Capitulo 16

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Levei a xícara aos lábios e o café desceu quente e amargo pela minha garganta, minhas mãos estavam trêmulas, meus olhos pesados e o cansaço pesava sobre meus ombros. O dia estava clareando lá fora, Ana adormeceu há uma hora no braço do sofá, ajeitei ela da melhor maneira possível deixando ela confortável, me sinto culpada por ter brigado com ela. No fundo eu sei que ela não tem culpa de Mariana ter levado Fran, apenas estava frustrada pela minha impotência diante da situação toda. Eu só quero a minha menininha de cabelos da cor do sol de volta, seu riso preenchendo a casa toda, sua felicidade que contagia todos a sua volta. Meu celular tocou outra vez e eu atendi já cansada desse jogo psicótico que Mariana está jogando comigo. Fogaça e os outros dois policiais que estão de plantão na minha casa se ajeitam para ouvir. Ana acorda assustada e senta para observar também.
— Alô, Mari por favor, me diga onde você está com a minha filha. — coloco o celular no viva voz.
— Como você está amor? Pensou na minha proposta?
— Mari, já faz dois dias, já te falei eu faço qualquer coisa que você queira apenas me devolva a Fran.
— Você já envolveu a polícia amor, as coisas não são mais tão simples. Me ouça com atenção.
— Estou ouvindo.
— Você vai sair sozinha de casa, pegar o carro e dirigir para fora da cidade em direção ao Paraná, em uma hora eu te ligarei outra vez, dando novas instruções. E diga para os seus amigos da polícia e a namoradinha para nem pensarem em te seguir, ou a Fran pode se machucar.
— Não, por favor, não a machuque, você me prometeu que não ia machuca-la.
— E não vou, desde que você faça a sua parte. — A sua voz soa cada vez mais cínica.
Nos dois dias que se passaram eu não dormi por nenhum tempo maior do que quarenta minutos, Mariana liga a cada meia hora me envia fotos de Francesca se divertindo e rindo mas, depois que eu perdi a paciência e gritei com ela na tarde de ontem, me enviou áudios de Fran chorando e gritando e fixou horas sem ligar, e sem atender a qualquer tentativa minha de contato, a polícia tenta rastrear a ligação, mas aparentemente ela é mais esperta do que eu imaginei que seria.
— Paola você não pode ir até ela. — Ana diz pegando a minha mão.
— Eu preciso ir Ana, é a minha filha.
— Ela tem razão Paola. — Fogaça diz. — Vamos seguir seu carro de longe, para saber onde você está indo, precisamos proteger você e a menina.
— Não. A Mariana não vai me machucar e eu posso lidar com ela, desde que a minha filha esteja em segurança primeiro.
— Ligue o GPS do seu celular, nós vamos rastrear, deixaremos você sair com o carro sozinha, e depois seguiremos o seu rastro. — Fogaça diz. — Nós iremos trazer a sua filha de volta.
— Se cuide amor, por favor. Preciso de vocês duas de volta e bem. — Ana diz passando os braços por volta da minha cintura. — Eu te amo Paola, tome cuidado.
— Eu vou tomar cuidado cariño, tudo ficará bem, eu não aguento mais esse pesadelo.
Ana se ergue na ponta dos pés e junta os lábios aos meus, seu rosto doce me trás uma coisa que eu não sentia desde que Fran desapareceu; esperança.
— Eu te amo cariño. — digo pegando a chaves do carro e minha bolsa.
Saio com o carro da garagem e dirijo pelo tempo e em direção que Mariana me orientou, paro o carro no acostamento da estrada no meio, de um lado e outro do asfalto apenas árvores e mais árvores. Meu celular toca e eu atendo no primeiro toque.
— Oi meu amor, onde exatamente você está?
— Estou no quilômetro 234 da estrada para fora da cidade, como você me disse para estar. — respondo.
Mariana me passa novas e específicas instruções, me manda entrar em uma estrada de terra duzentos metros de onde eu estava parada, seguir por mais uma hora e depois entrar em uma espécie de fazenda ou chácara, a entrada estaria sinalizada. Dirigi pela estrada de terra, mandei uma mensagem de voz muito rápida a Fogaça explicando como me encontrar, antes de desligar o celular como Mariana orientou, ela foi muito específica me mandou desligar o celular assim que ela desligasse, e se eu não fizesse iria machucar Fran outra vez. Uma frigideira de barro deixada em um lado da rua foi o sinal que ela me deixou, dirigi por mais meia hora até ver a porteira aberta por onde eu deveria passar.
Desci do carro assim que parei no gramado bem cuidado, corri para a varanda da casa grande e rústica.
— Fran! Francesca? — Gritei batendo a porta que foi aberta de repente.
— Meu amor, você veio. — Mariana abriu a porta sorrindo antes de colar os lábios aos meus. — Vamos nos divertir tanto. — Ela me puxou para dentro e trancou a porta.
— Onde está a minha filha Mariana?
— Lá em cima, vem. — Ela pegou a minha mão e me levou pelas escadas.
— Mamá! — Fran correu me abraçar assim que passei pela porta do quarto de criança.
— Hija, estas bien? te lastimo ella? — abraço minha filha e sinto meu mundo inteiro outra vez, seus bracinhos em volta do meu pescoço era como se eu pudesse respirar de novo. — Lo siento, prometo nunca alejarte de ti, nunca.
— Estoy bien, mamá, la tía Mari me cuidó mientras estabas fuera, te extrañé, pero me divertí mucho aquí, dijo que ahora viviremos aquí, ¿Es verdad?
— No, tenemos que volver con tía Ana, mi amor, ella te extraña, pero no le digamos a Mari eso, ¿De acuerdo? ¿Puedes guardar ese secreto?
— Sí mamá.
— Vou pedir que vocês falem em português, sabe que eu não entendo quando começam a falar em espanhol rápido assim. — Mariana diz. — O que eu entendi é você falando daquela mulherzinha, não quero mais que fale o nome dela nesta casa.
— Mariana, eu vou embora daqui com a minha filha agora. — Pego Fran no colo e passo por ela.
— É mesmo? Como? — ela diz assim que chego na sala. A única saída dessa casa é por aquela porta, e você não vai passar por ela, e você também não tem um carro nem um celular, como pretende ir embora amor? Você vai ficar aqui e nós seremos muito felizes.
Ela se aproxima sorrindo e nos abraça beijando o meu rosto e acariciando os cabelos de Fran.
— Você é louca Mariana, acha que é assim que eu vou te amar? Me prendendo aqui? Sequestrando a minha filha pequena?
— Não, eu não sequestrei ela, nós só viemos na frente para deixar tudo pronto para te receber. Nós nos divertimos bastante nesses dois dias não é mesmo querida?
— Sim tia. — Fran diz em sua inocência de criança, não entendendo o que está realmente acontecendo, e eu agradeço aos céus por isso.
— Não é assim que se faz as coisas, não se pode forçar alguém a te amar.
— Não estou forçando você a me amar, você me amou sozinha, você me ama. Só estou trazendo você para casa, eu já arrumei tudo para nós. Seremos felizes aqui.
— Eu não quero ser feliz aqui, quero voltar para a minha casa o meu trabalho, eu não quero você.
— Claro que você quer, você só precisa ver.
— Me deixe ir embora, agora. — digo. — O que você fez com o meu carro?
— Pedi para o caseiro levar e guardar. Você não tem como sair daqui.
— Me deixe ir embora.
— NÃO. — Ela diz com a voz alterada. — Você não vai a lugar nenhum, e não me obrigue a ser violenta com vocês. — Fran se assusta com o grito e gruda k rosto em meu pescoço.
— Mamá porque ella está gritando?
— Está tudo bem mi amor, não chore. — aliso seus cabelos, acalmando-a.
— Vamos tomar café, você saiu cedo de casa, duvido que tenha se alimentado. — diz ela voltando a postura carinhosa.
Me obrigo a segui-la pela casa até a cozinha, onde tem uma grande mesa de café da manhã posta, Francesca diz que está com fome então eu deixo que ela coma e acabo cedendo ao cheiro de pão quente e café, estou tão faminta não como nada desde o almoço com Ana na casa de praia, o que parece ter acontecido há um século, me servi também é tomei café junto com a minha filha.
— Como foi que você conseguiu?
— Consegui o que?
— Tirar a Fran da escola, vir para este lugar, armar tudo isso?
— Tirar a Fran da escola foi fácil, você me deu a autorização e eu guardei, quando cheguei a escola e mostrei na diretoria foram todos muito solícitos em me entregar a menina, eu sabia que este era o único jeito de fazer você vir até mim. Está casa é dos meus pais, eu pedi ao caseiro para me ajudar a arrumar tudo é você veio.
— Porque?
— Estamos destinadas a ficar juntas amor, você só precisa ver. — Ela sorri — O que é isso? — Mariana pergunta quando ouvimos barulho de pneus no cascalho da rua de entrada. — Quem você trouxe pra cá? — Ela se aproxima de mim com fúria nos olhos, pego Fran no colo e fico em pé.
— Fique longe de mim. — digo.
Mariana passa como um raio e volta menos de um minuto depois com uma arma na mão, apontada para mim.
— Se você não vai ficar comigo, não vai ficar com ninguém Paola, esse é o nosso clichê. — Ela estava com a voz trêmula mas, as mãos estavam bem firmes.
— Mari, não é assim que as coisas tem que terminar, não faça isso. — Abraço Fran que esconde o rosto em meu pescoço começando a chorar.
— É exatamente assim que as coisas vão terminar.
— Mari pense um pouco, acha que vai acabar bem para você? — Ouvimos a movimentação do lado de fora.
— Se alguém passar por aquela porta eu juro que vou atirar na cabeça dela e depois na sua. — Mariana diz. — Eu faço parte do clube do tiro desde os 14 anos, não vou errar desta distância.
Me sinto uma criancinha menor do que Fran, tenho medo de me mexer e ela cumprir a promessa de atirar. Francesca está chorando baixinho, não consigo tirar os olhos de Mariana, manter o contato visual é tudo o que posso fazer agora. Se eu não estivesse com Francesca nos braços poderia facilmente dominar a mulher que me ameaça, se apenas a minha vida estivesse em jogo eu poderia fazer alguma coisa mas, não posso colocar a vida de Fran mais em risco do que já está neste momento.
— Vamos nos acalmar e conversar, abaixe está arma Mari.
— Não, esse é o fim para mim mas, também será para você.
— Esse não é o fim para nenhuma de nós, apenas vamos nos acalmar, vamos seguir a nossas vidas, só precisamos dispensar quem está lá fora, e aí poderemos ficar juntas. — entro no seu jogo psicótico.
— Você vai... você vai ficar comigo? Me escolher?
— Claro Mari, sempre foi você. — digo dando um passo em sua direção.
— Você trouxe a polícia até aqui não trouxe?
— Não, eu não trouxe. Eu liguei para a polícia quando achei que a Fran estava desaparecida, depois tentei dispensar todos eles mas, eles não deixaram, devem ter me seguido até aqui, vamos lá fora explicar as coisas. — enquanto falo me aproximo dela e aos poucos ela baixa a arma, travando a mesma novamente. Seguro em seu rosto e lhe dou um beijo leve e trêmulo. — Vamos amor, vamos acabar com isso.
Pego em sua mão e ela coloca a arma na cintura, caminhamos pela sala que parece ter 1 quilômetro de comprimento, e que levamos uma hora para finalmente chegarmos a porta, ela destranca a porta e abre, coloco Francesca no chão e a seguro pela mão. A cena que vejo parece de um filme, viaturas polícias estacionadas e agentes espalhados pelo gramado, procurando a melhor forma de agir. Assim que passo pela porta segurando a mão de Fran de um lado e a de Mariana do outro a reação de todos foi o choque.
— Vamos explicar a eles rápido e entrar. — Mariana diz, ninguém se mexe, posso ouvir o meu coração batendo forte contra as minhas costelas.
— Eu vou falar com eles, você fica aqui. — digo soltando a sua mão.
— Não. — Ela segura minha mão outra vez. — Você acha que eu sou boba? Você só quer ir embora daqui.
— Amor confie em mim. — digo baixo. — Eu te amo Mari, nada vai nos separar. — passo a mão em seu rosto de leve sorrindo para ela.
Tudo acontece em um piscar de olhos, ouço o som do tiro e não sei de onde ele vem, apenas sinto o corpo de Mariana cair em cima de mim e o meu cair junto com ela, alguns gritos se seguem, uma porta de carro bate e ouço o grito desesperado de Ana Paula. Penso que levei um tiro mas, não sinto dor, a única coisa que sinto é o peso de Mariana sobre mim e de Fran ao meu lado.
— ME SOLTEZ ME DEIXE IR ATE LÁ. — ouço a voz de Ana gritar, olho em volta e os policiais estão alvoroçados, uma policial mulher se aproxima e move o corpo de cima de mim.
— Ela está viva! — diz ela em voz alta. — Você está bem? Foi atingida?
— Não, estou bem. — digo sentando. — Cadê a Francesca?
— Lá, ela correu para a moça assim que a viu.
Olho para a frente e vejo Ana com Fran nos braços, meu coração se aquece e eu consigo sorrir, me levanto e corro até onde elas estão abraço as duas e me permito respirar aliviada, minha família está completa e segura.

~•~
Francesca está dormindo no meu colo enquanto Ana repousa a cabeça em meu ombro. Estamos em casa há algumas horas é tudo parece ter sido um pesadelo, algo vivido por outra pessoa, Fogaça entra sem bater na porta, está ficando um pouco folgado.
— Bom, tudo está resolvido. Mariana está presa, ainda está no hospital por causa do tiro mas, foi só de raspão foi mais o choque na verdade.
— Como foi que aconteceu? — pergunto.
— Nós seguimos seu rastro até a estrada de terra, quando o seu sinal sumiu e recebemos a sua mensagem. Seguimos as suas péssimas instruções, por sorte não tem muitas opções de local para um cativeiro naquela região. Estávamos nos preparando para a abordagem quando você saiu pela porta, segurando a suspeita pela mão, todos ficaram muito tensos sem saber como agir. Quando você a soltou e ela se exaltou um policial novato viu que ela estava armada e fez menção de pegar a arma e atirou, você caiu, ela também, foi uma confusão. Tivemos que segurar a sua namorada desmiolada que nem devia estar lá e queria ir pra junto dos corpos caídos no chão.
— O que você estava fazendo lá Ana? — pergunto me virando para ela. — Você está ficando louca?
— Eu não podia e não ia ficar aqui sentada enquanto vocês se divertiam. — Ela da de ombros. — Agora nos conte como você convenceu ela a sair da casa tão rápido?
— Eu só disse que estava lá para ficar com ela, entrei no jogo psicótico que ela estava jogando. — digo acariciando os cabelos da minha filha. — Ela apontou a arma para Fran, disse que atiraria nela, eu nunca senti tanto medo e impotência em toda a minha vida, então eu me aproximei e a beijei.
— Você o que? — Ana diz. — Você beijou aquela maluca?
— Essa foi a única parte que você prestou atenção? Sério? Eu estava desesperada e situações assim requerem medidas drásticas.
— Ignore ela Paola, continua contando. — Fogaça se mete.
— Foi isso, depois que eu a beijei ela simplesmente acreditou em mim. Como se fosse possível.
— Eu vi a forma como você a tocou, e não gostei.
— Ana! Não é hora para você ter ciúme, faça o favor de se conter. — Fogaça diz outra vez. — Continue Paola.
— Foi só isso, nós saímos da casa e quando eu vi estávamos caídas no chão, eu pensei que tivesse levado um tiro foi tudo muito rápido, eu não sei, quando me dei conta estava aqui.
— Amanhã você vai até a delegacia prestar depoimento sobre o que aconteceu, Mariana ficará presa por muito tempo, os médicos dizem que ela tem algum distúrbio sociopata, provavelmente vai para uma clínica psiquiátrica de onde não sairá mais.
— Pelo menos uma boa notícia. — Ana diz sorrindo.
— Eu vou indo, ainda tenho uma tonelada de relatórios pra fazer. Estou feliz que tudo tenha acabado bem. — Ele se levanta e Ana se levanta também, ela o abraça e beija seu rosto.
— Obrigada Fogaça, eu não sei o que faria sem você.
— Sempre te tiro das enrascadas baixinha, não esqueçam de me convidar para o casamento. — ele ri.
— Não vou esquecer, obrigada Henrique. — O abraço de lado, e ele vai embora.
— Vem amor. — Ana me estende a mão. Vamos tomar um banho e descansar um pouco, foi um longo dia o de hoje.
Vou com ela para o quarto, deixo Fran na minha cama e entro no banho, ela tira a roupa e entra comigo, a beijo embaixo da água quente e ficamos abraçadas lá por um tempo. Depois do banho coloco uma roupa confortável e me deito, Ana se deita também e Fran fica no meio de nós duas, e me parece tão certo estar ali, dividindo a cama com a minha família.
Família.
Há muito tempo não me sinto assim, parte de uma família, e hoje aqui, me sinto completa.

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