ELIZABETH CRANE
-Você não precisa levantar a mão para uma pessoa para machucá-la.
Essa frase acertou-me como um golpe no peito. Meu coração ficou apertado por ele, vê-lo ali na ala infantil, as mechas rebeldes de seu cabelo caindo sobre o rosto e as roupas desalinhadas. Tudo em Daniel grita cansaço e seus músculos tensos indicam que devo me preparar para sua história.
Coloco o castiçal sobre uma cômoda e mantenho certo espaço, não quero se sinta pressionado. Como este ambiente não está em uso, fora limpo pela equipe recém contratada, mas não acenderam a lareira, não havia necessidade.
Ver Daniel aqui, em meio aos poucos objetos infantis e móveis pequenos, na pouca iluminação proveniente das velas me deixa nervosa e não de um jeito bom.
-Minha mãe morreu durante o parto. Disseram-me que após dar à luz não conseguiram estancar o sangramento. Passei os últimos anos confinado nesta ala na casa, sem permissão para sair nem mesmo ao jardim. Quanto menos o conde me visse, melhor para minha sobrevivência. - Seus olhos castanhos focaram em mim e a dor presente ali era tamanha que tive vontade de me encolher - Os problemas começaram quando fiquei grande o suficiente para questionamentos. Eu queria saber porque meu irmão saía com o conde ou brincava nos jardins enquanto eu era obrigado a assistir tudo dessas janelas. Porque o conde demonstrava tanto carinho com Timothy enquanto nunca vinha me ver. Eu ficava na janela, observando os dois chegarem de uma cavalgada, vendo Timothy ganhar uma atenção tão simples como o conde bagunçar seus cabelos e sorrir para ele. Não entendo porque não livrou-se de mim, que contasse para todos que também não sobrevivi ao parto.
Sua voz é baixa e arrastada, como se revivesse as memórias à medida que as conta. Sinto-me sufocada, lágrimas pinicam por trás de meus olhos querendo sair, mas não posso fraquejar agora. Não quando ele precisa que eu apenas esteja por perto e escute.
-No meu aniversário de cinco anos fui levado ao escritório, finalmente veria meu pai de perto. Lembro-me de estar ansioso, esperando que mexesse em meus cabelos como fazia com Timothy. Aquela visita fora um completo desastre. Eu não tinha permissão para me aproximar demais e ele não fez questão de sair detrás de sua mesa. Observou-me sério, de cima a baixo, e fui dispensado para voltar com a babá para a ala infantil. Nada. Nenhum sorriso, nenhum abraço ou felicitação. Tudo o que ele fez foi afastar dois dedos do queixo e balançar na direção da porta.
-Tentei escapar da ala infantil naquele dia. Era meu aniversário, seria um bom presente conhecer a casa em que minha mãe viveu. No fundo eu sei que ela me amaria, ela não teria me tratado da mesma forma. - Solta uma risada amarga, sem humor - Consegui chegar ao salão principal e não tinha ideia de como retornar, a casa parecia gigante e eu nunca havia andando pelos incontáveis corredores. Escutava os funcionários executando suas tarefas, correndo de uma lado para o outro da casa e quando algum som se aproximava de onde eu estava, corria e me escondida atrás de uma poltrona. Foi em um desses momentos que finalmente reparei no quadro da entrada principal. Eu sabia quem era a mulher, ninguém precisou me contar. Ela era a mulher mais bonita que eu já tinha visto, como uma fada.
-Deixei meu esconderijo e me aproximei, necessitando ver o quadro mais de perto. Timothy entrou neste momento e me olhou feio, não falou nada, nem se mexeu, mas fiquei impressionado. Pela janela da ala infantil eu sabia que ele não se parecia muito com o conde, mas ali, naquele instante, vi como suas semelhanças com nossa mãe eram surpreendentes. O mesmo tom de pele, os mesmos olhos, o mesmo cabelo, até o rosto se parecia. Naquele instante eu entendi porque nunca teria a atenção que desejava.
-O conde entrou poucos minutos depois. Ainda estávamos ali nos encarando e ele não ficou feliz ao me ver. Gritou por Eymer e exigiu que me levassem de volta. Lembro de Eymer excitar em cumprir as ordens, mas o que ele podia fazer? Fui levado de volta e a babá já esperava por mim. Estava raivosa, imagino que tivesse medo de seu emprego estar em risco, na época também não entendia muito. Ela me bateu, gritou muito comigo e saiu, deixando-me trancado aqui. Eu não recebi lanche ou mesmo o jantar. Também não recebi café da manhã no dia seguinte. Minha primeira refeição foi o almoço.
-Depois desse dia a babá estava mais rigorosa, mais agressiva. O conde não se importava, perdi direito a qualquer inspeção que ele eventualmente faria. Eu era o filho bastardo, o assassino que tirou a vida de sua esposa, por quê seria merecedor de sua atenção? Com o passar do tempo percebi que minhas refeições eram reguladas pela babá. O conde passara toda a responsabilidade sobre mim para ela e a mulher não se importava nem em providenciar roupas novas enquanto eu crescia. Vez ou outra eu tentava fugir outra vez para ver o quadro, eu precisava ver minha mãe.
-Um dia o conde me encontrou no corredor e ele mesmo me levou de volta, trancando-me outra vez. A babá esteve especialmente raivosa nesse dia e como era manhã, eu sabia que não receberia comida pelo restante do dia. Só não esperava que em dois dias eu recebesse um único prato de comida. Eu estava fraco, rebelde e sem saber o que fazer. Até que Eymer veio ao quarto no segundo dia, tinha um pedaço de papel rabiscado com ele e me ajudou a fugir da casa. O papel era um mapa simplista de como chegar a Brand Hall. Isaac e seu pai cuidaram de mim, chamaram meu pai e o duque conversou com ele.
-As coisas não melhoraram, tudo continuava igual, a única diferença é que agora havia certa preocupação com as aparências. Voltei a fugir outras vezes, com a ajuda de alguns criados bondosos. Conseguindo que me contassem histórias de como minha mãe era, como a casa era em sua presença. Segui assim até meus onze anos, quando o conde conseguiu me enviar para a escola. Nas festas de fim de ano eu ia para a casa de Isaac e passava com sua família. Na escola Isaac me defendia. Ele é meu irmão mais velho e não aceita questionamentos sobre isso.
-Eu não voltei a pisar nessa casa até a morte de Timothy. Depois que ele e o conde morreram, deixando a propriedade afundada em dívidas e nossos arrendatários necessitados de ajuda, eu pude finalmente conhecer a casa, entrar nos cômodos, descobrir onde tudo se localizava e o mais importante, eu pude ficar por horas observando o quadro da minha mãe sem risco ou medo.
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Capitão Irresistível - Os D'evill 03
RomanceEssa é uma história de minha autoria, ou seja, DIREITOS AUTORAIS. É sempre bom lembrar que plágio é CRIME! Ela é uma jovem sonhadora. Ele um homem marcado. Ela cresceu cercada de amor. Ele foi criado pelo ódio. Elizabeth D'Evill deseja aquilo que s...