Os dias foram passando e não havia um sequer em que eu deixasse de ir até o hospital para visitar Vitória. Esse era o seu nome agora. Rodrigo e toda a equipe que estava cuidando dela a haviam dado esse nome por ela ter sido uma guerreira desde que havia chegado ali e por ter vencido todas as barreiras. Ela estava cada vez melhor, ganhando peso e sem nenhum risco de vida. E a cada dia ficava mais linda. Eu estava completamente apaixonada por ela, assim como Rodrigo e todos os outros que cuidavam dela. Rodrigo sempre conseguia permissão para que eu entrasse para vê-la diariamente. No tempo que tínhamos com ela, ficávamos babando, observando-a. Eu via que assim como eu, ele também tinha se apegado. Estando ou não de plantão, ele sempre ia ver se estava tudo bem com a Vitória e cuidava dela com todo amor. Eu sabia que seria assim. Quando a encontrei, soube que tinha que trazê-la pra ele. Sabia que ela estaria em boas mãos.
- A polícia está tentando descobrir os laços biológicos dela, mas por enquanto eles não conseguiram nada. A mãe parece ter desaparecido. As imagens cedidas pelo supermercado não foram de grande ajuda. – Rodrigo me explica enquanto jantamos no meu apartamento. Era domingo, o dia que sempre preenchíamos com a companhia um do outro. – Mas a Vitória já está sob a tutela do estado, tendo o Ministério Público como o seu curador. A vara da infância e da adolescência vão encaminhá-la para a adoção.
Ao ouvir aquela palavra, eu sinto um aperto no peito. Em pouco tempo Vitória sairia do hospital e eu já não teria mais contato com ela. Ela seria encaminhada para a adoção, logo teria uma família e então eu não a veria mais. E saber disso me deixava com um sentimento de perda. Desde aquela noite, eu havia criado uma ligação com ela, um sentimento de responsabilidade, por tê-la encontrado em condições tão desumanas. Era algo muito parecido... não, não era parecido. Era realmente amor.
- O que você tanto pensa? – a voz de Rodrigo me tira dos meus pensamentos.
- Vou sentir falta de vê-la. – suspiro.
- Eu sei. Eu também me apeguei à ela.
Uma ideia passa rapidamente pela minha cabeça e eu fico tentada com a possibilidade. Rodrigo me encara curioso, me conhecia o bastante para saber que eu estava maquinando algo.
- Rod...
- Fala. – ele pede, em expectativa.
- E se... – paro, tentando tomar fôlego com tamanha importância do que eu iria sugerir. – E se eu adotasse a Vitória? – eu digo e Rodrigo me encara, não parecendo tão surpreso.
- Você sabe a magnitude da sua ideia, não sabe? Sabe também que isso mudaria totalmente sua vida e sua rotina.
- Eu sei. Mas eu a amo, de verdade. Sabe, fui eu quem a encontrei. Fui eu quem passei todos esses dias visitando-a, me apegando à ela... eu sofro só de pensar que ela pode ser adotada por outra família e eu nunca mais possa vê-la. Você sabe bem do que eu estou falando. Eu sei que você também se encantou por ela. Como posso deixá-la ir quando ela entrou na minha vida de forma tão inesperada e já ocupou um espaço em meu coração?
- Ela é incrível. – Rodrigo diz e eu posso ver seus olhos brilharem ao falar.
- Eu sei que é mais complicado pra mim, que eu fico em desvantagem por ser solteira, mas também não é impossível. Eles podem levar em consideração meu cuidado com ela desde que a encontrei, você não acha? Ela não vai ter um pai, mas eu posso cumprir esse papel também. – eu digo, enquanto agora era Rodrigo quem parecia estar pensando algo.
- E se ela tiver um pai? – ele pergunta, finalmente voltando a me olhar.
- Como assim?
- E se a adotássemos? Você e eu, juntos?
- Mas Rod, não temos nenhum relacionamento...
- E daí? – ele me interrompe. – Tantas crianças tem pais separados, que compartilham a guarda... tentar não custa. Nos damos bem, somos amigos, moramos no mesmo prédio. A Vitória só teria que alternar os dias conosco, mas mesmo assim estaríamos com ela o tempo inteiro.
- Será que isso seria mesmo possível? – meu coração já acelerava com esperança.
- Podemos procurar um advogado ou advogada e nos informar.
(...)
Eu mal consegui dormir. Só conseguia pensar na possibilidade de eu e Rodrigo podermos adotar Vitória. Ainda é cedo quando subo até o apartamento de Rodrigo e tomamos café juntos antes de irmos encontrar a advogada indicada por um amigo dele. Eu não iria para a construtora naquela manhã e Rodrigo só precisava estar no hospital à tarde. Bianca, a advogada, já nos esperava no local marcado. Então relato mais uma vez sobre as condições em que encontrei Vitória, o cuidado que eu e Rodrigo tivemos com ela e sobre a nossa intenção de adotá-la.
- Bom, o fato de você tê-la encontrado, prestado assistência e tê-la acompanhado até agora é sim um ponto positivo pra conseguir adotá-la. Mas infelizmente vocês não poderão adotar a Vitória juntos.
- Por que não? – Rodrigo pergunta antes de mim, claramente decepcionado.
- No caso de adoção conjunta, é preciso que entre os indivíduos haja ou tenha havido um relacionamento, e com ele o intuito de constituir família, o que não é o caso de vocês. Casais de amigos não podem adotar conjuntamente.
Rodrigo e eu nos encaramos tristes. Já estávamos criando expectativas e agora elas tinham sido tiradas de nós dois.
- Mas a Agatha pode adotá-la, não pode? – Rodrigo volta a falar.
- Claro. – Bianca responde.
- Então acho que você pode ajudá-la com toda a documentação e o processo de adoção.
- Mas e você, Rodrigo? – não posso deixar de perguntar. Ele gostava tanto de Vitória quanto eu.
- De uma forma ou outra eu vou estar perto dela, não vou? – ele pergunta e eu afirmo que sim. – Então é isso o que importa.
Sorrio, completamente agradecida. Ele tinha vontade de adotá-la tanto quanto eu, mas estava me dando preferência. Eu era sortuda em ter um amigo tão especial em minha vida.
Bianca nos informa sobre tudo o que era necessário para começarmos o quanto antes o processo de adoção. Quando tudo é esclarecido, marcamos uma nova reunião e então nos despedimos. Bianca foi embora, enquanto eu e Rodrigo nos encaminhamos para o hospital. Entramos juntos para ver Vitória e enquanto Rodrigo "conversava” com ela eu o encaro admirada. Ele seria um ótimo pai para Vitória. Ele poderia não adotá-la como eu, mas eu sei que ele sempre se comportaria com ela como se o fosse. Se ele estava disposto a me dar aquela ajuda, eu a aceitaria de bom grado.
- O que acha de ser a figura paterna da Vitória se eu conseguir adotá-la?
- Você pode contar comigo pra tudo, sabe disso. – ele olha para mim e sorri. – Eu já me sinto pai dela. Nem se você quisesse me dispensar agora eu aceitaria.
Eu rio, mas por dentro eu me encho de felicidade. Encarando ele e Vitória ali, eu sabia que construir essa família era o que eu mais queria. Rodrigo e eu éramos somente amigos, mas isso não nos impedia de sermos uma família para Vitória. Eu começava a construir um cenário de nós três juntos e nada me parecia mais perfeito. Eu desejava mais que tudo que isso pudesse se tornar real.