Tudo isso é injusto

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Pov Rebecca Muller

Entro no meu carro e só sei chorar, mas resolvo ir pra casa logo antes que desse tempo de vir alguém falar comigo, nesse momento tudo que eu menos quero é conversar com alguém. Talvez depois, mas não agora.

Oque me doeu mais não foi nem o fato de ele estar falando dos meus pais, afinal por mais que me machuque bastante ainda eu meio que já aceitei a morte deles, mas por ser ele e pelas palavras que ele escolheu usar. Eu entendo que ele não sabia de nada, mas isso não se fala nem pra quem tem os pais presentes.

Sem contar que não teve motivo, de um dia pro outro ele surtou como se eu tivesse virado um monstro. Sendo que nesse tempo, eu só dormi.

Chego em meu condomínio e a unica coisa que eu consigo dizer pro porteiro é pra que ele não deixe o Josh entrar. Não acho que ele vá vir ou até ter vontade de ir atrás de mim, mas nunca se sabe. Esse menino é nojento, não quero ver ele tão cedo. Pretendo faltar a aula de amanhã.

Entro em minha casa e a primeira coisa que eu faço é jogar um vaso que fica logo ao lado da porta com tudo no chão, quebrar tudo não vai adiantar nada. Por mais que me acalmasse não vou quebrar a minha casa.

Depois desse pequeno surto vou direto pro meu quarto tentando achar maneiras de acalmar o monstro que existe e mora dentro de mim, fazia tempo que ele não aparecia ou melhor acordava, fico olhando ao redor do meu quarto e lembro do que mais ajudou a me acalmar durante muito tempo. Durante o pior tempo.

Maconha.

Sempre digo que quem me salvou da morte foi minhas amigas. Mas na real não.
A maconha tira meus problemas da cabeça nem que seja por instantes.
Esquecer o mundo naquela época era tudo oque eu mais precisava, então se for levar ao pé da letra, quem me salvou foi a maconha.

Pego minha caixinha que eu costumava esconder de mim mesma debaixo da cama, ver aquilo depois de tanto tempo me da um sentimento ruim, mas bom ao mesmo tempo. Pego um beck que por coincidência já estava bolado, parece que eu já sabia que um dia eu precisaria dele, e vou pro telhado. Como nos velhos tempos.

Os velhos tempos que insistem em voltar quando eu menos espero, a vida é um ciclo, mas as cenas daquele dia me apavoram todas as noites.

Eu não queria voltar para o mundo das drogas, de jeito nenhum, eu sempre soube que é um caminho sem volta. Se eu consegui sair, foi por obrigação. Porque no fundo eu sabia que por mais que aquela simples erva me fizesse muito mal por dentro, me fazia muito bem também, um bem que ninguém conseguia me dar.

Mas é oque eu disse, é um caminho sem volta.

É como comer chocolate pela primeira vez, você gosta da sensação de estar comendo e sabe que o quanto antes puder vai querer comer outro.

Maconha é a mesma coisa, depois que você experimenta e vê o quanto é libertador, tudo que você mais quer é fumar outro.

Se eu pudesse dar uma dica pra qualquer pessoa, seria "não experimente", quando a gente gosta de algo a gente sempre quer de novo.

Acendo e depois da primeira tragada eu percebo que mesmo depois de anos eu sou a mesma pessoa. A menininha frágil, de olhos verdes que vai se drogar sentada no telhado quando está passando por um momento ruim. Que na real talvez nem seja tão ruim assim.

A mesma Rebecca que queria simplesmente esquecer aquela noite, ou melhor, esquecer que existe.

A mesma Rebecca que só queria entrar no mar e seguir em linha reta. Mas não podia.
Morrer por alguém que morreu, mas só queria viver.
Meus pais não viveram, por minha causa, e por mais difícil que fosse eu viveria por eles. Mesmo que fosse contra a minha vontade.

Fico me perguntando o porque daquilo.
E se não tivesse acontecido o assalto, seria diferente?
Eu teria sido expulsa de uma escola?
Eu teria voltado com o Matt? E principalmente...Eu teria me apaixonado pelo Josh?

Depois daquele maldito dia, eu fiquei sozinha. Eu só tinha eu e o meu vazio, o vazio que na real cabia muitas coisas.

Tudo é tão injusto.

Injusto não saber o seu rumo, viver com o medo de falhar na vida.
Morrer por dentro sem saber se um dia vai conseguir ser como antes.
Poder brincar com o coração de outras pessoas sem se importar com oque elas sentem.

Tudo isso é fodidamente injusto. Mas na real minha vida é assim, a cada passo pra frente, é o mesmo que dar dois pra trás.

já me disseram que quando eu cair, preciso saber me levantar.
Só não me disseram que quando eu levantasse teria que andar como se nada tivesse acontecido. Como de não sentisse nenhuma dor.

***

Fico um pouco no telhado e logo volto pro meu quarto, resolvo ficar quieta na minha. Maconha sempre me ajudou em momentos difíceis, uma melhor amiga e naquele momento, eu precisava dela.

Vou até a penteadeira, ainda chorando , e me olho no espelho.

EU gosto de quem eu me tornei?

Tiro as minhas lentes de contato pretas, sim eu tenho olhos verdes, sempre usei lentes porque acho que meus olhos claros mostram a parte de mim que eu não gosto de mostrar, e pelo espelho vejo que estou ainda mais vulnerável. Meus olhos vermelhos entregavam o meu uso de entorpecentes, e o rosto meio inchado entregava o quanto que eu já tinha chorado.

Parte de mim quer chorar mais em saber que meus pais não iriam ter orgulho em pensar em quem eu me tornei. Não mesmo.

Drogas, era tudo oque minha mãe pedia pra eu não chegar perto. Na minha primeira oportunidade eu me joguei nelas.

Eu diria que eu sou uma pessoa com ausência de sorte, mas seria mentira, teoricamente eu tenho tudo. Uma escola boa, amigos, muito dinheiro. Mas... do que adianta?

Afinal, até pra ser flor precisa ter sorte, umas nasceram pra enfeitar a vida e outras a morte. Talvez eu seja apenas uma flor sem sorte.

Espero um dia conseguir olhar pra trás e ver que tudo isso foi só uma fase.

Quando ainda tinha uns 13 anos costumava dizer que "tudo passa", mas parei quando percebi que nem sempre as coisas são assim. Minha dor por perder quem eu mais amo não vai passar.

Eu até tentaria fazer algo pra passar o tempo e tentar esquecer, sei lá, assistir um filme. Mas eu to chapada demais pra isso.

Deito na minha cama e pego o porta retrato dos meus pais que ainda essa semana eu tinha colocado na mesa do lado da minha cama.

Adormeço chorando, menos que antes, abraçando a foto das pessoas que eu mais amei em toda a minha vida.

When Everything Really ChangedOnde histórias criam vida. Descubra agora