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🎡 Capítulo nove:

dois anos atrás

Mamãe tinha passado na loja de doces de dona Laura no dia anterior para dar uma força no novo negócio da mulher, então quando chegou em casa estava aborrotada de porcarias, mas de tudo aquilo ali, o que mais me chamou atenção foi o doce em formato de rosquinha que eu só sabia da existência por causa do desenho dos Simpsons e da internet, nunca havia comido um de fato.

Então quando eu mordi um pedaço do que parecia ser de sabor de chocolate, foi uma explosão de sabores dentro da minha boca e no meu coração, uma explosão de sentimentos bons, aquilo era divino.

Quis comer todos igual uma porca desesperada, mas essa opção foi claramente vetada por mamãe que disse que aquilo era uma bomba de açúcar e me faria mal se comesse em excesso, então só podia comer certa quantidade e levar o resto para a escola no dia seguinte.

Assim o fiz.

Nossa escola tem uma espécie de lugar rebaixado no telhado, um lugar que usualmente seria inacessível para os alunos, mas desde que um menino do terceiro ano o havia descoberto, todos nós considerados "aberrações" pelo pessoal da cidade nos escondíamos lá em algum momento, para matar aula ou para qualquer coisa.

E lá estava eu no período da aula de história, que para mim era uma grande inutilidade já que eu estudava essa matéria por mim mesma em casa, focando nos assuntos de vestibular, diferente do lenga-lenga de coisas dispensáveis que aprendemos no ensino médio.

Usava o minha jaqueta jeans de lavagem clara preferida que me deixava confortável e quentinha naquele dia de inverno, onde o tempo atingiu algo por volta de 20 graus. Para quem morava no Rio de Janeiro, isso já era como frio congelante. Comia os donuts que mamãe me fizera guardar no dia anterior junto com o chocolate quente que tinha trago em uma garrafa térmica. E eu tinha junto de mim o meu exemplar de Harry Potter e a Ordem da Fênix, o meu livro preferido da saga, que já havia lido mil vez e leria mais mil se precisasse.

Não notei quando uma pessoa de cabelos loiros e curtos apareceu por ali. Melissa. Eu nem fazia ideia de que ela sabia da existência desse canto da escola.

— Veio aqui me dedurar? — Questionei ao largar o livro de lado e encará-la.

Melissa continuou quieta, apenas se aproximou de mim e se sentou ao meu lado abraçando as próprias pernas finas contra o seu corpo magro.

— Eu tô grávida.

Arregalei os meus olhos e franzi as sobrancelhas, tentando procurar palavras pra descrever o modo surpreso que eu me encontrava.

A filha perfeita do pastor, a menina que destruiu a minha vida, a garota exemplar aos olhos da cidade estava aqui, jogada ao lado da ex melhor amiga, com o nariz vermelho de tanto fungar provavelmente porque vinha chorando a bastante tempo. Não fazia ideia do porquê ela tinha resolvido contar aquilo logo para mim.

— Sei o que deve estar pensando... — Começou, como se estivesse lendo a minha mente. — O que essa desgraçada está fazendo aqui contando uma coisa dessas logo para mim? — Mel forçou uma voz fina para que parecesse a minha, achei graça, mas não demonstrei. — Nem eu sei... Não tinha mais ninguém com quem eu podia contar e também sei que mesmo com todas as merdas que fiz para você, você nunca vai mudar, você sempre será melhor do que eu.

Fiquei muda. Mais uma vez Melissa insistia nesse assunto sobre eu ser uma pessoa melhor do que ela, o que a mesma devia achar que justificava suas atitudes, mas não, era ainda pior.

— Eu não vim aqui pedir perdão pelas merdas que fiz com você, mas preciso da sua ajuda.

É nesse ponto da vida que a maioria das pessoas se sentiria satisfeita, ao ver a queda do seu maior inimigo por suas próprias atitudes, mas eu não... Como ela disse, tinha uma boa índole, porque depois de todas as coisas ruins que aconteceram comigo, eu resolvi devolver o mal com o bem, tentando ser uma pessoa um pouco melhor, mesmo que ainda falhasse as vezes, eu estava tentando. E mesmo que provavelmente fosse uma grande burrice eu ajudaria aquela garota má.

Eu só conseguia sentir pena de Melissa por tantos fatores diferentes que a sua gravidez quase não se encaixava como uma das coisas.

— É dele? — Me referi a Lucca.

— Sim. — Ela não hesitou.

Peguei um dos meus donuts e parti ao meio, entregando a outra metade para a garota sentada ao meu lado. Ela o aceitou e aquilo foi como uma trégua.

Pelo menos, por hora.

*

Esperamos que fosse um dia que minha mãe tinha precisado ir para a cidade e voltaria a tarde. Carlinhos estava na casa de um amiguinho da escola no dia, então não foi problema nenhum levar Melissa para a minha casa.

Sinceramente eu ainda não via motivos para ela querer fazer o aborto, afinal, sempre achei que o maior sonho da vida dela fosse ter uma forma de prender Lucca para que ele fosse total e completamente dela, um filho parecia uma boa — não que um bebê realmente prenda algum homem, mas da forma que Lucca era, era uma boa jogada — não me sentia confusa em relação a ela ser da igreja e estar prestes a fazer algo que os fiéis consideravam como assassinato, Melissa não era ligada de verdade na igreja, só fingia que sim porque aquilo era sua vida, sua família, era tudo que ela conhecia.

Mas ela tinha os seus motivos, e nenhuma menina de quinze anos deveria ser obrigada a carregar um fardo maior do que ela pode carregar.

Eu sabia de um método que conhecia na internet e que várias mulheres já tinham confirmado que era eficaz, então o utilizamos.

Entreguei os comprimidos para Melissa assim que ela saiu do banheiro onde estava anteriormente colocando absorventes para conter o sangramento que iria ocorrer. O método não era 100% então ela precisava torcer para que tudo desse certo, principalmente por ter gasto todo o dinheiro guardado que ela tinha, era sua única chance.

A garota se sentou na minha cama, exatamente no lugar onde costumava se sentar na época em que vivia aqui junto comigo e colocou os comprimidos na boca, fazendo cara feia por causa do gosto e da necessidade de ter que deixá-los dissolver antes de engolir.

O clima em meu quarto não era nem um pouco agradável, ela precisava ficar quieta enquanto os remédios dissolviam na boca e eu não sabia exatamente o que fazer, então me distrai com um joguinho estúpido de celular.

Passado o tempo que fora recomendado, Melissa engoliu o líquido que tinha se formado na sua boca.

— Finalmente! Agora preciso urgentemente escovar os meus dentes. — Apontou para o banheiro como se pedisse permissão e eu acenei para que ela fosse.

Enquanto Melissa estava ocupada no banheiro, uma mensagem de Lucca chegou em meu celular. Não éramos mais melhor amigos por causa das circunstâncias, mas ele se esforçava para tentar manter contato comigo mesmo percebendo que pouco a pouco eu ia me afastando cada vez mais, assim como minha ex melhor amiga, mas em uma escala um pouco menor, ele também havia me magoado.

— Pronto, é isso então. — Balancei a cabeça. — Obrigada por me ajudar, de verdade.

— Quando as cólicas começarem, você pode tomar algumas dipironas, ok? Mas nada além disso... E se algo pior te acontecer...

— Não vai e se por acaso for, eu dou meu jeito, o problema já foi resolvido. — A garota parecia distante e perdida, não conseguia imaginar o quão difícil aquilo deveria estar sendo.

— Tudo bem, qualquer coisa é só... Avisar.

Antes de ir embora, agradeceu mais uma vez e depois me deu as costas, como se tudo isso nunca tivesse acontecido.

Ela não me deu notícias e acho que no fundo eu nem estava interessada em saber, só o fato de uma fofoca não ter sido espalhada pela cidade já me dizia que pelo menos parecia que estava tudo ok.

Algumas semanas depois, o casal queridinho passou por mim pelos corredores da escola, quando eu já estava quase no final do corredor, me arrisquei a olhar para trás, para os dois. Melissa me encarava, como se esperasse que eu fizesse mesmo isso então ela fez um discreto sinal de positivo com a cabeça e voltou a andar junto com seu namorado.

E eu prometi para mim mesma que não contaria aquilo para ninguém, nunca. Não era o tipo de coisa que era justo ser usado contra ela mesmo depois de todo o inferno causado na minha vida. O assunto não era do meu respeito e eu nunca soltaria a mão de uma mulher na minha vida.

Mas eu não sei se conseguiria me manter tão benevolente em relação a Melissa, o que me restava era tentar...

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