Catorze

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Eu comia os meus cereais serenamente enquanto esperava pela hora de ir para a escola.

Escola, bolas, eu amava a escola. Todos aqueles intervalos e aquelas brincadeiras inventadas na altura. Sabias que eu dominava o jogo da macaca? Era a melhor da minha escola e acredita que nós fazíamos inúmeros concursos e eu ganhava-os a todos. Lembro-me ainda de ter uma certa paixoneta por um rapaz da classe ao lado da minha, e imaginar-me a casar e a ter seis filhos com ele. Sim, seis filhos, dá para acreditar? As loucuras que uma criança pensa antes de ter a verdadeira noção do mundo onde se meteu.

Quando tudo para nós era apenas uma mera realidade de brincadeiras, risos e paixões não correspondidas. Beijos lançados por qualquer pessoa e 'odeio-te' saídos dos nossos lábios quando fingíamos estar magoados quando na verdade não tínhamos a mínima noção do que amar ou odiar significavam. Mas que sonhávamos em crescer e podermos ser policias ou modelos profissionais. Era tudo tão fácil.

Agora quando a perspetiva muda e se torna diferente percebemos que o mundo não passa de um local cheio de realidades dolorosas onde não tens a opção de escolher se queres sofrer ou se queres ser feliz. Mesmo sendo rico podes ser infeliz, mesmo vivendo apenas com um rim tu podes ser feliz. O ser humano consegue fazer tudo e nada ao mesmo tempo.

Mas eu não sabia disso, e quando o meu pai me levou para o seu carro nesse dia, eu continuava sem saber.

Quando reparei que estávamos a ir por um caminho diferente eu não me queixei pois podia ser apenas um atalho. Qual era o mal de em atalho? Nenhum, então eu não quis saber e apenas observei a janela com aquelas paisagens de prédios, casas e até cães.  

Foi aí que eu consegui identificar um certo edifício com um M amarelo. Os meus olhos nessa altura arregalaram-se de surpresa e o meu pai captou isso mesmo rindo-se.

"Não te preocupes querida que vamos passar pelo McDonalds para comprar o teu Happy Meal." Sorri-lhe.

Não podia descrever a felicidade que sentia quando olhei pela janela e logo identifiquei as palavras escritas em grande.

McDonald's diziam elas.

"Vou receber um brinde?"  Daqueles que o Happy Meal trás.

Os meus olhos num brilho indecifrável.

O meu pai mostrou-me um ar surpreso. "Achas que não mereces?"

Coloquei as mãos por cima do meu colo enquanto ele me observava através do espelho do carro. Para ele, estes eram todos os meus sinais de culpa.

"Amor," começou "Não te portas-te mal hoje." 

Quando reparou que o meu hábito continuava a debater-se no meu colo, acrescentou.

"De facto," sorriu, "até penso que irás receber não um, mas sim dois brindes."

As minhas feições pequenas a transformarem-se em felicidade. Os meus lábios a sorrirem de orelha a orelha.

Os olhos do meu pai não paravam de brilhar. "Não deixes esse sorriso desaparecer nunca," ele teve tempo de dizer.

E depois deste momento feliz, ele olhou para a janela do lado do morto. Sim, o meu pai chamava o lado do morto ao lado do passageiro. 'As pessoas nos acidentes morrem constantemente desse lado,' dizia ele. Então assim me ficou marcado como o lugar do morto.

Reparei nos seus olhos arregalados quando estacionou o carro num lugar proibido e com aviso de reboque. Mas ele pareceu ignorar isso quando saiu do seu lugar dirigindo-se para a minha porta. 

Breathe || H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora