Capítulo 10: Piedade

297 26 5
                                    

Annie Cresta

     Sem pensar duas vezes, acordo meus aliados da forma mais silenciosa que posso. Explico o que escutei a eles que, por sua vez, também passam a ficar mais atentos a qualquer movimento. Ouvimos novamente: os passos são bem altos, mas nada indica que a pessoa está se aproximando.
Faço essa observação fazendo o mínimo possível de sons. Os dois acenam com a cabeça, concordando. Adalia faz um "número um" com os dedos, do que interpreto que os passos são de apenas uma pessoa. Como somos três, ela sussurra:
_ Vamos ver quem é. Se for um carreirista, teremos uma enorme vantagem.

_ Vamos -responde Damon, já se levantando.

Por mais perigoso que pareça, não fico para trás: preciso ser prestativa. Saímos com muita calma da clareira e nos separamos. Cada um vai por uma direção próxima, mas todos seguimos o mesmo som. Já começo a suspeitar que não seja uma ameaça tão grande; afinal, um tributo do 1 ou do 2 seria esperto o bastante para caminhar sem fazer barulho. É aí que começo a imaginar se tudo não passa de uma armadilha.
Estamos andando mais rápido que nosso alvo de perseguição, de modo que nos aproximamos rapidamente. Volto a confiar na minha teoria de ser apenas um tributo qualquer, do contrário já teria nos ouvido a tempos. A poucos metros, tudo que consigo ver é uma jaqueta laranja. Adalia faz sinais a Damon, indicando que ele vá pela direita. Para mim, indica a esquerda, enquanto ela vai pelo centro. Damos a volta ao redor da área em que a possível garota está, com a adrenalina a mil. Finalmente, ela parece notar:
_ Quem está aí? -diz a voz irreconhecível, empunhando a faca que trazia consigo.

A cena ocorre tão rápido que tenho até dificuldade em processar tudo. Adalia grita: "Agora, Damon!", então o garoto do 9 atira uma flecha em cheio no pé da garota, que grita de dor e perde a concentração. Minha aliada agora grita para mim, de modo que saio de onde estava e parto na direção dela, chamando a atenção da inimiga ferida instantaneamente. Porém, vejo que só sou uma distração: Adalia parte para cima dela, com uma foice em cada mão, de uma região fora do campo de visão dela e a atinge no pescoço e na barriga. Vitória, eu acho.
Instantes depois, ouvimos um estrondo de canhão, assim como das outras vezes. Isso acaba confirmando nossa ideia de que esses sons indicam a morte de algum tributo.
Elogio o censo de liderança de Adalia, mas, depois de ver a pobre menina no chão, começo a me questionar se o que fizemos foi certo: nem sabíamos se ela era uma inimiga de fato. Acho que Damon lê minha mente, pois em instantes fala:
_ Não acredito que esteja com dó, Cresta. Já se esqueceu de que aqui é matar ou morrer? Por favor, não faça nos arrependermos de termos te chamado para nossa aliança.

Adalia não diz uma palavra, mas nem precisa. Foi ela quem matou a garota.
Engulo todos esses sentimentos de arrependimento e tento me convencer do que ele disse. Não está errado, infelizmente: quem garante que ela não me esfaquearia se eu estivesse dormindo?
Vamos até o corpo para ver se conseguimos alguns recursos, e, de fato, encontramos: além da arma, a garota levava um outro cantil de água. Saímos no lucro, já que agora temos um para cada, mesmo sem sequer saber onde há água por aqui.
Em silêncio, depois desse ataque, voltamos para nosso abrigo na clareira para tentarmos descansar um pouco antes de o sol nascer.

••••••••••••

Com os primeiros sinais do início do segundo dia, já estamos de pé. Nossa jornada por uma fonte de água limpa deve começar agora, enquanto ainda temos recursos para manter um ritmo adequado de caminhada e há claridade. Dividimos o peso, de modo que cada um carrega uma mochila.
Passamos pelas árvores retorcidas com cautela, em um bom ritmo. Ingerimos o mínimo de recursos possível. Vez por outra, vemos pequenos animais, aparentemente roedores. Como não estou acostumada com esse tipo de fauna, não me atrevo a dizer o que são. Damon e Adalia, por outro lado, parecem ter estudado a respeito: chamaram esses pequenos seres de aardvark, que, para mim, mais parece ser o nome de algo de outro planeta. Garantem também que é seguro para caça e consumo. Além dele, não encontrei nenhum outro de maior porte.
Conforme andamos, começo a fazer estimativas relevantes sobre a geografia desse lugar: começamos na Cornucópia com o fosso de espinhos. De lá, andamos cerca de dois quilômetros até a borda do planalto circular em que estávamos; descemos, e viemos parar nessa planície com mais vegetação. Ao que tudo indica, já andamos outros dois quilômetros nessa planície, sem sinal algum de água.
Quando o sol finalmente nasceu de fato, sentamos alguns instantes para recuperar as energias. É ai que nossa atenção se dirige ao elevado som que preenche a arena: o hino da Capital. Com ele, no céu, aparece a insígnia de lá em enormes proporções. Ficamos intrigados com o motivo.

70°Jogos Vorazes: Annie CrestaOnde histórias criam vida. Descubra agora