No Meio Do Caos

Capítulo 21

   Passei o dia de cama. Gustavo estava sempre ao meu lado, mas não falava muito comigo, estava focado em seu trabalho. E não era apenas isso, por mais que fossemos amigos, Gustavo sentia mais do que isso e preferiu se afastar um pouco para que as coisas não ficassem estranhas.
   Não tinha vontade de comer, não sentia fome, mas aquele avatar insistente me obrigou a comer. Ele também me forçou a tomar banho, eu não tinha forças nem pra levantar. Gustavo está fazendo bem seu trabalho, cuidando de mim sem romper os limites da profissionalidade, mas sinto falta das nossas conversas e brincadeiras.

   A noite demorou para chegar. Gustavo encerrou o seu "home office", desligou o notebook e se levantou da poltrona onde estava sentado.

  Gusta: - Eu vou pro meu quarto tomar um banho e depois vou preparar alguma coisa pra gente comer. Se precisar de alguma coisa me chama.
  Ana: - Não precisa preparar nada pra mim, ainda estou sem fome.
  Gusta: - Mas é claro que você vai comer, você precisa se alimentar.
  Ana: - Mas eu já comi naquela hora, porque você me obrigou. Não quero comer.
  Gusta: - Você comeu no almoço, já faz mais de 5 horas, e ainda foi pouco. Você vai comer sim e não se fala mais nisso.

   Gustavo disse fechando a porta do meu quarto. Que saudade do Gustavo legal! Esse Gustavo mal fala comigo e quando fala é sério, não brinca mais com a minha cara.

   Mais ou menos uma hora depois, o chatonildo volta ao meu quarto com uma bandeja nas mãos. Ele coloca a bandeja sobre a cama e só aí percebo o que tem nela. Um prato com sopa, uma colher, um copo com água e um celular com um vídeo pausado.

  Ana: - O que é isso?

   Pergunto me referindo ao vídeo no celular. Gustavo apenas me entrega o celular e o vídeo começa.

  Helena: - Minha filha, quanta saudade! Fico feliz em saber que você está bem e que está protegida. Me desculpa não ter te falado nada. Eu realmente não podia. Eu sei que deve ter sido uma surpresa enorme pra você. Eu também fiquei surpresa quando descobri o passado de Calebe e suas origens. Gustavo é um ótimo rapaz e eu tenho certeza que ele não vai deixar nada de mal acontecer com você. Foi ele que planejou tudo pra que eu conseguisse gravar esse vídeo e pra fazer a surpresa de amanhã. Amanhã você vai saber o que é a surpresa, mas saiba que é tudo graças a Gustavo. Ele me falou que estava sendo difícil pra você lidar com tudo isso, eu entendo meu amor. Mas eu te amo muito e, em breve, estaremos juntas de novo. Carla também está morrendo de saudade de você. Eu tive que criar uma desculpa pra mantê-la em segurança. Sua loja continua sendo muito movimentada. Gustavo me falou que você estava criando e costurando. Estou ansiosa pra ver sua nova coleção. Eu não tenho mais tempo, preciso ir. Eu estou bem, Júlia. Eu e Junior estamos. Te amo minha filha.

   O vídeo acaba e eu fico olhando a tela, a imagem de minha mãe. Eu sentia tanta falta dela. Eu chorava baixinho enquanto digeria tudo que havia acontecido. Levanto o olhar e vejo Gustavo olhando pra mim.

  Ana: - Obrigada... muito obrigada.

   Eu digo o abraçando.

  Gusta: - Não foi nada, apenas fiz o meu trabalho.

   Ele responde seco.

  Ana: - O que é a surpresa que ela disse?
  Gusta: - Amanhã você irá saber. Agora come.

   Ele disse apenas e saiu do quarto.

(...)

   Acordo de mais um pesadelo. O ar começa a faltar e eu me desespero, olho pro lado e vejo Gustavo deitado, dormindo. Peço socorro dando alguns tapas fracos em suas costas, não tinha mais força. Eu estava chorando, parece que isso só piorava mais a situação. Tento me acalmar, mas mesmo assim ainda não conseguia respirar.
   Gustavo finalmente acorda e percebe que estou tendo mais uma crise. Ele segura as minhas mãos e enxuga minhas lágrimas.

  Gusta: - Calma, eu tô aqui com você. Não vai acontecer nada, eu vou te proteger, não vou deixar ninguém tocar em você. Respira... Inspira, expira... foi só um sonho. Você está bem, sua mãe está bem, todo mundo está bem.

   Com Gustavo ali e as suas palavras eu consigo recuperar o ar. Me acalmo aos poucos e Gustavo me abraça.

  Gusta: - Tá tudo bem. Eu tô aqui.
  Ana: - Obrigada.
  Gusta: - Você está bem agora?
  Ana: - Sim, já passou.
  Gusta: - Vou pegar água pra você.

   Gustavo sai e eu vou ao banheiro lavar o rosto. O que será de mim? Quando eu vou deixar de me sentir assim?

(...)

   Hoje, voltei a minha rotina, apesar do acontecimento de mais cedo. Voltei a costurar e fiz de tudo para que os pensamentos negativos não tomassem conta da minha mente. Minha mãe estava bem, ela mesmo me disse isso.
   Após concluir mais uma peça, decido ir comer algo. Desço a escada lentamente e encontro Gustavo no sofá falando sozinho.

  Gusta: - Ela vai adorar com toda certeza. Ela está no quarto, só um minuto, vou cham...

   Ele não completa o que dizia porque me vê descendo a escada. Vem até mim e me ajuda a chegar até o sofá; mesmo estando melhor, eu ainda me sentia fraca.

  Gusta: - Chegou na hora certa. Tenho uma surpresa pra você. Olha!

   Ele diz me mostrando o computador. E depois sai em direção a cozinha me deixando sozinha.

  Helena: - Júlia! Como é bom ver você minha filha!
  Ana: - Mãe? Não acredito! V-você...
  Helena: - Gustavo planejou tudo. Luís viajou e eu consegui sair da casa e vir para a agência sem que nem ele nem seus seguranças desconfiassem.
  Ana: - Ah, mãe! Eu queria tanto um abraço seu agora.
  Helena: - Em breve querida. Como está sendo esses dias aí? Gostou da casa?
  Ana: -Ela é maravilhosa, eu amei. Meu quarto é enorme e ainda tem piscina.
  Helena: - Já aproveitaram a piscina?
  Gusta: - Já fizemos festa nela.

   Gustavo responde se aproximando de mim. Ele trouxe dois sanduíches e deu um pra mim.

  Gusta: - Helena, eu sei que vocês duas têm muito o que conversar, mas precisamos resolver alguns detalhes da fuga de vocês.
  Helena: - Claro, você tem razão.
  Ana: - Quando isso vai acontecer?
  Helena: - Descobrimos que Luís tem um escritório onde fica a parte administrativa da sua "empresa" de tortura, lá tem o nome de todos os aliados de Luís e todos os seus clientes. Ainda não sabemos onde fica esse escritório, temos algumas suposições, mas nada confirmado ainda. Quando soubermos onde é, criaremos uma emboscada e assim conseguiremos todas as provas pra prender Luís e todos os envolvidos.
  Gusta: - Enquanto a emboscada estiver acontecendo, você e sua mãe vão estar voando para o Egito.
  Ana: - E como vai ser isso?
  Gusta: - Oliver vai levar você até o aeroporto. Luís vai estar no escritório, então sua mãe vai "fazer compras" acompanhada de seus seguranças particulares, que são nossos infiltrados. Eles irão até o shopping e, no estacionamento, vão trocar de carro. Helena, você também vai precisar se disfarçar nessa hora.
  Helena: - Sim. Minhas malas e uma roupa extra já vão estar no outro carro. Na hora da troca, eu mudo a roupa e coloco uma peruca e óculos.
  Gusta: - Ótimo. Com o carro diferente, Helena vai até o aeroporto encontrar você, e juntas vocês pegam o avião e voam até o Egito.
  Helena: - Filha, não sabemos quanto tempo vamos ficar lá. Só iremos voltar quando tivermos certeza que Luís e seus aliados não farão mal à nenhuma de nós duas. Então, lá nós teremos outra identidade. Você pode escolher o nome que quiser.
  Ana: - E a nossa vida aqui? E a minha loja? Minha amiga?
  Gusta: - Quando tudo se resolver, vocês voltam e retomam suas vidas.
  Ana: - E finge que nada aconteceu?
  Helena: - Meu amor, eu sei que é complicado, mas é preciso. Eu vou estar com você, vai dar tudo certo.
  Ana: - Mas e você?

Pergunto me referindo à Gustavo.

  Gusta: - Eu vou prender todos eles. Vou ficar para me certificar de que tudo esteja resolvido.
  Ana: - E não é perigoso?
  Gusta: - Ana, eu fui treinado pra isso, essa é minha missão. Eu consigo.
  Helena: - Júlia, vai dar tudo certo, não se preocupe. Talvez isso ainda demore para acontecer, você ainda terá tempo para se preparar.

   Após organizarmos os detalhes, minha mãe precisou ir e encerramos a chamada de vídeo.
   Minha vida nunca mais será a mesma. Eu terei um novo nome, uma nova identidade. Vou pra um lugar estranho, não vou entender nada do que me falarem lá, não sei o idioma. Eu sou uma fugitiva.