Garoto puro.

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Seus olhos pesados demoraram a se abrir, sua mente insistindo em não deixar a inconsistência tão cedo, no entanto, o garoto precisava se levantar, ou seria pior. Com um baixo gemido o menino se apoiou nas mãos e sentou-se escorado na parede. Sentiu seu corpo doer em tantos lugares que decidiu não fazer a lista ou acabaria ficando nisso o dia todo.
 
Ele se sentia tonto e fraco, havia ficado doente nos últimos três dias e por isso foi trancado no pequeno espaço que era seu quarto, antigamente um armário onde sua tia guardava suas vassouras, e lá ficou até o dia anterior, foi quando a fome o venceu e ele decidiu sair e tentar encontrar algo para comer. 

- você acha que sou idiota? – seu tio perguntou vermelho de raiva enquanto lhe jogava no chão após pegá-lo tentando comer um pedaço de pão seco que encontrará na cozinha. – eu já disse que se não trabalhar, não terá comida. 

- mas eu... – sua resposta foi cortada com o golpe da bengala, o som dela cortando o ar veio primeiro que a dor em suas costas. 

O garoto tentava proteger a cabeça enquanto era golpeado pelo tio, ele perdeu a conta de quantos golpes levou até seu tio começar a ofegar e parar. O velho o pegou pelos cabelos e o arrastou até a porta do armário onde bateu sua cabeça com força antes de murmurar entre os dentes.
 
- isso é para você aprender a não tentar me roubar.
 
Roubar? Pensou, eu também moro aqui, não mereço comer? Uma tristeza lhe atingiu o peito com o pensamento, mas foi logo varrida junto com a consciência do menino. E depois daquilo, ali estava ele, dolorido. Seus dedos tocaram sua testa onde podia sentir o sangue seco da féria aberta, provavelmente do momento em que sua cabeça se chocou com a porta de madeira do armário. 

- saia logo daí seu imprestável. – ouviu sua tia gritar enquanto esmurrava a porta. Com dificuldade o garoto se levantou e saiu. – é bom não tentar pegar nada, eu estou de olho em você. 

Suspirou e caminhou até a cozinha, ele tinha certeza que algo estava quebrado dentro dele, ele podia sentir conforme andava. Mas para não apanhar ainda mais ele seguiu com suas obrigações, preparou o café da manhã para seus tios e se retirou para lavar a roupa. 

O sol estava alto quando ele entrou, isso já não o incomodava a um tempo, estava acostumado a trabalhar debaixo do sol quente, sua pele bronzeada era a prova disso. O tom de sua pele realçava ainda mais seus olhos verdes e intensos, embora ele não achasse, a verdade era que sua beleza e seu corpo pequeno e curvilíneo atraia muitos olhares no povoado onde mora e seus olhos brilhantes causavam inveja e cobiça em muitos. Mesmo assim, ninguém nunca se importou em ajudá-lo quando estava sendo espancado pelo tio, ou quando era proibido de comer, ninguém lhe estendeu um pedaço de pão velho ou um gole de água.
 
Ele aprendeu muito cedo que não poderia contar com ninguém além dele mesmo. Ele era muito pequeno quando foi morar com os tios, seus pais, pelo que ele ouviu a tia comentar, haviam sido mortos por um vampiro, o menino escapará por pouco, escondido entre o feno no celeiro. No começo ele não entendia porque os tios ficaram com ele se não o suportavam. Mas com o tempo ficou claro que sua tia só queria alguém para fazer o trabalho dela de graça. O menino sonhava com o dia que poderia sair daquela casa e nunca mais ver seus parentes, ele até tentou fugir algumas vezes, porém as pessoas sempre o levavam de volta, e nessas vezes ele não apanhava só do seu tio, mas também do seu primo que era alguns anos mais velho que ele. 
 
Este havia ido estudar na capital a dois anos, para a felicidade do garoto que não era mais perseguido por Duda e seus lacaios. Isso o fez lembrar que aquele era o dia que sua tia tanto falava, o dia que Duda retornaria para casa. Gemeu com a ideia de conviver novamente com o garoto mais velho e bruto. Por que era isso que ele era, bruto, arrogante, mimado e cruel, particularmente cruel com o pequeno primo. 

Estava fazendo o jantar enquanto sentia suas costelas doerem quando respirava profundamente, ele quase não conseguiu esfregar o chão da cozinha por conta da dor, mas se obrigou a fazer mesmo com a dor que lhe trazia pontos negros aos olhos. 

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