Flutuando

1.5K 108 11
                                    

Gizelly Bicalho

Dois dias se passaram... Marcela continua me evitando ao máximo, acredita? Eu que deveria estar fazendo isso.

Afinal, foi eu que perdi a memória, eu descobri estar casada com alguém que nunca suportei, eu tenho uma filha gerada por mim que eu não lembro, estou numa casa estranha, todas as pessoas que eu conhecia hoje em dia estão casadas e completamente diferentes.

Por que ninguém se põe no meu lugar ao menos um pouco? Por que as pessoas não conseguem entender que eu estou com medo disso? Eu estou vivendo a minha vida como se fosse outra pessoa.

Eu sou uma adolescente que na verdade não é adolescente mais.

O único lado bom nisso tudo até hoje sem sombra de dúvidas é a Júlia, essa minha pequena é incrível. Ela é tão inteligente, cativante, um amor de menina. Uma filha exemplar, ela nunca responde e sempre obedece quando lhe mandam fazer alguma coisa. Sem contar que nós temos nos divertido bastante. Quando ela volta da escola eu grudo nela como se minha vida dependesse disso, somente com ela eu me sinto à vontade nessa casa.

Marcela apenas nos observa de longe, eu sinto seus olhares, eu vejo seus sorrisos. Mesmo sem querer demonstrar é nítido o quão feliz ela fica ao ver eu e Ju interagindo. Acho que ela gosta disso, as únicas vezes que a vejo sorrir são nessas horas ou então quando ela está com Júlia.

Mesmo sem perceber eu também tenho a observado, ela parece cansada, suas olheiras — antes invisíveis - hoje estão bem visíveis bolsas enormes e escuras embaixo de seus olhos, Marcela parece exausta, eu diria que ela não tem dormido bem durante a noite. Mas eu não faço ideia se a culpa disso é minha ou toda essa situação, ou as duas razões juntas.

Ás vezes eu penso se não seria melhor para ela eu ir ficar com meus pais logo de vez, semana que vem eu irei fazer exames para saber que houve comigo e se isso tem volta. Mas e não se tiver? Como nós iremos viver assim?

Ela parece estar sofrendo enquanto eu continuo a odiando internamente, mesmo que um pouco menos. Não consigo despertar outro sentimento por ela.

Ninguém consegue viver assim por muito tempo, penso que uma hora ela ficará exausta da minha frieza e irá embora, e se ela decidir levar a Júlia com ela? Eu não aguentaria viver sem ela, não mais, eu aprendi a amar essa menina.

Minha filha.

Minha.

Rezo todos os dias para que se caso ela decida ir embora, que deixe pelo menos ela.

É tão confuso e estranho pensar nisso, uma filha, eu tenho uma filha, eu sou casada, com ela, a pessoa que eu odiei desde muito tempo atrás. Isso é algum tipo de piadinha da vida? Uma piadinha muito da sem graça.

— Mamãe!

Volto à realidade ao ouvir o chamado de Júlia e suas puxadas frenéticas na barra da enorme blusa branca de basquete do Chicago Bulls que ela me fez usar, Marcela também está usando uma, de cor preta, assim como a própria Júlia que também está usando uma preta. Marcela me disse que é um tipo de ritual que costumamos fazer nos dias de jogos, ela contou que Bianca a viciou a gostar de basquete, como o Diego, desde então ela tenta nos fazer gostar também. Agora entendi porque tem várias coisas do Chicago Bulls aqui espalhadas pela casa. É sério, no quarto da menina tem vários acessórios dos Bulls, como ela mesma chama o time. Sem contar os diversos moletons deles espalhados por ai.

— Oi, Jú. Me distraí um pouco aqui. — sorrio sem jeito para ela e acaricio seus cabelos. Seus olhos castanhos estão mais brilhantes hoje. — O jogo começou?

— Ainda não. — ela responde animada, saltitante ela me puxa pela mão em direção ao sofá. Júlia fica hiperativa em dias de jogos dos Bulls, anoto mentalmente. — Mama foi buscar nossos nachos.

Amnésia | GicelaOnde histórias criam vida. Descubra agora