Acordo de madrugada e vejo Agatha deitada ao meu lado. As imagens da nossa noite vem à minha mente no mesmo instante. Eu tinha tido o melhor sexo da minha vida e não estava sabendo lidar com isso. Agatha é a minha melhor amiga e nós nunca tínhamos nos envolvido dessa forma. Na primeira vez que nos vimos, ela não havia demonstrado nenhum interesse. Criamos uma amizade e tínhamos conseguido levá-la muito bem sem nenhuma intenção além disso. Até agora.
Eu tento entender o que tinha nos impulsionado. Agatha estava diferente. Curiosa, entregue. O que eu tinha dito sobre a primeira vez que a vi pareceu tê-la afetado. Mas eu a conhecia bem o suficiente para saber que quando ela acordasse e pensasse no que tínhamos feito, ela provavelmente surtaria. Eu mesmo estou confuso. Não sei se continuo aqui deitado com ela ou saio do meu quarto pra me manter o mais longe possível dela. Eu só sei que não posso fugir. Uma hora ou outra teremos que conversar sobre isso.
Eu ainda tenho algumas horas até precisar levantar e me arrumar para ir para o hospital, mas é impossível voltar a dormir. Permaneço deitado, de olhos fechados, tentando o máximo não me mover para que Agatha não acorde. Antes que meu despertador precise avisar, eu me levanto da cama e me tranco no banheiro. Enquanto deixo a água me lavar e tirar toda a tensão que eu sinto, minha mente começa a pensar sobre o dia que eu teria pela frente. O trabalho no hospital e uma conversa com Agatha. Decido começar com um café da manhã com ela, sondar como estaria o clima entre nós dois. Talvez ajude. Mas ao sair do meu quarto e ver a cama vazia, eu noto que Agatha não facilitaria para o meu lado.
Tento não pensar no quanto sua fuga pode ser um mau sinal e continuo minha rotina diária. Coloco a minha roupa, tomo o meu café, pego tudo o que preciso e saio a caminho do hospital. Acompanho todos os meus pacientes e nenhuma emergência aparece. Parece que eu voltarei para casa logo mais à noite sem problemas. Acabo mandando uma mensagem para Agatha avisando que vou passar no apartamento dela quando eu sair do hospital. Tinha pensado muito antes de enviá-la, com medo de que ela inventasse alguma desculpa para não me ver. Mas ela nada me responde. Tento ver isso como um bom sinal. Afinal, Agatha é tão consciente quanto eu e sabe que isso tem que ser falado. Vitória agora estava envolvida entre nós dois e não dava pra passarmos por cima disso como se nada demais tivesse acontecido. Porque tinha acontecido. Mesmo que fosse pra dar um fim nisso, era necessário que conversássemos.
Mas claro que ela daria um fim. E por que seria diferente? E por que eu me importo com isso? Agatha sempre me viu como um amigo e sua amizade é valiosa demais pra mim para que eu a desperdice alimentando desejo por ela. Por isso eu tinha colocado nossa amizade acima de qualquer coisa todos esses anos. Não será agora que eu mudarei isso. Não era uma noite de sexo que faria tudo mudar dentro de mim. Faria?
Sei que sou uma covarde. Sei que foi infantilidade da minha parte sair do apartamento de Rodrigo como se tivesse cometido algum crime. Tinha sido uma noite maravilhosa. Mas devia ser somente isso, apenas uma noite. Estaria mentindo se dissesse que não foi a melhor noite da minha vida, mas isso não significa que poderia acontecer novamente. Que deveria acontecer. Rodrigo e eu somos tão amigos. Eu morro de medo de perder a sua amizade colocando outros sentimentos no meio do que temos. Ainda mais agora que temos Vitória. Ela precisa de nós dois e eu não quero arriscar apostar tudo em uma relação além de amizade com ele. Poderia não dar certo, nos magoaríamos um com o outro, perderíamos a amizade que tínhamos e Vitória seria a que mais sofreria com isso. Além do mais, que garantia eu tenho de que Rodrigo tinha sentido algo diferente nessa noite assim como eu? Não é melhor permanecer no que é certo e seguro? Claro que é. E será isso que eu falarei para Rodrigo quando ele chegar aqui. Sei que não dá pra fugir, então o melhor é termos essa conversa de uma vez.
Quando ele chega em meu apartamento, sinto minhas mãos suarem e meu coração bater mais forte tamanho o nervosismo. Todas as lembranças da nossa noite invadem minha mente e eu me repreendo por isso. Seria bem mais fácil convencê-lo que deveríamos passar por cima de tudo isso se eu parasse de pensar no que tínhamos feito o tempo todo. Rodrigo nos dá mais um tempo, concentrando-se apenas em Vitória e eu agradeço por isso. Vou retomando o controle das minhas emoções enquanto Rodrigo interage com Vitória em seus braços, até que ela adormece e ele a leva para o quarto. Ao voltar e me olhar, não é preciso que ele verbalize para mim que já tinha chegado a hora.
- Antes que você diga qualquer coisa, quero te pedir desculpas por ter saído como uma fugitiva do seu apartamento hoje. – começo a dizer. – Mas é que eu precisava pensar direito, sozinha sabe. Não era o melhor momento pra te ver, muito menos conversar.
- Tudo bem. – ele responde, sentando-se ao meu lado no sofá. – Eu também fiquei confuso.
- Olha Rod, eu queria te dizer que fiquei surpresa com nossa conversa ontem. E acho que isso misturado à uma curiosidade minha e ao vinho me fizeram tomar as atitudes que tomei. Foi maravilhoso ontem, de verdade. Mas somos amigos, temos a Vitória...
- Eu já entendi onde você quer chegar, Agatha. – ele me interrompe. – E entendo, de verdade. Penso da mesma forma que você. – ele me diz e por mais que eu não deva, fico um pouco decepcionada por ele concordar tão rápido. – Foi realmente muito bom ontem, mas temos que levar isso a sério, principalmente agora com a Vitória.
- Que bom que você entendeu. – tento sorrir. – Então podemos seguir com a nossa amizade e com as responsabilidades com a Vitória, não é? – pergunto.
- Claro. Nada muda. – ele responde, dando fim à conversa, que tinha sido mais breve do que eu havia esperado. – Bom, eu vou indo então. Nos vemos amanhã. – ele diz, já de pé. – Boa noite.
Rodrigo me dá um beijo no rosto e eu tento não demonstrar o quanto esse pequeno gesto me afeta. Depois da noite de ontem, qualquer toque dele era sentido com muito mais intensidade por mim. E isso não é nada bom. O vejo abrir a porta e voltar-se pra mim uma última vez.
- Só pra saber... – ele parece pensar se perguntaria ou não. – Se você não tivesse me ignorado naquele dia, se eu tivesse tido uma chance...
- Teria acontecido, Rodrigo. – eu o interrompo, entendendo bem o que ele queria saber. – E teria sido tão bom quanto ontem.
Então um sorriso no canto de sua boca é a última coisa que eu vejo em seu rosto antes que ele se volte para a porta e saia em seguida, me deixando sozinha.