— Você vai me contar o que aconteceu agora? — sentei-me na poltrona do seu quarto. Enquanto eu tomava banho, Christian preparava chocolate quente para nós dois. Era bem doce, incrivelmente bom. E tinha uma pitada de canela.

— Acho melhor não...

— Eu acabei de te remendar, Christian. Estou usando suas roupas, na sua casa sem os seus pais nem saberem. Acho que é o mínimo que mereço.

Seus olhos me encararam. Eram de um tom escuro, castanhos quase negros. Intensos. Seguidos alguns segundos, ele cedeu. Ajeitou-se na cama com dificuldade e então me chamou para sentar ao seu lado, em sua cama. É claro que eu já tinha me imaginado em sua cama, mas não se parecia nada com isso.

— Por um lado, não foi nada demais. Eu conhecia o cara. Já tínhamos discutido algumas vezes, eu sem saber peguei a mulher dele e ele não gostou nada disso. Ele tinha uma faca, provavelmente estava me seguindo a algum tempo, e aconteceu o que aconteceu. — as palavras saíram tão rápido que mal tive tempo de acompanhar.

— Isso não explica o por quê de você ter me chamado e não ter ido para o hospital. — o pressionei depois de um gole na bebida. Ele hesitou.

— Se meus pais souberem disso, vão querer ir atrás dele. Meus pais, eles... têm bastante influência por aqui, sabe? Podem ser bem... perigosos.

— Mas o cara tentou te matar! Seria tão mal tentarem prender o cara? — Christian me olhou, parecia querer rir, mas ao mesmo tempo parecia que tinha pena de mim. Me chamava de inocente com os olhos. E então as peças se encaixaram com um click na minha cabeça. Os Gonzales não iriam apenas prendê-lo. — Ah...

— Sim. Não seria a primeira vez, mas também não seria a última. — sua expressão demonstrava o incômodo que sentia. — Eu tento ficar longe dos negócios ao máximo. Só queria ser um jovem normal, sabe?

Sua voz carregava um peso e seus olhos também. Então era por isso que seus pais eram famosos na cidade. A fábrica de charutos era apenas uma fachada para esconder o que eles realmente faziam. Tráfico? Seria a família algum tipo de máfia? Preferi não perguntar, era informação demais para mim e com certeza Christian não gostava daquele parte dele.

Eu sei que eu deveria ficar longe de problemas, e Christian era um problema enorme. Mas cada vez que eu descobria algo sobre ele, eu queria mais.

Uma Segunda Chance (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora