Capítulo 13

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Paola

Os dias com Ana Paula, sempre são cheios de risos, carícias, conversas profundas sobre o universo e os mistérios da filosofia, somos compatíveis na mesma proporção em que somos incompatíveis, temos tantas coisas em comum, gostamos das mesmas músicas, filmes, livros, ao mesmo passo em que discordamos de tantas outras coisas, e isso só deixam as coisas mais interessantes entre nós. A cada dia a sinto mais aberta a mim, mais recíproca e receptiva, nos primeiros dias suas crises de pânico eram frequentes e nos locais e horas mais aleatórios, um passeio no parque, num fim de tarde de domingo, um almoço em família, um dia na piscina, um jantar? Não havia horário, ela simplesmete ficava apavorada com alguma coisa, e suas mãos gelavam e seu corpo reagia da pior forma, e então eu a abraçava forte e esperava passar, Ana passou a frequentar seu terapeuta com mais frequência, para lidar com seus próprios demônios.
— Paola meu bem, saia dessa cozinha, venha para a sala as meninas estão loucas para te conhecer. — Ana entra na cozinha onde estou me escondendo há quase meia hora.
— Ana...
— Sem essa de Ana, vamos, ninguém vai te morder, por isso eu insisti em não te deixar cozinhar. — Ana me pega pela mão e me puxa para a sala, onde suas amigas estão reunidas com suas taças de vinho nas mãos, ela me dá uma e senta ao meu lado.
Não sei bem como agir em situações como essa, Natália e Guta são mulheres extraordinárias em suas carreiras, empoderadas, elegantes, lindas, são engraçadas, conversam sobre qualquer coisa sem muita timidez, já eu sou só uma cozinheira, não tenho muitos amigos fora da cozinha, além de Thais com quem não falo muito. Fico deslocada no meio delas, Ana Paula está radiante conversando enquanto brinca com os dedos de minha mão livre.
— Acho tão lindo vocês de casalzinho. — Natália sorri e eu tento sorrir de volta.
Imediatamente olho para Ana, preciso garantir que ela não entre em pânico, mas aparentemente ela está bem.
— Paola nem lembra de mim, mas eu também estava lá aquela noite. — Guta diz.
— Que noite?! — pergunto levanto a taça a boca.
— A noite em Paris, eu estava sentada do outro lado da mesa mas, você só tinha olhos pra Ana Paula.
— Na verdade não, eu nem reparei nela naquele momento, foi ela quem reparou em mim.
— Isso é totalmente verdade. — Ana diz rindo. — Mas eu não achei que fosse reencontra-la. Eu só queria uma noite.
— Era isso que você queria de mim? Uma noite?
— Sim, e depois outra quando nos encontramos há dois meses.
— Então tá. — digo bebendo o resto do meu vinho.
— Acho que você está encrencada Ana Paula. — Natália diz rindo.
— É verdade, Ana Paula se ferrou. — Guta riu ainda mais alto.
— Acho que não, também não tive a intenção de nada além disso. — dei de ombros. — Mas a gente não escolhe por quem se apaixonar.
Olho para Ana outra vez aguardando sua reação as minhas palavras, o gatilho para suas crises geralmente a ver com sentimentos, por isso procuro sempre não menciona-los. Ana apenas sorri de canto e aperta um pouco meus dedos.
A conversa ficou mais fácil a partir daí, várias garrafas de vinho secaram, uma coisa é fato, essas mulheres sabem beber. O jantar foi servido pela mulher que trabalha com Ana, estava delicioso, tinha gosto de comida de casa, comida de verdade, parecida com a que eu faço em meu próprio restaurante.

~•~

Ana Paula

Minhas amigas estavam animadas com a perspectiva de conhecer Paola melhor, estavam eufóricas na verdade, para saber mais da mulher que segundo elas, estava me roubando delas, é verdade que passo muito tempo com Paola e Fran, mas não é como se eu não fizesse outra coisa, não, a verdade é que eu não fazia mesmo outra coisa, eu saia do trabalho e ia pra casa de Paola todo fim de semana e as vezes em dia de semana também, gostava de acordar e ver a rotina que ela tinha com a menina, gostava de vê-la acordar pela manhã com a carinha amassada e manhosa, dizendo em espanhol para ficar só mais um pouquinho na cama, era fofo como eu sempre intervinha para ela aceitar levantar e tomar banho antes da escola.
— Paola é um pouco condescendente você não acha? — Guta comentou quando Paola deu um jeito de se enfiar na cozinha.
— Não entendi.
— Ela está sempre te agradando, nunca te contraria, faz tudo do jeito que você quer. Ela parece ter medo de fazer algo errado, como se você fosse sair correndo a qualquer minuto. — Natália é quem explica.
Parando para olhar, realmente Paola está o tempo todo tentando me agradar, fazemos sempre as coisas que eu quero fazer, se eu não quero fazer algo, então não fazemos, ela não costuma discutir comigo, não me contraria nunca, se o assunto não for Francesca ela simplesmente segue aquilo que eu quero, a minha vontade prevalece sempre. Eu levava isso como se fosse normal, como se ela quisesse fazer as coisas que sugiro. Mas pensando bem...
— Vocês estão fazendo caso, não tem nada a ver. — Me levanto e vou até a cozinha buscar Paola que mesmo estando contrariada me segue até a sala de estar.
Já passava da meia noite quando as meninas resolveram ir para casa, chamei um uber e elas partiram, Paola estava limpando a cozinha, já havia dispensado Marisa depois do jantar, a coloquei no táxi e paguei para que ela chegasse rápido e em segurança, não gosto de pedir que fique aqui até mais tarde, e por isso lhe paguei um generoso extra.
— Deixe tudo aí, vamos deitar. — Digo parando a porta da cozinha. — Estou cansada.
Paola imediatamente lavou as mãos e secou em um pano de prato, vindo até mim. Era exatamente como as meninas haviam dito, e eu sabia o porquê disso estar acontecendo, o porque de Paola estar agindo desta maneira. Ela tem medo, medo de me contrariar e eu ir embora, de eu deixá-la caso alguma coisa me desagrade, e isso parte o meu coração, pois eu não irei embora, nem se eu quisesse poderia ir, estou irremediavelmente apaixonada por Paola Carosella.
Subimos as escadas de mãos dadas e Paola se dirige para o quarto de hóspedes, antes que ela abra a porta, a puxo em direção ao meu quarto.
— A onde vamos? — ela questiona.
— Para a cama, onde mais?
— O seu quarto não é ali? — pergunta erguendo uma sobrancelha, claramente confusa.
— Na verdade, esse é o meu quarto. — abro a porta e a deixo entrar, é estranho mas não me sinto incomodada, me parece certo tê-la ali.
— Eu não entendi.
— Não me leve a mal, por favor, tá? Antes quando você dormiu aqui nós dormimos no quarto de hóspedes, eu não costumo trazer pessoas a minha cama.
— Porque não?
— É um lugar íntimo, especial. — dou de ombros.
— Transar por uma noite loucamente você pode? Fazer isso na sua cama não?
— Mais ou menos por aí, não sei explicar o porquê, mas eu não trago pessoas para a minha cama, sempre transo com elas no quarto de hóspedes.
— Tem transado com muitas pessoas pelo visto.
— Ultimamente não, mas antes eu tinha meus contatos sim.
— Fica cada vez melhor. — ela fecha os olhos e suspira. — Se você não dorme com ninguém aqui, onde eu vou dormir?
— Você é só um contatinho Paola? Só um caso de uma noite? — pergunto me aproximando dela, tenho que inclinar a cabeça para conseguir olha e em seus olhos.
— Me diz você. — ela me encara.
— Você não é, eu vou dormir na minha cama com você. Me desculpe não ter feito isso antes, eu só sou muito idiota.
— Você não é idiota. — ela passa os dedos em meu rosto. — Você tinha seus motivos.
— Tinha sim.
Tomo um banho e coloco uma camiseta velha para dormir, Paola faz o mesmo e se deita ao meu lado, pela primeira vez desde que comecei a dormir ao seu lado, ao invés de me deitar em seu peito e deixar que ela me embale até eu pegar no sono, a puxo para o meus braços e a aconchego em meu peito, ela é maior do que eu, mas nesse momento a sinto pequenina em meus braços, relaxada, com uma expressão serena e calma, seus olhos estão fechados mas, sei que ela não está dormindo.
— Eu amo você Paola. — digo e sinto seu corpo reagir as minhas palavras.
Ela nunca havia dito que me ama, apenas me falava de amor e que estava apaixonada por mim, me dizia coisas bonitas e me recitava poemas de seus escritores preferidos, mas nem mesmo em poemas ou mensagens nunca essas palavras haviam saído de seus lábios.
— Está tudo bem. — digo quando ela fica tensa em meus braços. — Você não precisa dizer nada, apenas quero que você saiba que eu não vou a lugar algum sem você. Você me acalma, me trás paz, me trás luz, me deixa feliz. Você é a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo, você e Francesca.
— Ana, eu também amo você. — Paola ergue os olhos até os meus ela está sorrindo. Seus lábios encontram os meus também, um beijo calmo e sereno repleto do sentimento mais puro que eu já senti em toda a minha vida.
Separei nossos lábios com muita dificuldade, eu não queria me separar dela nem por um segundo mas, algumas coisas ainda precisavam ser ditas naquela noite, coisas importantes, seus olhos estavam grudados em meu rosto.
— Cariño. — começo usando seu apelido carinhoso pessoal. — preciso que você pare com isso que está fazendo.
— Te olhar? — Ela pergunta erguendo uma sobrancelha para mim.
— Não... Eu quero que você pare de fazer coisas só porque eu quero fazer ou deixe de fazer coisas que você quer fazer porque eu não quero.
— O que?
— Quero que você pare de ser submissa a mim Paola! Isso não combina com você, não com a chef que deixou Gabi apavorada na noite que nos encontramos no estacionamento, a mulher que quando da uma ordem na cozinha ninguém questiona, a mulher que preenche qualquer lugar onde entre com a sua aura de poder. Não é isso que eu quero de você, eu quero você independente de qualquer coisa. Mesmo quando nós brigarmos ou não soubermos como resolver uma divergência qualquer. Eu vou ficar.
— Ana eu...
— Você vai parar com isso não vai?
— Eu vou tentar. — Paola deita outra vez em meu peito, e eu a aperto em mim. — Você promete que vai ficar?
— Sim, eu prometo, vou ficar com você, por todo o tempo em que você quiser que eu fique.
— Então você vai ficar para sempre.
— Que seja para sempre então.
Ainda tenho muito medo de abrir meu coração e acabar me machucando no futuro mas, nesse momento com Paola adormecida em meus braços me sinto em paz, quando o pior acontecer eu vou lidar com isso, por hora vou aproveitar o presente que a vida está me oferecendo.

~•~

— Ana se apresse por favor, o trânsito vai estar horrível e eu tenho que levar Fran para a escola, se eu não estiver lá pela manhã, ela vai ficar chateada. — Paola diz já pronta e com as chaves na mão.
— Eu estou indo. — Digo pulando em um pé só enquanto calço o sapato, pego minha bolsa e vou até ela que me espera perto da porta. — Vamos, eu vou com você deixar a pequena na escola.
— Ela vai ficar eufórica. — ela sorri e me dá um beijo estalado nos lábios.
O trânsito estava mesmo horrível, mas com sorte conseguimos chegar a casa de Paola em tempo de pegar Fran ainda sonolenta.
— Mamá, estou com sono. — diz a pequena assim que Paola entra no quarto. — ¡Hola tia Ana!
— Oi princesa, vamos levantar?
— Eu não quero, mamá eu quero dormir mais.
— Eu sei minha princesa mas, agora é hora de acordar para ir a escola.
— Mas mamá...
— Se você for boazinha, eu vou te buscar a tarde e você pode tomar sorvete.
— Então eu vou. — A menina diz com um sorriso manhoso.
Fran concorda em levantar para se arrumar, toma banho e toma o café da manhã, aproveito e me alimento junto com ela, e enfim conseguimos chegar a rua da escola, tem uma fila de carros e vans escolares, a criança já estava acordada e falante quando Paola estaciona, e descemos do carro, Fran pede o meu colo e eu não me oponho.
— Cuidado com essa coluna Ana, você sabe que não pode se esforçar.
— Ela não pensa nada Paola, não é esforço nenhum carrega-la um pouquinho. — Digo fazendo a vontade da menina. Fran logo desce e corre para junto de suas amiguinhas que estão no pátio da escola, Paola e eu ficamos observando enquanto as crianças estão envolvidas em um mundo próprio.
— Vamos? Vou deixar você no escritório antes de ir para o restaurante. — ela estende me estende a mão e eu entrelaço meus dedos aos dela saindo da escola, algumas pessoas olham torto, mas nenhuma de nós duas da muita atenção a olhares de julgamento.
— Paola! — uma mulher muito bonita de cabelos enrolados chama da calçada. Paola vacila um passo e segura minha mão mais forte antes de continuar nosso caminho para o carro.
— Bom dia Mariana, o que você está fazendo aqui?
— Eu estava de passagem, ai resolvi parar para ver a Fran. — ela diz com um sorriso cínico, seus olhos estão passeando por mim pousando finalmente na mão que Paola segura com força.
— Eu já falei que não é pra você vir até aqui Mariana, você não tem nada com a minha filha.
— Você não vai me apresentar sua namorada? — Mariana diz me olhando, seus lábios sorriem mas, seus olhos contêm raiva, tenho certeza que se fosse possível ela teria me fuzilado apenas com um olhar.
— Não vou, agora por favor vá embora.
— O que é isso Paola? Prazer me chamo Mariana, mas isso você já sabe você é a...? — ela estende a mão.
— Ana Paula. — Digo olhando para sua mão mas, Paola segura a minha firmemente não me deixando aperta-la.
— Temos que ir, ou vamos nos atrasar. — Paola me puxa pela mão em direção ao carro, ela abre a porta e me coloca dentro, da a volta e entra também, saindo o mais rápido que consegue dali.
— O que foi aquilo? Quem é aquela mulher? O que ela quer com a Fran? E porque você está tão nervosa?
— Uma pergunta de cada vez cariño. — ela ri — Mariana é uma ex, e é completamente louca.
— Conte a história.
— Nos conhecemos há um ano e pouco, ficamos e era bom, ela é muito simpática, bonita e é claro gostosa. — bufo ao ouvi-la. — Mas é completamente louca. Em pouco tempo que estavamos saindo, ela estava em todos os lugares. No Arturito, na minha casa, aqui na escola de Fran, forçou a barra para conhecer a minha filha, você conhece a Francesca ela gosta de todo mundo. Então eu terminei porque estava ficando insustentável e ela não supera.
— Difícil superar você. — brinco.
— É sério. — ela revira os olhos.
— Eu estava pensando que nos podíamos viajar, eu to precisando de um pouco de vitamina D e água salgada. — digo para mudar o assunto.
— Vamos providenciar vitamina D e água salgada para você então. — Paola estaciona o carro em frente ao prédio da minha empresa e se inclina para me beijar. Começamos devagar mas, um calor sobe pelo meu corpo, agarro a nuca de Paola e a puxo para mais perto de mim, intensificando o beijo, enrosco os dedos em seus cabelos fazendo com que ela solte um gemido baixo em meus lábios.
— Eu vou embora daqui, antes que arranque a sua roupa aqui no meio da rua.
— Não sei se eu me importaria muito. — digo me afastando dela, abro a porta do carro e saio o mais rápido que consigo.
Entro no elevador e me olho no espelho, estou um pouco vermelha e um pouco ofegante mas, nada absurdo então eu fui para o escritório, estava tão contente que podia sentir que o sol reluzia em minha pele, as cores estavam mais vivas, os odores mais proeminentes, consigo ver tudo de um jeito mais limpo e claro, como se antes meus olhos estivessem cobertos por um véu e hoje eu pudesse ver tudo com clareza, Paola Carosella tem esse feito sobre as pessoas.

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