70°Jogos Vorazes: Annie Cresta

Capítulo 15: Equilíbrio

Annie Cresta

     Damon é mais pesado do que parece. Mesmo juntas, nós quase levamos toda manhã do quinto dia dos Jogos para percorrer o caminho de volta até o rio.
Durante o trajeto, fico totalmente distraída. Em cinco dias, quatorze jovens inocentes foram brutalmente assassinados. Presenciei, no mínimo, metade desses momentos. Em uma parte, inclusive, estou entre os responsáveis, como o de Willow, Hana e Raiden. O peso na consciência que isso vem trazendo a mim está me fazendo muito mal. Há vezes que me perco em ambientes diferentes, revivendo cenas que gostaria de nunca ter presenciado, e tudo para descobrir que não passam de peças que minha própria mente anda pregando em mim.
Pergunto-me se não estou enlouquecendo aos poucos.
     Quando enfim chegamos, com Damon já consciente, preparo um local confortável com algumas folhas para deitá-lo, tal como aprendi com Finnick. Enquanto Adalia se dispõe a caçar comida, cuido de preencher todos os cantis, organizar os mantimentos e ficar de olho no garoto do 9. Mesmo que a cor usual dele esteja retornando, ainda aparenta estar muito fraco para fazer qualquer coisa. Sequer posso imaginar como deve estar se sentindo.
     Passamos a tarde tentando assegurar que ele consiga se recuperar o quanto antes, pois todos ficamos vulneráveis enquanto ele não conseguir nem andar sozinho. Reparo em seu olhar: ao mesmo tempo em que está nitidamente triste pelo que perdeu, também é inegável que está muito feliz por estar vivo.
     Depois que come alguma carne e frutas que coletamos, Damon parece voltar à vida aos poucos. Ainda que continue incapaz de se locomover, tem energia suficiente para conversar:
     _ Aquele cuzão... porque tinha que ser a direita?! Minha mão preferida...

     Apesar de parecer muito cedo para isso, eu e Adalia rimos das brincadeiras dele. Deve ser a forma que encontrou para começar a superar uma perda tão grande.
     Conforme o dia se estende, conseguimos recuperar boa parte da energia que gastamos na emboscada. Adalia e eu tentamos ao máximo cuidar de nossos ferimentos, mesmo com tão poucos recursos médicos. Por sorte, encontro uma pequena plantinha que, pelas minhas lições sobre ervas, identifico como portadora de um alto poder cicatrizante. Não hesito em preparar uma pomada para que todos possamos usar.
     Não converso muito com Adalia enquanto estamos juntos. Ela parece estar profundamente imersa em seus próprios pensamentos. Na realidade, nem chego a me importar com isso de fato, pois também me sinto suficientemente sufocada pelos meus.

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     O nosso público deve ter amado nossa emboscada contra os carreiristas, pois, ao que tudo indica, os Idealizadores permitiram que passemos pelo dia mais calmo que tivemos desde que cheguei aqui. Além disso, nenhum outro tributo morreu.
     Sob a luz da pequena fogueira que acendemos para espantar o frio da noite, alterno meu olhar entre Adalia, concentrada em definir os próximos passos que vamos seguir, e Damon, muito ocupado comendo um generoso pedaço de aardvark.
     Para variar, tento pensar nos que ainda estão vivos, e não nos que partiram. Dean é o primeiro que vem à mente: ele ainda está vivo em algum lugar, muito provavelmente com seu parceiro Brian. Imagino que também deve ter passado por alguns problemas.
Dos carreiristas, Marshall continua bem vivo, como pudemos testemunhar. O mesmo vale para Farrah e Blair que, apesar de eu não tê-las visto desde o banho de sangue, devem estar passando por tudo sem maiores dificuldades.
Meus aliados e Aaron e Belle são os últimos que faltam para completar o número de sobreviventes. Em breve, sei que terei que lidar com a morte de alguém que tenho algum grau de afinidade ou, até mesmo, testemunhá-la. Não posso pensar na hipótese de ter que matar qualquer um que não os carreiristas.
Como se um relâmpago me atingisse em cheio, me puxando da calma e serenidade do ambiente, Finnick aparece de repente na minha frente:
     _ Annie. Oi.