Capítulo 8

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DANIEL CRANE

Reconheço um trauma quando vejo um. Inferno, sou a pessoa no mundo que mais os coleciona. Elizabeth está encolhida e prensada em um árvore agora, os grandes olhos verdes arregalados e temerosos, os braços esguios circulando o próprio corpo. Nunca imaginei que um dia a veria nesta forma.

-Eu... Me perdoe.

-Está tudo bem. - Estendo minha mão para ela e depois do que pareceram horas, ela finalmente aceita. Meu primeiro reflexo é puxá-la para um abraço, aparar sua cabeça em meu peito e acariciar seus cabelos trançados - Está tudo bem.

-Eu não sei o que acontece, quando fico nervosa eu simplesmente falo.

-Isso é normal, não precisa ficar assim. Tudo bem.

-Eu falei demais.

-Sua percepção está completamente equivocada, Elizabeth.

-Perdão?

-Propus mentir para o seu pai porque você poderia se sentir desconfortável em entregar-se antes do casamento. Não é que eu não lhe ache atraente, longe disso, você é uma mulher deslumbrante e tenho todas as intenções de fazê-la senhora Crane, não apenas no nome, mas fisicamente e de todas as maneiras possíveis. Como eu disse antes, não há amor entre nós, mas poderemos nos divertir juntos. É um bom começo, não acha?

-Sim.

-Elizabeth, tenho vivido sozinho com os empregados naquela casa. Nunca fui alvo de atenção ou desejo e isso me assusta. A questão do dinheiro não está relacionada a você, um dos credores me visitou essa tarde e deseja negociar uma parte da terra que não posso ceder. Há família vivendo ali, plantio e criação de animais. Se as terras de Lawfort voltarem para a Coroa ele pode comprar essa parte e expulsar as famílias. Não posso permitir.

-Você está certo, me desculpe. Eu não pensei direito.

-Você não sabe ao certo tudo o que está acontecendo, não posso culpá-la por tirar suas próprias conclusões.

-Então falará com o meu pai ainda hoje?

-Se você estiver de acordo, sim.

-Contará que fui comprometida?

-Não, não pretendo causar escândalo e conflitos na sua família. Ter a honra comprometida é algo muito grave e talvez seja melhor não usarmos desse recurso, ao menos não de maneira desnecessária.

-Você disse que quando nos conhecemos eu fui rude com você. Durante o passeio de Victoria e Isaac.

-Eu me lembro.

-Não era minha intenção soar de maneira grossa. Você era o primeiro homem de fora da família com quem eu realmente estava tendo contato. Me perdoe se o ofendi.

-Creio que não era o momento propício para nenhum dos dois. Eu estava prestes a retornar para o campo de batalha, tinha ido a capital a serviços militares. Foi um período estressante.

-Então estamos bem?

-Estamos.

Acompanhei Elizabeth pelo caminho de retorno até Brad Hall. Deveria estar surpreso ao descobrir que ela escapou pela varanda do quarto e descendo por uma árvore, mas não estou. A mulher é surpreendente.

Depois de me assegurar que ela havia entrado no quarto voltei para minha propriedade e fui correr sob meus domínios de terra. Eu tenho pesadelos difíceis desde que retornei da guerra, praticamente todas as noites, mas correr antes de dormir ajuda a controlar a intensidade das imagens em minha cabeça.

Quando não me exercitava tinha sonhos vívidos, revivia os piores momentos dos confrontos. Você deixa seu país crendo que faz parte de algo maior, que está protegendo sua pátria e quando se depara com a realidades dos embates seu pensamento muda. Tudo passa a ser questionado e você perde a fé.

Ver seus homens, aqueles por quem você é responsável, morreram é esmagador. Observar extensas faixas de terras cobertas de corpos, sangue e pedaços. Não se trata mais de proteger a pátria, trata-se da vida humana. Nenhum dos homens que feri ou matei fez mal a mim, eles estavam na mesma situação que eu, defendendo interesses de pessoas que não se importam por nós.

Somos meros peões em um jogo de xadrez, aqueles que podem ser substituídos. Não há quem olhe por nós, estamos ali para receber ordens e cumpri-las. Vi bons homens, pais de família, não regressarem para casa ou voltarem sem um pedaço. Por que a Coroa ligaria, não é mesmo? Quem se importa se o filho do artesão volta para casa sem uma perna ou um braço? É apenas o filho do artesão.

Quem se importa se o quarto filho de um nobre morreu ao ter seu corpo partido ao meio por uma bola de canhão? Humpf. É uma guerra, não é mesmo? Mortes acontecem. Era apenas o quarto filho, nunca herdaria o título.

Pensei que a falta de uma família tornava a vida difícil. Meu pai mal me olhava, meu irmão me desprezava e tudo o que eu tinha eram os poucos empregados que me ajudavam quando o antigo conde não estava olhando. Se sonhasse que me alimentavam um pouco mais que o necessário para a subsistência perderiam seus empregos.

Os empregados da casa de Isaac cuidavam bem de mim, vestiam-me com novas roupas à medida que as outras ficavam apertadas demais para meu tamanho em crescimento e rasgavam. Durante a infância espalhou-se o boato que eu era apenas o filho rebelde do conde, por isso todos me ignoravam. Quando finalmente atingi tamanho o suficiente para me passar por mais velho e ser colocado no colégio interno meu pai agradeceu aos céus. Nunca mais retornei para Lawfort Hall.

Até o momento que recebi uma carta de Isaac, meses depois de ser enviada, em pleno campo de batalha. Pedia que eu voltasse e me despedisse. Outros meses mais tarde eu de fato voltei, não era difícil encontrar uma desculpa para uma licença, afinal, meu pai era um conde. Isaac me acompanhou até aqui e tudo o que encontrei foi a lápide dele. Não consegui sentir algo, simplesmente não senti nada enquanto olhava a pedra e suas inscrições.

Timothy, o novo Conde de Lawfort, apareceu e nos flagrou ali. Me parece desnecessário repetir as palavras de ódio que proferiu a mim. Fui expulso de suas terras e me vi obrigado a retornar apenas no dia de seu velório. Foi Victoria, esposa de Isaac, quem organizou tudo. Eu compareci e assisti o caixão ser colocado na terra. Passei os anos iniciais de minha vida vendo Lawfort Hall como uma prisão, os anos seguintes era um território proibido para a minha presença e agora, ironicamente, eu era o dono de tudo.

Capitão Irresistível - Os D'evill 03Onde histórias criam vida. Descubra agora