Capítulo 3

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Paola Carosella

Quando o vidro do carro desce e a moça de cabelos escuros ergue os olhos para mim, percebo duas coisas, a primeira é que ela não é uma moça e sim uma mulher, uma linda mulher na casa dos quarenta anos. A segunda é que eu a conheço. Não de São Paulo, de algum dos eventos que tenho feito desde que cheguei ao Brasil.
Eu a conhecia de muitos anos atrás, quando morava em Paris e ainda era só uma menina que trabalhava em uma cozinha cheia de homens, estava ainda buscando encontrar meu caminho dentro da cozinha.
Não sei quanto tempo passei olhando aquele rosto para ter certeza que realmente era quem eu estava pensando. Cinco minutos para tomar um ar era tudo o que eu queria quando sai de dentro da cozinha, estava a beira de um colapso nervoso e precisava respirar. Agora estou prendendo a respiração, enquanto olhava para aquele rosto desenhado por Deus.
— Ana Paula? — perguntei sem pensar se poderia assusta-la.
— A própria. — ela respondeu com um sorriso fraco no rosto, não pareceu assustada, pareceu até acostumada com o reconhecimento rápido.
Será que ela também se lembrou de mim? Será que sentiu o que eu senti, quando a vi?
— O que você está sentindo? Alguém fez alguna cosa para você?— perguntei.
— Não, eu só estou com muita dor. Minha assistente foi buscar alguma coisa para o jantar, mas eu não aguentei ir junto.
— Voy ficar com você até que ela volte. — falei em voz baixa, colocando a mão sobre seu ombro.
Ao tocar sua pele fui jogada em minhas lembranças, arrebatada talvez seja a palavra correta. A pele muito clara, quente, sedosa, as feições perfeitas, as curvas acentuadas apesar da magreza sobre minhas mãos durante uma noite, uma única noite que marcou para sempre a minha vida.
O corpo quente de Ana Paula respondia a cada toque das minhas mãos, da maneira correta, quase como se tivéssemos em uma perfeita sincronia desde o primeiro beijo.

— Você não precisa, a Gabriela deve estar voltando. — disse colocando a mão sobre a minha.
A recordação do toque de seus dedos sobre a minha pele húmida invadiu meus pensamentos, fazendo com que eu fechasse os olhos por um momento, para apreciar a beleza da lembrança.
— Se ela já está voltando então não me custa nada esperar alguns minutos. — digo com um sorriso.
Ana Paula abaixa a cabeça novamente e recomeça a chorar, coloco a mão sobre seus cabelos e cantarolo uma musiquinha que minha vó cantava para mim quando eu estava doente. Faz alguma diferença? Não. Mas é a única coisa que posso fazer agora, a assistente dela estava demorando e ela estava realmente mal.
— Oi, meu Deus, o que tá acontecendo? — Uma moça mais nova se aproximou do carro com algumas sacolas na mão.
— Entra no carro ahora. — Respondi. — Nos vamos para o hospital más próximo. - digo de forma firme — Ana vem querida, vou te mudar para o banco de trás, tem más espacio. — digo com a voz bem mais suave.

A assistente destravou o carro e eu abri a porta de Ana, ajudando ela a sair do carro e passando para o banco de trás onde ela se deitou. Eu ia passar para o banco da frente, mas ela segurou minha mão, então me ajeitei o melhor que deu.
— Pode ir por fabor, para o hospital mais próximo. — Digo e a assistente que parecia muito assustada saiu com o carro do estacionamento.
— Me desculpa mas, quem é você? — Ela pergunta finalmente, depois que já estava com o carro na rua e parecia ter saído do choque.
— Paola, Paola Carosella. Sou chef no restaurante Arturito.
— E porque você está fazendo isso? — Ela me olhava pelo espelho retrovisor.
— Porque quando eu vejo alguém chorando de dor, eu levo ela para o hospital, No me detengo a hacer una merienda. ( Não paro fazer um lanchinho). — Respondo irritada.
— Desculpa, ela sempre tem dor nas costas, estamos trabalhando há dias praticamente dormindo no escritório, estávamos com fome, demorou um pouco mais do que eu imaginei. Eu não sabia que ela estava tão mal, ela nunca demonstra nada. — a moça também começou a chorar enquanto dirigia.
— Tá tudo bem, me desculpa, não tenho o direito de te acusar de nada, eu só estou preocupada com ela. — passei a mão sobre o rosto de Ana que estava com olhos fechados e os lábios comprimidos.
Peguei meu celular no bolso do avental que eu ainda estava usando e mandei uma mensagem a minha su-chefe para avisar a ela que eu tinha saído as pressas, também mandei mensagem para o celular de Bel, para que ela pudesse olhar Fran durante a noite. Ela dormia lá em casa, mas geralmente não ficava olhando a menina, eu é quem fazia isso. Mas como eu não sabia que horas eu ia para casa, sempre bom avisar.
Chegamos ao hospital, Gabi estacionou o carro e desceu correndo buscar por ajuda.
— Ana Paula, você consegue sentar? — perguntei próxima ao seu ouvido. Ela não respondeu, se apoiou no braço e sentou gemendo. Peguei sua bolsa no banco da frente, enquanto Gabi voltava com um enfermeiro e uma cadeira de rodas, ele tirou Ana Paula do carro no colo e a colocou na cadeira. Tirei o avental e coloquei no banco. Lugar de avental na verdade é dentro da cozinha mas, sai tão apressada.
Seguimos para dentro do hospital, por ser um hospital particular e a hora já ser avançada, Ana Paula foi atendida rapidamente Gabi e eu fomos levada para uma sala de espera.
— Acho que você pode ir agora. — Gabi fala para mim. — Eu vou ficar com ela.
— Eu também vou ficar. Já cheguei até aqui mesmo. — dou de ombros. — aproveite e coma, você está com cara de quem não se alimenta muito bem.
— Ela é a Ana Paula Padrão! Você não sabe quem é?— Ela pergunta erguendo uma sobrancelha e abrindo a sacola de papel que trazia na mão. — Ela não para, estamos trabalhando há dois dias sem parar, temos uma campanha importante para apresentar amanhã, ela não sai, eu não saio. Ela não come, eu também não. Nas últimas 48horas eu sai do escritório duas vezes pra ir em casa, trocar de roupa e dormir um pouco, antes de voltar correndo para a empresa. Ela deve ter dormido umas 4 horas nesse mesmo tempo.
— No puedes vivir así. — ficando irritada.
— Eu não entendo quando você começa a falar em espanhol rápido desse jeito. Desculpe.
— Ninguém deve viver assim, trabalhar é ótimo, mas não desta maneira. 
— Você pareceu surpresa por eu não saber quem é a Ana Paula Padrão, porque?
— De onde você veio? Ela é uma das maiores jornalistas desse país, mesmo que agora tenha desistido da Televisão, todo mundo que já tenha assistido a um jornal sabe quem ela é.
— Eu não assisto televisão. — digo e depois ficamos em silêncio.
Duas horas depois, um médico chega nos dando noticias, ele diz que Ana Paula tem uma doença crônica e genética na coluna e por isso ela vai precisar fazer uma cirurgia na mesma, nos próximos dias. Por hora está medicada e em repouso, visitas somente no dia seguinte. O médico também disse que ela estava desidratada, e provavelmente anemica. Olho feio para Gabi que apenas da de ombros.
Já era madrugada e eu estava sem carro, então chamei um táxi e fui para casa, não sem antes dar meu telefone para Gabriela, pedindo que me atualize sobre o estado de Ana Paula sempre que alguma coisa mudasse e prometendo que voltaria no dia seguinte.
Cheguei em casa e passei reto tomar um banho, ainda estava com a roupa da cozinha, uma coisa que eu odeio: sair na rua com roupa da cozinha. Deixei tudo separado fora do cesto, por conta de ter estado no hospital. Tomo um banho e acabo por dormir apenas de calcinha e camiseta. De manhã sou acordada com muitos beijos sendo depositados no meu rosto. 
— Acorda mamá, o dia já está claro. — mãozinhas pequenas acariciavam meu rosto.
— Bueno, mi amor. — abracei seu corpo diminuto e me pus a devolver seus beijos. — ¿ Como estás?
— Bien mamá. Tengo hambre mamá.
Francesca tem três anos recém completos, é extremamente inteligente, fala mais que o homem da cobra como vocês dizem no Brasil. E é tudo o que eu tenho na vida. Seu cabelo loiro estava caindo por seu rosto, ela tentava desajeitamente tirar a todo tempo. Levantei da cama e fui com ela para o banheiro, a coloquei no banho e depois arrumei seu cabelo. Graças a Deus ela já não mais usa fraldas. Desço com ela e faço o café da manhã, mamadeira e algumas frutas picadas.
— Paola, me desculpe ela acordou mais cedo que o normal, eu estava colocando as roupas na máquina. — diz Bel quando me vê na cozinha com Fran pendurada nos braços.
— Sin problemas Bel.
— Vou preparar o café para você. 
— Gracias. — Subo com Fran para o quarto e a coloco na minha cama. — Fica quietinha tá bom mi amor? Mamá vai tomar um banho, é rapidinho.
Dez minutos depois estou devidamente banhada e vestida, Fran estava fazendo um pouco de birra com Bel para ir a escola, coisa normal toda manhã.
— Mamá, quiero estar contigo.
— Oh, mi amor, tem que ir para a escola. A noite a mamá promete que fica com você, leio várias histórias, leio poesia, tudo o que quiser.
— Tá bom. — Ela faz uma manha toda manhã, no fim ela sempre vai e se diverte muito.

Peguei meu celular e não havia notícias de Ana, então fui correndo para o restaurante, o serviço era intenso mas ao mesmo tempo divertido, em anos de trabalho a minha equipe era sincronizada e trabalha como uma orquestra, e eu sou a regente. Gosto de como as coisas funcionam dentro da cozinha, o cheiro, o barulho, o calor, tudo me agrada, tudo me faz feliz. Extremamente feliz, mas hoje em especial, estou com a cabeça longe dali, olhando o celular toda hora, preocupada com a mulher que deixei no hospital na noite anterior.

Até que finalmente o celular tocou.
— Alô. — atendi no primeiro toque.
— Paola, desculpe eu devia ter ligado antes mas, não tive tempo. — Gabi falava rápido.
— Tudo bem, como ela está?
— Vai ser operada amanhã a tarde, se você quiser pode ir visita-la hoje.
— Eu irei sim. Obrigada.
Deixei a cozinha do restaurante quase no fim do serviço, tomei um banho lá no restaurante mesmo, e fui até o hospital. Passei pela recepção e parei na frente do quarto, bati de leve na porta e esperei.
— Pode entrar. 
Empurrei a porta e a linda mulher de cabelos escuros estava deitada com tubos em seu braço e um olhar muito abatido.
— Oi. — Seu sorriso se abriu e se iluminou.
— Olá cariño, como estas? — pergunto me aproximando da sua cama.
— Agora estou bem. — Ela segurou minha mão e fez carinho com o polegar.
— Fiquei sabendo que a senhora trabalha demais, dorme mal, come mal, se trata mal.
— Não me chame de senhora. — Ela diz. — Eu trabalho o suficiente.
— Ontem a sua secretaria estava faminta Ana Paula, ela não comia direito há dois dias, e nem você também, o médico nos disse que você estava um pouco desidratada e anemica, porque você não se alimenta! — digo um pouco irritada.
— Para quem me conhece há poucas horas, você é muito mandona. — Ela ri.
— Eu não te conheço há poucas horas.
— Do tempo que eu ancorava o jornal na TV não conta. — ela revira os olhos. Então foi por isso que não ficou surpresa quando eu a chamei pelo nome ontem.
— Também não te conheço pela TV,  provávelmente você não vai lembrar e talvez seja um pouco constrangedor dizer ...
— Nos conhecemos em Paris em 98, eu me lembro. — diz ela olhando fundo em meus olhos.

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