Aula de Direção

2K 110 35
                                    

Gizelly Bicalho

Domingo

Estou sentada na varanda lateral do casarão que tem naquele enorme sítio. Uma xícara de café em minhas mãos enquanto observo Marcela e Júlia brincar de jogar gravetos para Lord, elas insistiram em trazer o cachorro para cá, óbvio que topei. Não me juntei a elas porque estou cansada, e também porque mentalmente falando, depois do que vi naquela casa da árvore, eu não me sinto totalmente sóbria.

— Cuidado, Júlia!

Marcela grita para a pequena, que está correndo o mais rápido que pode enquanto Lord corre atrás dela, acho que ele quer o graveto na que está na mão da Júlia. Observando aquele momento é impossível não sorrir, quer dizer, é a minha família. E talvez não faça tanto sentido, mas ali está a imagem do meu presente e futuro. Eu gosto disso, acho que não poderia pedir por pessoas melhores na minha vida. Minha família. 

Eu cresci ouvindo as pessoas dizerem que existe amor à primeira vista, meus pais sempre diziam que existe paixão à primeira vista, o amor surge com o tempo e a convivência. Quando eu conheci Marcela eu descobri um novo sentimento à primeira vista, antipatia. E o ódio surgiu com o tempo e a convivência. Eu me lembro bem, como se fosse ontem de como nos conhecemos...

Eu estava atrasada para a primeira aula, vinha andando pelos corredores de forma apressada. Eu carregava três malditos trabalhos na mão, um de história, de química e física. Estava surpresa ainda que tinha conseguido fazer o de química e física já que sempre fui péssima nessas duas matérias. Lembro que fui cruzar o último corredor e então colidi com alguém, sabe quando você bate de frente com a pessoa com tanta força que é arremessada para trás? Foi o que aconteceu, os trabalhos voaram da minha mão. Eu grunhia de dor, quando abri os olhos e vi que todas, todas sem exceção das folhas estavam completamente molhadas por um líquido azul. Eu levantei desesperada, e enquanto eu surtava eu ouvia aquela voz irritante "Aí, gatinha, fica calma". Lembro também que comecei a gritar com Marcela, mas tudo piorou mesmo quando ela tentou "consertar" as coisas me dando um beijo. Minha vontade foi de cuspir na cara dela, eu estava fumegando de raiva e a criatura tentando me beijar. Desse dia em diante ela não parava de me perseguir, nos primeiros dias até tentou se desculpar, mas com o passar do tempo às desculpas evoluíram para tormentos, pegadinhas e cantadas. Eu odiava Marcela McGowan mais do que qualquer outra coisa na face da terra.

Mas agora eu te digo, sabe aquele ódio todo? Aquela ânsia? A antipatia? Está sendo convertida em carinho, admiração e... Outra coisa. Eu ainda não quero nomear, tenho medo de me precipitar e acabar dando errado. 

Mas uma coisa é certa, gosto de Marcela, e cada dia gosto mais dela. Sem contar que ela me deixa segura, nenhuma pessoa no mundo além dos meus pais me passa a segurança que Marcela passa. Ela é especial, nós temos uma conexão forte.

— Gi. — Sou desperta de meus pensamentos por Marcela, pisco algumas vezes para focar minha visão e me deparou com seus olhos castanhos fixos em meu rosto. Marcela sorri, suas mãos em meus joelhos. — Voltou para o mundo real? 

— Estava lembrando de algumas coisas.

Sorrio sem jeito, sinto ela acariciar meus joelhos com seus polegares e então sela nossos lábios. Solto o ar por meu nariz ao sentir o toque suave da boca dela na minha, era possível sentir meus lábios formigando. Seguro a xícara firme com uma mão só, a outra levo até os cabelos da nuca de Marcela, puxando-os levemente para logo em seguida acariciar seu couro cabeludo com as pontas dos dedos. 

— Quer conversar sobre essas lembranças?

Pergunta ao quebrarmos nosso beijo, demoro um pouco a raciocinar, pois ainda estou meio aérea pelo beijo. O beijo dela é tão calmo e relaxante, deve ser melhor que um orgasmo. Céus! Porque eu comparei o beijo dela com a sensação de gozar? Eu preciso aprender a me controlar perto dela. 

Amnésia | GicelaOnde histórias criam vida. Descubra agora