8 - Quando Resgates do Bem Vão Mal

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O caminho que serpenteava por entre as árvores era tão estreito e escuro que
os três Sempre tinham que ir um atrás do outro, como patos rumo a um lago.
Enquanto Tedros fixava o brilho dourado de seu dedo na Princesa Uma, adiante,
continuava olhando para trás, para Agatha, cujo dedo reluzia apontado para ele.
"Pare de ficar me checando", Agatha finalmente estrilou.
"Ah, não, é só... eu não me lembrava que a luz dos nossos dedos combinava
tanto", Tedros disse e rapidamente se virou.
Agatha não respondeu. Já estava farta dos olhares preocupados e da conversa
açucarada, como se ela estivesse prestes a ter um colapso nervoso ou a se afogar
no lago mais próximo. Além disso, ela não estava a fim de falar com ninguém
(muito menos sobre simetrias cromáticas), receando que a conversa voltasse à
sua mãe. Mas, acima de tudo, ela estava preocupada em tirar Sophie do Diretor
da Escola, ensaiando, repetidamente, o que diria à melhor amiga, quando
finalmente chegasse à escola.
Diga o quanto você sente sua falta... ou será que eu devo me desculpar
primeiro?... Como é que se pede desculpas por ter arruinado a vida de alguém?
"Desculpe, eu tentei bani-la para sempre"... "Desculpe, eu achei que você fosse
uma bruxa"... "Desculpe, eu nunca perguntei o nome de sua mãe e sou uma
porcaria de amiga..."
Agatha engoliu em seco. Ah, pra que ficar revivendo o passado? Apenas faça
com que ela destrua a aliança e depois foque no futuro. Nós três em Camelot... um
novo começo...
Agatha sorriu, tentando ser confiante... e murchou lentamente.
Primeiro peça desculpas.
Agatha voltou a ficar tensa. Mas, e se ela não quiser destruir a aliança?,
pensou ao se lembrar de como o jovem Diretor da Escola era bonito. Ela acha
que ele é seu verdadeiro amor, Uma dissera, e Agatha sabia, por experiência
própria, que Sophie não era de abrir mão do amor quando o encontrava. E se ela
estiver feliz sem mim? E se não me quiser mais?

"Eu vou resgatar a Sophie, quando nós a encontrarmos", Tedros falou, comose tivesse decodificado seu silêncio

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"Eu vou resgatar a Sophie, quando nós a encontrarmos", Tedros falou, como
se tivesse decodificado seu silêncio. "Pra ser honesto, eu não tenho certeza se ela
vai querer você por lá. Deixe-me falar com ela sozinho."
Agatha ergueu os olhos, espantada.
"Primeiro, você já passou por muita coisa, meu amor", acrescentou o
príncipe, pulando por cima de um tronco de madeira. "Segundo, você tende a
desmaiar em momentos cruciais. E, terceiro, a Sophie e eu temos nossa ligação
especial."
Agatha o seguiu, pulando por cima do tronco.
"Primeiro de tudo, eu estou muito bem. Segundo, eu desmaiei uma vez..."
"Duas: na aula de valsa e no lago..."
"E, terceiro, ela é minha melhor amiga... eu vou resgatá-la..."
"Olha, é melhor se eu fizer isso", Tedros argumentou, caminhando mais
depressa. "Vocês duas parecem ter sérios problemas de comunicação."
"E vocês não têm?", disse Agatha, correndo atrás dele.
"Tudo que você e Sophie fazem é brigar..."
"Porque sempre envolve você!"
"Bem, sem você, eu e ela nos damos muito bem", Tedros bufou.
"Quando é que vocês dois sequer tiveram uma conversa?", disse Agatha.
"Nós fomos companheiros de quarto, no ano passado..."
"Quando ela era um menino!"
"E o que isso tem a ver...?"
"Um menino que você tentou beijar!"
Tedros virou-se, vermelho como um pimentão.
"Você pode beijá-la e eu não?"
"Não quando ela é um menino!", Agatha rugiu.
"Você a beijou quando ela era uma menina!", retrucou Tedros.
"Eu gosto mais de vocês dois quando estão quietos", chiou a Princesa Uma,
olhando-os.
Tedros murmurou algo sobre "mulheres" e "hipócritas", e seguiu marchando
adiante, sem olhar mais para trás para checar sua princesa.
Durante as três horas seguintes, Uma, Tedros e Agatha prosseguiram
arduamente na fila única, por entre a Floresta Sem Fim, parando somente quando
Agatha colidia com uma árvore (frequentemente), ou quando Tedros precisava
fazer xixi (mais frequentemente ainda). ("O que há de errado com você?!",
Agatha rugia. "Está frio!") Agatha tentou perguntar à professora sobre o passado
de sua mãe — Será que Callis estivera em algum livro de história? Como ela foi
parar em Gavaldon? — mas Uma disse que teriam tempo para perguntas quando
chegassem à sede da Liga.
"Sede da Liga?", Tedros disse, franzindo o rosto. "Eu achei que nós fôssemos
para a escola..."
"E quem você acha que irá colocá-lo dentro da escola?", disse Uma. "O
Diretor da Escola transformou os castelos em fortalezas do Mal. Tente entrar e
vocês estarão mortos antes de passarem pelos portões. Sua mãe sabia que a Liga
dos Treze é a sua única esperança de chegar viva até Sophie", Uma deu uma
olhada preocupada para o sol. "Além disso, essa noite vocês estarão a salvo na
sede. Não vão durar nem um minuto sozinhos na Floresta depois que escurecer."
"Você viu algum outro vilão ressuscitado? Além do lobo e do gigante?",
perguntou Agatha, tentando fazer com que a professora continuasse falando.
"Ainda não." Uma olhou de volta pra ela. "Outro motivo para ficarmos em
silêncio."
O amanhecer desabrochou uma bela manhã de vento, e os alunos já não
precisavam da luminosidade de seus dedos para enxergar. À medida que Agatha
e Tedros adentravam mais a floresta, encolhidos em suas capas, Agatha notou
uma névoa verde fria e sinistra se adensando no ar, com um cheiro azedo. Aquilo
a fez se lembrar de sua geleia mofada na varanda da frente, onde Reaper
colecionava seus pássaros sem cabeça. Sentindo um nó no estômago, ela pensou
no gatinho careca sozinho em sua casa. Ela forçou-se a focar de volta no
presente, nos galhos de árvores que passavam acima de sua cabeça, finos e
entremeados... como as mãos de um esqueleto... no tic-tac do relógio de sua
mãe... O nó na barriga de Agatha apertou.
"Quando é que vai es-esquentar?", perguntou Tedros, batendo os dentes. "O
sol parece que está meio dormindo."
Na verdade, Agatha também estava esperando que o sol ficasse mais forte,
mas, a cada hora que passava, ele ficava mais pálido, mesmo quando estava alto
no céu. Ela começou a notar os troncos caídos e as samambaias frágeis, o
esqueleto de um esquilo nas folhagens do chão e os cadáveres de alguns corvos
mal nutridos. Agatha tocou numa única ameixa que estava florescendo,
tremendo numa árvore nua; ela murchou sob seus dedos e apodreceu,
enegrecendo.
"Agatha, olhe", disse Tedros.
Ela seguiu os olhos dele até uma ruína gigantesca de vinhas, árvores e vidro, a
cerca de trinta metros do caminho, reluzindo sob a névoa do sol, como uma
estufa implodida. Tedros desviou-se da trilha para ver melhor, com Agatha vindo
logo atrás dele. Quando ela se aproximou da ruína colossal, a pelo menos cinco
metros acima, viu pétalas e folhas se soltando dos troncos das árvores, captando a
luz como novos botões na primavera. Contudo, ao chegar mais perto, Agatha viu
que todas essas pétalas e folhas estavam mortas, salpicadas pela terra por entre
sapos em decomposição. Agatha passou a mão num dos troncos caídos e seus
dedos tracejaram as letras entalhadas na madeira: LINHA HIBISCO.
"É um trem do Campo Florido", Tedros falou, inspecionando uma vinha
morta. "A Floresta inteira parece estar morrendo. Será que o sol está fraco
demais para manter as plantas vivas?"
Agatha não respondeu, ainda irritada pela discussão que eles tiveram mais
cedo.
"Mas, por que o sol estaria mais fraco que antes?", Tedros cutucou.
Um silêncio estranho se estendeu. Ambos resmungaram sobre seguir em
frente e desviaram um do outro, como se fossem seguir a Princesa Uma, mas
ela já estava bem à frente no caminho, só uma sombra em miniatura, e eles
tiveram que sair correndo atrás dela quando perceberam que ela não ia parar.
Eles a seguiram pelo Caminho do Salgueiro e o Ponto das Abóboras, com
placas de madeira que davam nome a esses locais, todos espelhando trechos da
Floresta Azul da escola, só que maiores e mais assustadores. Ocasionalmente,
Uma parava e deixava que eles comessem algumas minhocas que trazia nos
bolsos (a própria Uma se abstinha, dizendo ser rude comer suas "amigas"), ou
pedia a algum pardal ou esquilo que os guiasse até o lago mais próximo, onde
eles inalavam as mãos cheias de água salobra. Ainda assim, mesmo com todas
as ameaças da Floresta, eles não se depararam com nada que lembrasse um ser
humano, muito menos um zumbi vilão, e Agatha começou a se perguntar se
havia imaginado tudo o que acontecera no Cume Necro.
Como se refletisse sua mente mais tranquila, a floresta se abria conforme
eles seguiam, com mais ar entre as árvores e os arbustos espinhentos se
transformando num tapete de grama, embora Agatha avistasse filetes
amarelados começando a surgir. Quando passaram por uma placa dourada que
dizia Foxwood, os ombros de Uma relaxaram visivelmente e logo o caminho de
terra se alargou e eles puderam caminhar todos juntos, respirando um ar mais
limpo e com uma sensação bem mais segura, como se tivessem adentrado um
reino protegido.
"O mais antigo reino dos Sempre", disse Uma, enfim à vontade.
Acima das árvores a oeste, Agatha via as torres finas de um castelo dourado
reluzindo como tubos de um órgão, mas a professora já os conduzia a leste,
descendo por caminhos mais densos.
"Nós vamos evitar as vias públicas e seguir pelos vales estreitos. É melhor
evitar que vocês cruzem com quaisquer Sempre, por enquanto."
"Por quê?", perguntou Agatha, mas Uma estava ocupada demais tagarelando
com uma abelha que passava.
Lá pelo final da tarde, eles chegaram a um poço de pedras e sua cobertura de
madeira estava forrada de rosas brancas apodrecendo, enquanto um pombo
bicava o balde seco. Agatha afastou as rosas e leu as palavras pintadas em
branco:

A escola do bem e do mal 3 Infelizes para sempre - Soman ChainaniOnde histórias criam vida. Descubra agora