Acredito que tudo na vida tenha um propósito que compreendemos ou compreenderemos depois. Tudo acontece por uma razão. Se não, tudo o que nos acontece é sem sentido. Eu pelo menos creio nisso. Por isso não estou no Rio de Janeiro à toa. Quando fiz o concurso para trabalhar como médico em um dos melhores hospitais do Brasil, não havia passado pela minha cabeça que eu poderia passar para outro local que não São Paulo, afinal era cômodo pra mim, tinha a minha vida lá junto com a minha família. Mas então, o acaso me prega uma peça e acabo passando para uma das filiais do hospital no Rio. Como também sou adepto da filosofia de que oportunidades não se perdem – principalmente quando se trata de um recém-formado -, resolvi deixar tudo pra trás e começar uma vida em outra cidade. Tudo seria novo, mas o Rio era uma cidade maravilhosa e fazer o que amo compensaria tudo o que abdiquei.
- Que isso hein, Rod! Uma orla linda dessas praticamente na porta de casa... – Felipe, meu irmão caçula, comenta. – Nossos pais não economizaram mesmo.
- É temporário, moleque! Quando eu começar a trabalhar e ganhar o meu salário, sou eu quem vou me manter. – respondo. – Você sabe que só aceitei morar aqui na Barra nessas condições.
E era a mais pura verdade. Eu sabia que meus pais nunca se importaram em nos manter, e graças a Deus tínhamos dinheiro suficiente pra viver uma boa vida. Mas eu não via a hora de começar a ganhar meu próprio dinheiro e finalmente me manter realmente sozinho. Seria libertador.
- Eu sei que sim. Mas é que nunca é cansativo te encher o saco! – ele diz, rindo.
- Ha ha ha. – forço uma gargalhada. – Que bom então que não vou mais morar com você!
Eu digo, embora dentro de mim eu soubesse que iria sentir uma falta absurda dele. Mesmo discutindo constantemente, sempre havíamos sido unidos. Não estávamos acostumados com distância, tudo seria novo. Tinha vindo de São Paulo pro Rio no meu carro, que era a única coisa que faltava que eu trouxesse e Felipe resolveu me acompanhar para passar uns dias por aqui. Depois que ele fosse embora, então finalmente seria apenas eu.
- Opaaaa, a orla também é bem frequentada hein. Começando a cogitar a ideia de pedir pros nossos pais me deixarem fazer faculdade aqui pra eu poder morar contigo!
Penso em dizer que ele nem sonhasse com isso, mas acabo olhando para onde ele apontava e então eu vejo uma morena correndo ali. Que gata! Seu cabelo preso em um rabo de cavalo se movimentando sem parar enquanto ela corria de uma forma tão graciosa que eu nunca havia visto igual. E que pernas, hein! E aquela bunda? Deus...
- Pára, Rodrigo! – o grito de Felipe me faz voltar à realidade e automaticamente piso no freio, parando no meio da faixa de pedestres e quase atropelando uma mulher que vinha com uma criança no colo.
Não foi preciso que Felipe me repreendesse, a mulher fez isso muito bem por ele, indo para longe enquanto me olhava furiosa e me disparava insultos. Me senti realmente mal, afinal ela estava certíssima, tinha sido realmente minha culpa. Quase poderia ter causado um acidente. Me distraí por alguns segundos porque fiquei encarando uma moça, e que com toda essa confusão, eu havia perdido de vista.
(...)
Tínhamos viajado no dia anterior e arrumamos as últimas coisas no meu novo apartamento. Meu irmão se cansara e acabara dormindo, mas eu não conseguiria ficar na cama deixando de aproveitar o domingo maravilhoso que já se iniciava. Não estava disposto a perder nenhuma hora desse dia, então resolvo correr sozinho pela orla.
Era cedo e haviam poucas pessoas ali, o que era ótimo. Aproveitei o meu tempo, correndo enquanto sentia os raios de sol em meu rosto e a brisa fresca da manhã, até que meus músculos exigissem uma parada. Depois de correr, resolvo tomar uma água de coco em um dos quiosques da praia. E é então que eu a vejo de novo. A mesma moça do dia anterior, que quase me fez provocar um acidente. Pelo menos agora eu tinha como chegar até ela e não corria o risco de atropelar ninguém.
- Oi. – falo quando me ponho ao lado dela. De perto ela era ainda mais bonita. Seus olhos verdes me prendem por alguns segundos, e encontro girassóis desenhados neles.
- Bom dia. – ela responde, me dando um sorriso acanhado, mas simpático.
- O dia realmente ficou melhor agora! – sorrio em resposta.
- Eu mereço... – ela sussurra, mas eu posso ouvir. – Obrigada. – ela fala mais alto desta vez, dirigindo seu olhar para o rapaz que atendia no quiosque, me ignorando.
- Já vai? – pergunto enquanto a observo se afastar de mim. – Por que não me faz companhia tomando uma água de coco comigo?
- Eu nem te conheço. – ela responde, sua simpatia desaparecendo.
- E não pode me conhecer agora? – insisto.
Ela não me dá qualquer resposta. Apenas me olha uma última vez e vai embora, enquanto eu percebo que virei motivo de riso do rapaz que me atendia, e eu me pergunto o que havia falado de tão grave para que ela me tratasse assim. Volto minha atenção para a minha água e resolvo deixar minha tentativa fracassada de uma aproximação de lado. Curto mais um pouco a brisa do mar enquanto termino de me hidratar e só então resolvo voltar pra casa. E no meio do meu caminho, lá estava ela de novo. Eu começava a achar que o destino queria nos unir.
- Achei que já tivesse ido embora. – falo próximo à ela, que se vira pra mim assustada. Algo me instigava em provoca-la. Falta de juízo, talvez.
- Qual é o seu problema? Será que dá pra seguir o seu caminho e me deixar em paz? – ela responde irritada, enquanto eu somente quero rir. Mas não o faço.
- Mas eu estou seguindo o meu caminho. Estou indo pra casa.
- Que é o mesmo do meu... – ela fala cerrando os olhos.
- E qual o problema? Você é a única que pode seguir esse caminho? – retruco e suas bochechas adquirem uma cor rosada, eu só não sei se de vergonha ou raiva. Eu apostaria na segunda opção.
Ela apenas continua seu caminho, andando mais rápido e me deixando para trás. Resolvo não puxar mais assunto e continuar seguindo o meu. O estranho era que estávamos tomando os mesmos caminhos sempre e eu já começava a pensar que talvez eu estivesse inconscientemente tomando o caminho errado de casa e tivesse passado a realmente persegui-la.
- Sério, se continuar me seguindo eu vou gritar! – ela se vira pra mim mais uma vez, me ameaçando.
- Mas eu não estou te seguindo! – justifico, olhando ao nosso redor. – Eu moro ali. – respondo, apontando para o prédio que estava próximo a nós dois.
- Sou eu quem moro ali! – ela praticamente grita e eu não consigo mais segurar o riso. Era coincidência demais, não era?
Ela corre em direção ao prédio e eu continuo andando calmamente atrás dela. Ela está conversando com o porteiro quando chego, provavelmente lhe relatando que um louco – eu mesmo neste caso – estava atrás dela. Quando ele me cumprimenta pelo nome, ela então olha pra mim, percebendo que eu não havia mentido.
- Pelo jeito somos vizinhos. – respondo sorrindo, enquanto ela me olha boquiaberta.
O que ainda podia acontecer? Eu não parava de me surpreender...