girls like girls too

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  Sexta-feira foi o dia que eu e Maya escolhemos para ser nossa noite de filmes e séries. Era algo só nosso, sem garotos, sem trabalho, sem faculdade. Só duas amigas entrando em algum mundo fictício e nos imaginando fazer parte dele. Quando a vida está muito complicada, coloque um filme e fuja dela por uns instantes.

Estávamos sentadas em sua cama, comendo pipoca e tomando cerveja. Acredite, é bem gostoso. Depois de umas quatro ou cinco, já estávamos bem altas a ponto de rir de cada movimento dos personagens. Nessa sexta escolhemos "I am not okay with this", uma série curta e que conseguimos terminar no mesmo dia. A personagem principal tinha poderes e toda hora nós falávamos o que faríamos se também tivéssemos. Entre arrumar o quarto bem mais rápido e assustar as pessoas, eu disse que também explodiria a cabeça de algumas pessoas... brincadeira, é claro.

Após o último episódio, Maya e eu nos jogamos na cama, deitadas de costas e para lados opostos, mas com os rostos lado a lado. O teto girava e eu ria sem motivo algum, enquanto Maya estava estranhamente quieta. Virei-me para olhá-la, e ela fazia o mesmo. Seus olhos cor de mel me fitavam, como se procurassem algo bem no fundo da minha alma. Senti um arrepio correr pela minha espinha.

— O que foi? — indaguei, arqueando as sobrancelhas. Maya hesitou antes de responder.

— Eu não sei bem como dizer... — ela estava nervosa, podia ver. Eu teria ficado bem preocupada se seu rosto não tivesse girando na minha frente.

— Vaaai, fala! Você sabe que pode me contar qualquer coisa, não sabe? — arqueei uma sobrancelha. Ela meneou com a cabeça.

— Eu... — seu lábio inferior tremia levemente. Afastei um cachinho que caía sobre sua testa. — eu gosto de mulheres, Alex.

Eu pude sentir o peso se esvaindo de seus ombros. Não segurei o sorrisinho que se formou em meus lábios e então meneei com a cabeça. Aquilo explicava muita coisa. Todas as saídas com a mesma amiga (qual era o nome dela? Jade?) e as vezes que ela vinha aqui pra casa, as duas sempre pareciam estar fazendo algo quando eu chegava. Eu sempre compartilhava meus amores platônicos pelos garotos da cidade, mas Maya nunca falava sobre sua vida amorosa. E a relação difícil com a família, a qual ela nunca tinha falado o motivo... tudo fazia sentido agora. Sentei-me e peguei sua mão, a chamando para fazer o mesmo.

— Acho que de certa forma eu já sabia. — respondi, com o riso meio solto ainda. — Por que demorou tanto pra me contar?

— Eu fiquei com medo... — seu rosto estava triste, mas ao mesmo tempo percebi o alívio que deve ter sido finalmente poder se abrir. Beijei as costas de sua mão e depois fiz carinho na mesma.

— Não precisa ter, nunca mais. Eu te apoiaria até se você tivesse interesse por aliens. — consegui fazê-la rir e meu sorriso se alargou. — E não é como seu pudesse te julgar, já tive minhas aventuras com garotas também.

Seus olhos se arregalarem de surpresa e a partir dali compartilhamos nossas histórias. Maya se descobriu lésbica aos 12 anos, quando todas meninas da sala falavam sobre garotos e ela só queria passar mais tempo com a filha da vizinha. Aos 16 ela se abriu para os pais e a resposta não foi nada positiva. Um ano depois ela saiu de casa e agora, dois anos depois, ela tem a melhor companheira de quarto. Sim, euzinha. Antes de me mudar eu tinha um amigo gay, Luke. Ele tinha apanhado do pai ao revelar sua orientação e sua vida era um verdadeiro inferno dentro de casa. Nunca passei na pele, já que nunca me assumi como bissexual para minha família, ou até mesmo para meus amigos, mas eu tinha uma mínima noção de como era ruim viver assim, e se dependesse de mim, Maya nunca mais sentiria aquilo na vida. Ela era minha melhor amiga, minha família. E eu faria de tudo para proteger a pessoa que me acolheu como família.

"Meus dedos se fecharam com força e então, depois de barulho alto e oco, tudo que eu vi foi sangue. A cabeça do cara tinha explodido diante dos meus olhos, me encharcando de vermelho e restos de miolos. Meu estômago se embrulhou. Eu tinha feito aquilo. Eu matei uma pessoa. Tropecei em alguém enquanto andava para trás, meu corpo por inteiro tremia e logo aquela sensação tomava conta de todo o lugar. As pessoas correndo, o ginásio em que estava. Tudo tremia. Na verdade vibrava. Parecia um... celular?!"

Levantei com um salto. Tinha pegado no sono ao de lado de Maya e minha sorte era que ela tinha sono pesado. Peguei o celular que tocava e saí do quarto na ponta dos pés. Esfreguei os olhos e me esforcei para enxergar a tela. Por que um número desconhecido me ligava às 5h da manhã de um sábado?

— Alô? — minha voz de sono era óbvia. Aguardei por uma resposta que demorou a chegar. A pessoa parecia gemer de dor. — Quem é?

— Alexia? Desculpa a hora, é o...

— Christian?! — tentei não gritar. Meu coração se acelerou só de ouvir sua voz, porém tentei manter a calma. — O que houve?

Nunca imaginei que aquilo pudesse acontecer. O sono parece ter ido embora como vapor e eu nunca estive tão alerta. Nós nem tínhamos nos falado novamente depois do acontecido no elevador e agora... isso?

— Eu... preciso de ajuda. Você foi a primeira pessoa que pensei. — ele estava nervoso, parecia ofegante. Mil coisas passavam em minha cabeça enquanto eu perambulava para todos os lados pela casa. — Pode me encontrar naquela praça... perto do shopping?

— Christian... céus... o que aconteceu? — eu já estava pegando as chaves do carro de Maya e jogando um casaco por cima dos ombros. E quem precisava de sapatos né? Estava atravessando a porta e prestes a sair do apartamento quando ele me respondeu. Meu estômago embrulhou e quase caí para trás, mas tive que me manter de pé.

— Acho que eu... levei uma facada.

Uma Segunda Chance (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora