Capítulo 2: A Escolhida

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Annie Cresta

Acordo cedo, mas minha vontade é de nem levantar da cama. Não suporto mais dias de Colheita.
Depois de muito procrastinar, decido que é hora de enfrentar o que está por vir, afinal, todas as coisas ruins que precisamos fazer devem ser encaradas como uma injeção: quanto mais cedo começarem, mais cedo terminam.
     Vou até a cozinha procurar algo para comer. Reparo que Neville ainda não levantou, mas não o julgo: se eu não precisasse participar desse evento repulsivo, também estaria dormindo tranquila.
     Enquanto preparo meu café, recordo de momentos alegres que passei com meus pais e irmãos. Como sinto saudades daqueles dias! Sinto que Neville nunca mais riu como ria enquanto todos estavam vivos e bem.
     Só depois que termino de lavar a louça meu irmão mais velho aparece:
     _ Bom dia Annie -diz ele, em meio a um bocejo preguiçoso.

     _ Oi, Neville. Vejo que descansou bastante hoje.

     _ Pois é. Não sei o que você faz de pé tão cedo.

     _ Já esqueceu que hoje é o dia da Colheita?

     Ele interrompe seu alongamento para me olhar nos olhos.

     _ Me desculpe maninha, esqueci
totalmente. Você sabe que vai ficar tudo bem, não é?

     _ Espero...

     Ele me abraça fraternalmente, dando um beijinho em minha bochecha antes de se virar para preparar o café dele.
     Meu irmão é um dos melhores pescadores que conheço. Imagino que toda irmã mais nova fale isso, mas tenho certeza que digo a verdade. Ele passou a ocupar o cargo do mais recente vitorioso do nosso distrito. O motivo? Neville desenvolveu um lança-arpões tão eficaz que conseguiu pegar, em um dia, a mesma quantia que outros pescadores adquirem em uma semana.
     Falando no Finnick, lembro-me de ter assistido aos Jogos dele em casa. Fiquei muito surpresa ao ver o que um garoto apenas um ano mais velho que eu foi capaz de fazer para sobreviver. Não vou mentir: torci para ele desde o início.
Meus devaneios são abruptamente interrompidos pelo meu irmão:
      _ Ei, você não tinha que ir até a loja da senhora Page hoje? -diz, com a boca cheia do cereal que come todas as manhãs.

     _ Obrigada por me lembrar, tinha esquecido completamente. Vou só trocar de roupa antes.

     _ Tudo bem, só não se esqueça de passar aqui antes de ir para a Praça Central. Cuidado no caminho, com esses Pacificadores por aí!

     _ Não se preocupe.

     Procuro o vestido que ganhei de minha mãe para este dia. Uma peça única, cor anil, cheia de plissados. Ela disse que ele ressalta meus olhos claros, além de ser minha cor favorita. Todo ano lembro-me de deixá-lo impecável para os dias como hoje. Para completar, decido colocar um discreto laço de um azul mais claro, porque assim meus cabelos ruivos não ficam nos meus olhos.
     Uma vez no mercado do centro, corro apressada para a lojinha de Page, uma senhora gentil que cuidou de mim e de Neville depois do acidente. Como prometi, vou até lá levar alguns dos melhores peixes que conseguimos pegar. Em troca, ela me acolhe em sua produção de artigos de luxo para a Capital feitos das conchas e pedras preciosas mais difíceis de encontrar do Distrito 4. Preciso nadar, todas as vezes, até uma ilha relativamente distante. Nem sempre dou sorte. 
Assim que chego, ela já me espera na porta:
     _ Bom dia, querida!

     _ Olá Page -digo, abraçando-a como de costume.

     _ Então, hoje é um dia daqueles, não?

70°Jogos Vorazes: Annie CrestaOnde histórias criam vida. Descubra agora