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🌻 Capítulo sete:

Sabia que havia desmaiado porque sempre que eu acordava após um apagão eu tinha sempre a mesma sensação de estar completamente oca como uma árvore.

O lugar onde estava agora não era onde eu estava quando apaguei. Na real, quando minha vista voltou ao normal, notei que estava deitada no sofá da sala de minha casa, com meu cobertor felpudo sobre meu corpo. Esfreguei os olhos em uma tentativa de voltar para a realidade, o que ajudou um pouco, então me levantei e segui o barulho de vozes e panelas batendo na cozinha, ao adentrar o cômodo silenciosamente vi uma bela de uma reunião acontecendo.

Mamãe, Carlinhos, Maethe, Antônio vô e Antônio Neto estavam lá, todos com um semblante preocupado, menos meu irmão, que estava com a mesma cara de pateta de sempre.

— Aonde é o enterro? — Caminhei até a mesa, onde só mamãe não se encontrava sentada, fiz uma piadinha para tentar descontrair.

— Ah, minha filha... — Minha genitora largou o que quer que estivesse fazendo e me deu um abraço apertado, fazendo carinho no meu cabelo.

Não havia nada a ser dito no momento. Porque no final das contas, mamãe tinha em mente de que no final do ano eu conseguiria ir embora para a faculdade e todo o meu tormento acabaria, além disso, não existia o que pudesse ser feito.

Depois de longos minutos ela me largou e minha melhor amiga veio até mim, me abraçando também, sussurrando palavras de força no pé do meu ouvido. Vovô veio por último, beijou minha testa e fez carinho nas minhas bochechas, seu olhar parecia dizer que o idoso queria me guardar em um potinho para me proteger de todas as ruindades do mundo. Até o meu irmão que não era muito chegado a contato físico, segurou a minha mão e a apertou, em um gesto reconfortante. O único a não fazer nada foi Neto, que continuou da mesma forma que estava quando eu cheguei, sentado, olhando fixamente para o chão.

— Sei que todos vocês estão preocupados comigo... Mas eu tô bem, eu prometo, foi só mais um ataque de pânico.

Pena. Era assim que todos me olhavam. Com pena. E eu odiava isso.

— Vou tomar um banho e me deitar, obrigada pela preocupação.

Saio dali esperando carregar comigo todo a tensão presente nas pessoas que mais amo. Minha reação após um ataque de pânico é sempre assim, como se eu estivesse agindo no automático, uma hora ou outra eu voltava ao normal.

No meu banho, achei que fosse o momento exato para chorar mais um pouco e deixar toda a dor ir embora para que eu pudesse ficar alegre de novo, como estava no início do dia, mas eu estava seca.

Ao retornar pro meu quarto vestida em um pijama nada bonito e bem confortável, paralizei quando vi Antônio sentado em minha cama.

— Me desculpa. — Ele disse, não tinha olhado para mim, mas sabia que eu estava ali. — Vovô me contou por alto sua história e pediu para que eu passasse mais tempo com você e evitasse que esse tipo de coisa recorrente acontecesse, mas eu fiquei com tanta vontade de socar aquela garota que preferi não fazer nada... Eu sou um covarde, podia ter feito o que aquele menino fez, podia ter te defendido.

Acho que ele não reparou minha aproximação porque seu corpo deu um leve espasmo quando me sentei em suas pernas e agarrei o seu pescoço, como se a minha vida dependesse disso. Os braços musculosos de Antônio circularam meu corpo após o choque e eu suspirei, descansando meu peso no garoto com cheiro de água salgada e algum perfume caro e forte.

Eu não conhecia Antônio muito bem, não fazia nem um mês, não sabia sua cor preferida, nem seu nome completo, não sabia sua comida preferida e muito menos sua data de aniversário, mas mesmo não fazendo sentido algum, naquele abraço encontrei a paz que não sentia a muito tempo. No abraço de um desconhecido, que sempre me pareceu tão familiar...

*

— Caramba, me conta logo o que é!

— Meu Deus, pra alguém de meio metro você é MUITO chata!

Coloquei as mãos nos meus quadris e encarei o projeto de ser humano que andava na minha frente.

— Eu sou o que, Bruno de Souza Velasquez? — Gritei, mas ele nem se importou, entrando na droga da sua caminhonete velha, me deixando com cara de tacho no meio do quintal da minha casa.

— Você vai ficar parada ai com essa cara ou vai entrar aqui na Gertrudes e me deixar te fazer uma surpresa? — Qual é a mania desses garotos de darem nomes de mulher para os objetos, não, qual era o problema em apenas dar nome pras coisas?

Com a minha melhor cara de bunda e braços cruzados entrei no carro daquele maluco e bati a porta com todo o ódio do meu coração.

— Se você inventar de me dar uma cantadinha escrota ou dar em cima de mim hoje eu me jogo dessa lata velha e faço parecer que foi assassinato, beleza?

Ferrolho jogou a cabeça para trás rindo daquele jeito estranho dele, colocou a mão no rádio e o ligou em uma música desconhecida por mim.

— Depois da felicidade que vou te proporcionar hoje, minha deusa, você vai cair ao meus pés sem eu precisar levantar o dedo mindinho.

Revirei os olhos e coloquei os pés em cima do painel, não sei o que deu na cabeça da minha mãe de me deixar sair de carro com esse maconheiro em pleno domingo até a cidade vizinha.

Eles devem estar tentando se livrar de mim e pôr a culpa nesse cérebro de ameba...

Uma hora depois de muito asfalto, eu não entendi porque Ferrolho tinha parado o carro no estacionamento de um canil, eu nem era muito fã de cachorros, seria essa a surpresa?

— Ok, é uma surpresa, então... — Ele se colocou atrás de mim em uma distância respeitável e me guiou para dentro do estabelecimento tampando os meus olhos, esbarrei em algumas coisas e o xinguei por estar fazendo um péssimo trabalho. — Tã dã!

Uma senhora de meia idade, voluptuosa e de cabelos vermelhos cor de fogo apareceu em minha frente segurando uma bolinha de pêlos minúscula em suas mãos. Era um gatinho todo branquinho que não parecia ter mais de dois meses de vida.

Espera aí...

Olhei para trás vendo a cara de palerma de Bruno e quase dei um grito de felicidade, me jogando em seus braços e dando um beijo estalado na sua bochecha.

— Obrigada, obrigada, obrigada! — Repeti mil vezes antes de ir até o bichano. — Oi amor, eu sou sua nova mamãe, oi... — O gatinho abriu seus olhinhos azuis e dei um pequeno miadinho como quem dizia oi e eu me derreti toda de amores.

Aquele fora o melhor presente que eu poderia ganhar de alguém, principalmente em um momento tão ruim pelo qual estava passando, sabia que todos os créditos pela ideia eram de Bruno e esperava que ele soubesse o quão eu estava agradecida.

Foi rápido no canil, apenas tive que assinar um documento alegando a adoção do meu mais novo filhote e recebi um documento que tinha alguns registros sobre meu bebê.

No carro, Bruno confessou que mamãe havia topado ajudar na ideia e tinha disponibilizado uma quantia simbólica para que além de adotar o gatinho, fôssemos comprar as coisas que ele precisava para sobreviver já que na nossa cidade não tinha nada disso, o máximo que vendiam era ração e remédios e olhe lá.

— E aí, qual nome você vai dar para o NOSSO filho? — Ignorei certa parte de sua pergunta, olhando para a coisinha branquela enrolada em meus braços.

— Donut. O nome dele vai ser Donut.

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Entre Flores & DonutsOnde histórias criam vida. Descubra agora