Capítulo 4

1.6K 158 18
                                    

Ana Paula

A dor estava presente quando eu acordei mas, muito menos intensa. Nada que eu não esteja acostumada, meu pai tem essa mesma doença, é crônica e genética. E eu fui premiada. Eu estava no hospital que a Paola obrigou Gabi a me trazer, e eu agradeço por isso!
Eu sei que ela me reconheceu na noite passada, eu senti isso quando ela me olhou e depois me chamou pelo nome.
Claro que ela podia ter me reconhecido da TV, afinal trabalhei em várias emissoras nos últimos anos como âncora de vários jornais mas, eu sei também quando um fã me reconhece e pede uma foto, e não foi o caso. Ela foi extremamente atenciosa comigo em um dos momentos que eu me mostrei mais vulnerável.
— Gabi eu preciso saber o que está acontecendo, agora. — falei pelo telefone com minha assistente. — Eu quero que você abra uma chamada de vídeo para que eu possa ver tudo.
— Farei isso Ana, mas agora você tem que descansar e se cuidar.
— Eu nem devia estar no hospital. Você devia ter me levado para casa. Somente para casa.
— E eu lá ia enfrentar aquela mulher? Ela disse hospital, eu dirigi para o hospital.
— A sua chefe sou eu.
— Ela me assusta mais. Eu faria o que ela mandasse sem questionar. — Ela ri e eu também.
— Você fez o certo. Impediu que eu parasse em uma cadeira de rodas. Obrigada.
Era tarde já quando eu acordei, e logo chegou o almoço, uma comida horrível com gosto de isopor, típico de hospital.
A Gabriela não fez a chamada de vídeo durante a reunião, mas me ligou assim que acabou e me passou tudo o que aconteceu. E em resumo, o esforço valeu muito a pena! O contrato vai ser fechado, e vai ficar pelas mãos de Natália, que inclusive não veio até aqui ainda porque eu a obriguei participar da reunião no meu lugar. Alguém tinha que estar presente. A batida na porta me deixou surpresa.
Era ela. Estava completamente maravilhosa em uma calça jeans escura e uma camisa social também jeans em um tom mais claro, os cabelos castanhos claros estavam soltos e caiam por seus ombros. Ela caminhava com mais elegância e imponência do que há 15 anos atrás. Ela era linda. Essa é a primeira vez que eu a vejo a luz do dia e sem estar chorando de dor no banco do carro.
Ela me deu uma bronca por conta dos meus hábitos nada saudáveis, com sua postura de chef, ela era durona, forte, mandona e ao mesmo tempo era doce. Segurei sua mão e fiquei passando meus dedos por ali, enquanto ela descaradamente brigava comigo.
— Para quem me conhece há poucas horas, você é muito mandona. — falo rindo, preciso confirmar uma coisinha.
— Eu não te conheço há poucas horas, não sei se você vai lembrar e talvez seja um pouco constrangedor dizer, mas...
— Nos conhecemos em Paris em 98, eu me lembro. — conclui a sua fala. — Eu não me constranjo por falar de coisas boas.
— Eu fui uma coisa boa? — Ela perguntou sorrindo abertamente.
— Verdadeiramente boa. — apertei sua mão. — Me conta o que aconteceu na sua vida nos últimos 15 anos, só um resumo claro.
— Bom, eu vim ao Brasil a convite de um grande chefe e amigo, trabalhei com ele por um tempo, abri meu próprio restaurante, tive uma filha.
— Você tem uma filha?
— Si, Fran és o gran amor de mi vida. — Ela sorri ao falar da menina. E é um sorriso sincero, que chega aos olhos.
— Ana Paula de Vasconcelos Padrão. — Guta é quem está parada em minha frente, me olhando.
— Guta. — Sorrio ao vê-la. — Faz tanto tempo.
— Sua assistente me ligou dizendo que você estava hospitalizada. — Ela cruza os braços.
— Foi tudo muito rápido, de ontem pra hoje. Eu fiquei atolada em trabalho e me dei muito mal.
— Você está sendo mal educada em não me apresentar a sua amiga Ana Paula. — Ela olhou para Paola e depois para nossas mãos com dedos entrelaçados.
— Desculpe, essa é a Paola. Foi ela quem viu que eu realmente estava mal ontem e me trouxe para cá. — olho para Paola ante de dizer. — Essa é Guta, a minha amiga mais antiga.
— Muito prazer. — Guta sorriu apertando a mão de Paola.
— Vou deixar vocês duas conversarem, tenho que ir buscar a Fran na escola ainda.
— Você volta? — perguntei. 
— Claro, amanhã depois da sua cirurgia.
— Cirurgia Ana Paula? — Guta fecha a cara.
— Tchau meninas. — Paola deposita um beijo em minha testa e sai do quarto me deixando sozinha com Guta que tinha uma cara que eu conheço bem, a de quem vai me fazer bilhões de perguntas.
— Comece. — Ela cruza os braços e senta na minha cama.
— O que você quer que eu diga?
~•~
Guta se convenceu rápido que tudo estava bem e me deu um sermão pela minha total falta de noção. Segundo ela. Porque todo mundo quer saber mais da minha vida do que eu? Caralho, eu sei cuidar de mim. Não é só porque Paola tomou a frente e me trouxe para o hospital que eu sou inválida, eu ia pedir pra Gabi me trazer de qualquer jeito. Ok, talvez não logo de cara, mas em algum momento eu iria.
— Agora, você me fala sobre a Paola. Quem é? De onde você conhece? Porque estavam de mãos dadas? Quais as intenções dela com você?
Respirei bem fundo e molhei os lábios, porque eu não sei bem o motivo minha boca ficou extremamente seca.
— Ela é a Paola, nos conhecemos ontem a noite. — dei de ombros. 
— Você acha mesmo que eu sou otaria fia? — diz ela erguendo a sobrancelha. — Ah me poupa e desembucha a verdade, te conheço há 30 anos manezona.
Eu não me aguento e caio na risada, uma gargalhada na verdade.
— Algum dia eu vou conseguir esconder alguma coisa de você?
— Não.
— Você lembra da cozinheira em Paris? Em 98?
— Aquela mulher ali, é Paola, a melhor noite de toda a sua vida? O divisor de águas? A que revolucionou o seu mundo? E ela simplesmente aparece assim depois de 15 anos?
— Bem essa Paola mesmo, eu não tenho muita certeza de como foi. Você não vive falando em destino, sorte, astros e essas coisas? Então, vai ver foi o destino que quis colocá-la em meu caminho outra vez.
— Vou aceitar essa teoria, ela sabe quem você é? Ela se lembra. — Guta está praticamente pulando de excitação na cadeira.
— Sim e sim.
— Sabe que foi o melhor sexo que você já fez na vida? — Ela arregala os olhos. 
— Essa parte ela não sabe. Óbvio. — suspiro. — e ela não foi o melhor sexo que eu já fiz na vida.
— Me poupe Ana Paula, todo mundo sabe.
Guta parecia uma adolescente quando o assunto é minha vida sexual.
— Vocês vão transar de novo? Diz que vão?
— Guta! Eu estou numa cama de hospital.
— Hmmmm da pra brincar de enfermeira e paciente.
— Aí não seja tão imunda. — falo, mas a grande verdade é que a ideia não é tão ruim assim.
Uma mulher pode sonhar não pode?
Minha amiga ficou mais um pouco comigo e depois teve que sair para resolver seus próprios assuntos, fiquei sozinha o resto do dia. O médico não me deixou trabalhar então fiquei zapeando pelos canais de TV, li um dos livros que Guta me trouxe e dormi. Não era a cama mais confortável que eu já tinha experimentado, mas pela primeira vez em um bom tempo, eu não estava com dor nas costas, estava bem, culpa do remédio que cai através do tubo em meu braço.
~•~
A cirurgia do dia seguinte foi tranquila, pelo menos é o que me contam quando eu acordo já em meu quarto, imobilizada na cama. Uma pressão incomoda na altura do meu quadril estava me deixando louca de agonia. Coisa chata. 
O médico que vem me ver me da boas notícias e diz que eu logo poderei ir para casa ficar em repouso por três semanas. Agora me diz como eu vou fazer repouso durante três semanas se eu chefio três empresas em tempo integral? Não vou né.
— Atrapalho? — O sotaque argentino é inconfundível, mesmo que eu não consigo ver seu rosto.
— Você nunca atrapalha. Pode chegar aqui perto para que eu te veja?
— Hola cariño. — Paola aparece em meu campo de visão. Linda, ela está linda.
Para uma mulher que acabou de sair de uma anestesia geral e uma cirurgia que raspou pus e inflamação da coluna, meu corpo responde de forma muito intensa ao beijo que ela da em minha testa. Meu Deus foi só um beijo inocente na testa, da uma segurada querida?
— Olá, você está bem?
— Estou ótima, a sua cirurgia foi bem?
— Foi ótima, amanhã mesmo eu já vou pra casa.
— Com licença. — Diz alguém a porta. — Posso fazer um exame bem rápido?
— Claro. — Paola responde saindo de perto da cama.
A médica se aproxima com um sorriso, e faz alguns exames de reflexo e pelo seu sorriso, eu estava indo muito bem.
— Querida, eu vou retirar as talas principais e você vai poder se mexer. — Ela diz — Movimentos leves, lentos, não vai poder dançar uma salsa nos próximos dias ok?
— Tudo bem. — digo prontamente.
Ela começa então a retirar algumas coisas que estavam amarradas a mim que eu nem sabia que estavam ali, a pressão do meu quadril passou imediatamente, e eu só senti alívio.
— Você pode sentar agora. — Ela me ajuda e me coloca sentada na cama. — Qualquer coisa que precise você pode chamar a enfermeira apertando aquele botão.
— Obrigada. — Ela sai e Paola se aproxima outra vez.
— Você está realmente muito bem Ana, fico feliz. Você estava muito mal naquele dia no estacionamento.
— Realmente, aquele foi um dos piores dias.
— Você tem que se cuidar melhor, trabalhar menos, viver mais.
— Eu vivo muito bem obrigada. — revirei os olhos, estendi a mão e alcancei a dela. — Me fala de algo que possa me fazer esquecer que vou dormir aqui sozinha.
— Você não vai dormir aqui sozinha, vou passar a noite aqui com você.
— Você vai o que?
— Passar a noite aqui com você. — Ela deu de ombros.
— Mas e a sua filha?
— Vai ficar com a babá, amanhã cedinho eu vou em casa para manda-la para a escolinha, está tudo sobre controle.
— Você lembra mesmo de mim? — perguntei sem querer perguntar.
— Eu me lembro de cada detalhe. — Diz ela com um sorriso travesso.
— O que você fez nos últimos quinze anos? Agora quero os detalhes, já que você vai ficar aqui a noite toda.
E ela começou a falar, falou da sua vinda para o Brasil, da frustração de perder seu restaurante para um sócio mal caráter. Do nascimento de seu novo restaurante, Arturito. De como é conciliar sua vida profissional, com uma criança pequena. Inclusive respondeu sem que eu perguntasse a pergunta que mais me deixava curiosa. Ela estava solteira desde sempre. Nunca se casou. Fran é fruto de um namoro que não deu certo. Claro que não é a melhor coisa do mundo, mas para mim era quase como um sinal verde.
Eu tinha a necessidade de ter pelo menos mais uma noite com aquela mulher. Uma em que eu não estivesse no hospital.

Your EyesOnde histórias criam vida. Descubra agora