26 - Da Escuridão Vem Uma Rainha

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Quando Sophie acordou na Torre do Diretor da Escola, um vestido esperava
por ela na cama, iluminado pelo alvorecer.
Agora, ela estava diante da janela, com o vestido tomara que caia de veludo
preto, justo e com uma longa cauda que a fazia parecer uma noiva sinistra.
Do outro lado da baía, a névoa verde envolvia os silenciosos castelos negros
do Velho e do Novo, sob a manhã nublada e um sol que não era maior que uma
bola de gude. Tanta paz, ela pensou. Todos aqueles anos ela se esforçou e
agonizou para ser do Bem, tentando trapacear para abrir caminho até seu Felizes
Para Sempre. Mas ao olhar lá fora, para o seu reino do Mal, Sophie percebeu que
nunca deveria nem ter tentado. Dois anos atrás, o Diretor a colocara na escola
onde era seu lugar — a escola que ela estava destinada a um dia administrar. E se
ela tivesse abraçado esse fato em vez de negá-lo, se ela simplesmente tivesse
amado a si mesma do jeito que era, ela teria se poupado de um mundo de dor.
Ela olhou para os próprios braços.
"Nada de verrugas ou rugas, ainda. Quando é que vou me transformar em...
você sabe..."
Rafal veio até seu lado, com o paletó de veludo preto de gola chinesa que
combinava com suas calças de veludo.
"O Professor Manley inicia o primeiro dia de aula de Enfeiamento
explicando por que os vilões precisam ser horrendos para serem bem-sucedidos.
A feiura liberta o vilão da superfície — da prisão da vaidade e de sua própria
aparência — e o deixa livre para abraçar a alma que está dentro de seu ser. Da
primeira vez que você se transformou em bruxa, sua alma precisava ser
horrenda para que você pudesse enxergar além de sua beleza e acessasse sua
própria maldade. Mas agora você é uma bruxa diferente, Sophie. Você aceita a si
mesma como é, por dentro e por fora. A feiura não teria qualquer finalidade para
você. Da mesma forma que não tem nenhuma finalidade para mim."
Ela esperava sentir alívio por manter sua beleza, mas, em vez disso, sentiu um
estranho vazio, como se sua aparência já não importasse depois de tudo que ela
passou. Seus olhos desviaram para a aliança em seu dedo.

"Isso é ouro de cisne negro, não é? Você sabia que isso me levaria atéTedros

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"Isso é ouro de cisne negro, não é? Você sabia que isso me levaria até
Tedros."
Ele contraiu a boca, como se estivesse cogitando se devia descobrir como ela
ficou sabendo disso, ou se deixava de lado qualquer coisa que pudesse ter
acontecido durante o tempo em que ela esteve fora.
"Vamos colocar da seguinte forma", ele disse, finalmente. "Já que você não
a destruiu, eu sabia que a aliança a traria de volta pra mim."
"E se eu a tivesse destruído?", ela quis saber, virando-se para ele. "E se
Tedros me amasse?"
"Um beijo tem de ser sentido de ambos os lados, lembra-se? Eu estou bem
certo de que o príncipe sentiu tão pouco do seu beijo, quanto você do beijo dele."
O rosto do Diretor se abrandou. "Além disso... eu preferiria que você tivesse me
matado a ser desertado para sempre."
Sophie olhou para baixo, quieta. Depois, olhou de volta para o belo e jovem
Diretor da Escola.
"Desculpe", ela pediu. "Desculpe por ter ido embora..."
Ele pousou o dedo nos lábios dela.
"Agora você está aqui. Só isso que importa."
"Não está zangado comigo, por eu ter traído você?"
"Como posso ficar zangado se a sua traição só nos tornou mais fortes? Tenho
é que estar grato. Quer dizer, se for você a quem tenho de agradecer."
"O que quer dizer?"
"Sua amiga Agatha costumava ter um raro talento", Rafal mordeu o lábio
pensativo, "a habilidade não apenas de ouvir desejos, mas também de concedêlos.
Em seu primeiro ano, ela desperdiçou esse talento com preocupações sem
sentido: libertando alguns peixes, fazendo amizade com um gárgula, defendendo
alguns lobos... mas agora eu desconfio que ela tenha aprendido a usá-lo para algo
que valha mais a pena", ele ficou olhando nos olhos de Sophie. "Você."
"O quê?", disse Sophie, surpresa. "Como ela poderia..."
"Seu desejo era que Tedros a beijasse, não era? E foi Agatha quem lhe deu a
chance de que você e Tedros deixassem esse beijo acontecer. Talvez ela até
tenha dado um passo a mais, concedendo-lhe seu beijo com o príncipe, como um
gênio da lâmpada, sabendo que Tedros não sentiria nada e, no fim, acabaria
voltando para ela — o amor que ele sente por ela está mais forte, porque não foi
testado. Ora, isso seria algo e tanto, não? Conceder o seu desejo para que ela
pudesse obter o dela."
Sophie fechou o rosto.
"Eu conheço a Agatha, e ela não pensa desse jeito..."
"Conscientemente, talvez não. Mas a alma dela volta em direção ao Bem, da
mesma maneira que a sua vem na direção do Mal. Talvez ela tenha até pensado
que tomada pela mágoa e pela raiva ao perder seu príncipe, você também daria
as costas para mim e destruiria minha aliança. O Bem teria seu Final Feliz
perfeito, limpo e eficiente, tudo por conta do talento secreto de uma princesa."
"Então, ela queria que eu terminasse sozinha", o rosto de Sophie ficou
petrificado.
"Certamente", o jovem Diretor da Escola sorriu. "Só que ela não contava que
você descobriria a diferença entre mim e o Príncipe Tedros de Camelot."
"E o que é?", Sophie encarou os olhos azuis enigmáticos dele.
Rafal enlaçou a cintura dela, puxando-a para perto de si e pressionando os
lábios aos dela. Ele tinha uma boca delicada, no entanto firme, e no instante em
que ela sentiu os lábios dele, Sophie viu seus pensamentos se calarem, ficando
em silêncio profundo, como se uma bomba escura tivesse explodido dentro de
sua cabeça. Então, sentiu seu coração, num turbilhão de fogo e arrepio, como se
tivesse encontrado sua outra metade. Ele já a beijara antes, mas, dessa vez,
Sophie retribuiu o beijo com mais ardor e a brisa soprou os cabelos dela sobre os
rostos jovens, em mechas tingidas de dourado do sol, e ela soube que não havia
mais culpa, nem dúvida ou vergonha, porque ela havia encontrado o amor... o
amor eterno... tão lindo quanto Maléfico... Os lábios de Rafal se afastaram dos
dela.
"A diferença é que para uma garota como você, o Mal a faz se sentir bem",
ele disse ele. E Sophie ouviu o Storian atrás deles, pintando o beijo dos dois em
cores vibrantes.
"E já era hora de eu finalmente me sentir bem, não?", ela sorriu, sentindo o
revolver sinistro em seu coração. E beijou seu belo menino outra vez, mordendo
o lábio dele com tanta força que sentiu gosto de sangue. "Agora eu sou sua
rainha, de coração e alma", ela sussurrou.
Rafal lambeu os lábios com prazer e passou as mãos nos cabelos dela.
"Só há uma coisa que ainda está faltando..."
No fim das contas, o vestido não tinha sido acidental. Ele planejara toda a
cerimônia enquanto ela estava dormindo.
Agora Sophie esperava do lado de fora das altas portas duplas, dentro de um
velho castelo do Mal, com o coração disparado pela expectativa. Com um
rangido maligno, as portas de madeira escura foram abertas e uma sinistra
música desafinada começou a tocar, como uma marcha nupcial tocada de trás
para a frente. Ela olhou para cima e viu duas fadas negras pousadas na porta,
deslizando suas varinhas verdes em dois pequenos violinos.
"Você está pronta?", ele perguntou.
Ela se virou para Rafal, seu rosto jovem emoldurado por uma parede de
velhos retratos na sala da escadaria.
"Sim", ela anuiu.
Rafal entrelaçou os dedos aos de Sophie e a conduziu pelas portas abertas.
Todos dentro do Teatro das Fábulas se levantaram quando o Mestre e a Rainha
seguiram pelo longo corredor prateado. Uma vez dividido entre o Bem e o Mal, o
vasto salão iluminado pelas tochas agora era inteiramente dedicado ao Mal,
Velho e Novo. De um lado do corredor, o Exército Sinistro de vilões zumbis
observava de seus bancos de madeira, cercados por paredes chamuscadas e
manchadas de mofo verde. A maioria dos antigos vilões estava usando broches
com ossos cruzados sobre o coração, exceto por alguns dos mais famosos,
incluindo o lobo de Chapeuzinho Vermelho, a madrasta de Cinderela, o gigante de
João do Pé de Feijão e o Capitão Gancho, morto-vivo, apesar do ferimento
sangrento feito pela espada em seu peito. Gancho deu um sorrisinho malicioso
para Sophie, e ela sentiu seu corpo ficar rígido, precisando lembrar a si mesma
que ela era rainha e ele não poderia fazer nada para feri-la.
"Os ossos cruzados significam que eles mataram seus Nêmesis antigos e
reescreveram suas histórias", sussurrou Rafal, notando a expressão dela. "O
velho mago desagradável anda escondendo os heróis mais famosos em sua assim
chamada Liga. Por isso que o escudo sobre seu mundo ainda terá de cair. Mas o
tempo deles está se esgotando. Em breve, Merlin e sua Liga virão até nós."
Sophie sentiu uma onda de satisfação ao pensar naqueles velhos fedorentos
sendo mortos, depois do jeito que debocharam dela na caverna.
"Os Leitores estão acreditando no poder do Mal, minha rainha", ele
continuou. "O escudo agora só resiste por um fiapo. Com qualquer um daqueles
famosos heróis mortos, os Leitores certamente perderão o restante da fé no Bem.
O escudo cairá e, então, você vai selar a vitória do Mal de uma vez por todas."
"Como?", Sophie sussurrou de volta. "Do que precisamos em Gavaldon?"
Mas Rafal apenas sorriu. Por cima do ombro, Sophie olhou para outro lado do
teatro. Seus jovens colegas Sempre e Nunca, que tinham atravessado a Ponte do
velho castelo do Bem, estavam de pé, em bancos cor de marfim feitos de osso
polido. Da última vez que os vira, eles tinham um ar desafiador e ressentido em
sua nova Escola do Mal. Agora, todos os jovens alunos olhavam de olhos
arregalados para os velhos vilões, do outro lado do corredor, finalmente
compreendendo o que o Diretor estava escondendo na outra escola, e pareciam
mortos de medo. Mas a junção das duas escolas não era a única coisa que
separava os Novos alunos. Sophie olhou mais atentamente e viu que seus antigos
colegas de turma tinham sido divididos em três grupos.
Na frente, estavam os Líderes da pontuação, com broches de cisnes de ouro
sobre o coração e novas boinas verdes na cabeça: Beatrix, Ravan e Chaddick,
dentre eles. Nos bancos do meio, ela avistou Reena, Nicholas, Arachne e Vex,
dentre os Capangas, com broches de cisnes de prata e sem boina alguma. E, para
espanto de Sophie, atrás deles havia um grupo final: os alunos com as piores
colocações, usando broches de bronze, que já haviam iniciado o processo de
mogrificação. Kiko continha as lágrimas, tentando esconder os membros
cobertos de penas brancas; Tarquin fungava com seu focinho de porco; Millicent
coçava suas galhadas de alce que saíam de seus cabelos ruivos; e nos braços de
Brone já estavam brotando folhas verdes.
Bem feito, pensou Sophie, por serem tão incompetentes. Ela imaginou que Dot
estaria dentre os Mogrifs, transformada numa vaca comedora de chocolate, mas
não conseguiu avistá-la em nenhum dos grupos. Na verdade, nem Anadil, ou...
Onde estavam as bruxas? Sophie ficou imaginando, olhando a sala.
Mas as únicas outras pessoas da sala eram do corpo docente do Mal, e
estavam junto à parede dos fundos, e os professores do Bem não estavam em
lugar algum à vista. O Professor Manley e a Professora Sheeks pareciam
alegremente orgulhosos de sua aluna transformada em rainha, assim como
Cástor, cuja cabeça canina feroz havia sido reunida com a cabeça de seu irmão
Pólux, no corpo de cão dos dois. (Pólux acenou para Sophie e secou os olhos,
fingindo estar feliz por ela.) Ao lado deles, Sophie via Lady Lesso,
aparentemente satisfeita por ela ter regressado ao Mal, enquanto seu filho e
colega Reitor permanecia ao seu lado.
Sophie recuou. Porque Aric não parecia mais um Reitor. Ele estava com um
olho roxo e profundas marcas de garras no nariz inchado, e a palavra "VERME"
entalhada em sua testa, num ferimento que estava apenas começando a
cicatrizar. Ele encarou Sophie, como se a desafiasse a continuar olhando.
Sophie desviou os olhos e teve o primeiro vislumbre do palco erguido na
frente do teatro. A superfície de pedra estava rachada no meio, como sempre,
mas agora havia uma névoa azulada escapando da parte de baixo da rachadura.
Se fosse um efeito mágico, estava penoso, pensou Sophie, dada a importância da
ocasião. A menos que não tenha nada de efeito mágico... Conforme Rafal a
conduziu pelos degraus acima, ela estreitou os olhos para a rachadura, tentando
ver se havia algo embaixo do palco...
Então, Sophie percebeu o que havia acima do palco.
Uma coroa de espinhos flutuava ao alto, no ar, reluzindo sob a luz da chama
verde de um lustre em formato de caveira. Era a mesma coroa que ela se vira
usando nos murais do MAL, lá no castelo do Bem, com seu rosto sorridente
pintado, envolvida pelos braços de Rafal. Agora Sophie deu o mesmo sorriso,
segurando a mão de seu lindo amor, enquanto eles seguiam para o centro do
palco. Dois anos antes, a Coroa do Circo pendia acima desse ponto, da mesma
forma, esperando o aluno vencedor do concurso de talentos do primeiro ano. Ela
usara sua coroa naquela noite, ao repudiar o Bem e abraçar o Mal... assim como
faria essa noite.
Só que dessa vez, ela não estava sozinha.
Já era o desejo de Agatha, ela sorriu amarga. Já era Agatha.
Enquanto o teatro inteiro assistia, Rafal magicamente baixou a coroa do Mal
sobre a cabeça de Sophie, antes de delicadamente colocá-la no lugar e dar um
beijo em sua testa. Os lábios frios dele contrastaram com o ferro nas têmporas
de Sophie, ainda quente das chamas do lustre, e ela fechou os olhos, gravando a
sensação e o momento na memória. Quando abriu os olhos, o jovem Diretor da
Escola tinha se virado para o público.
"A luz se dissipa em nossa Floresta e a escuridão surge. E da escuridão vem
uma rainha", ele declarou. "Como todo verdadeiro amor, Sophie e eu passamos
por duras provas para nos comprometermos um com o outro. Mas a dúvida e a
dor só nos tornaram mais fortes. Agora, somos inabaláveis como qualquer par de
Sempre que amou pelo Bem. Mas nosso amor, unido pelo Mal, ainda não é o
suficiente para ganhar nosso Felizes para Sempre. Para que o Mal encontre seu
primeiro final feliz em duzentos anos, um final feliz que traga uma Era de Ouro
de maldade e pecado...", ele caminhou até a beirada do palco. "Nós precisamos
de cada um de vocês."
Agora o teatro estava em silêncio absoluto.
"Em sete dias, a Floresta cairá na escuridão", disse Rafal. "Nós temos que
entrar no Mundo dos Leitores antes do sétimo pôr do sol, ou a vida de todos nós
chegará ao fim. Com os heróis mais famosos ainda vivos, os Leitores ainda se
agarram à sua fé no Bem. Mas isso logo irá mudar, pois agora que minha rainha
regressou, as forças do Bem não têm escolha a não ser atacar nosso castelo. A
única forma que eles têm de ganhar é me matando. Então, posso lhes garantir
que Merlin e seus heróis vão invadir nossa Escola do Mal antes que a semana
termine. Nossa missão é matar esses velhos heróis e aniquilar o resquício de fé
que os Leitores tenham no Bem. Esse é o nosso caminho para adentrar o mundo
deles, onde nós selaremos a vitória do Mal, de uma vez por todas. No entanto, até
que os heróis de Merlin cheguem, cada um de nós — jovens e velhos, Sempres e
Nuncas, Líderes, Capangas e Mogrifs do passado e do futuro — precisamos
trabalhar juntos para defender nossa escola. Nossos Reitores e Professores do
Mal devem liderar os preparativos e vocês vão obedecê-los", ele pegou a mão de
Sophie.
"No passado, o Mal perdeu toda guerra porque só tinha algo contra o que
lutar, não algo pelo que lutar. Mas agora vocês têm uma rainha que deu ao Mal a
verdadeira chance de glória. Uma rainha que um dia sentou nesses mesmos
lugares em que vocês estão sentados. Uma rainha que irá lutar por vocês, do
modo como vocês lutarão por ela", o rosto de Rafal ficou sério. "E se alguém se
atrever a questionar essa rainha, então sofrerá o destino de todos aqueles que
fracassaram em sua obediência ao Mal."
O palco começou a tremer, como se estivesse sendo sacudido por um
terremoto, e Sophie oscilou junto a Rafal, surpresa. Subitamente, o palco se
rompeu na rachadura e a névoa azulada e fria subiu pelo vão até se dissipar
acima de um abismo profundo; e Sophie viu o que havia abaixo do palco.
Escondido nas entranhas do velho castelo do Mal, havia um calabouço
congelado com centenas de corpos encapsulados no gelo. O primeiro rosto que
Sophie viu foi o da Professora Emma Anêmona, com olhos chocados sob os
cachos louros, lacrada na tumba de gelo presa à parede do calabouço. Ao seu
lado, a Reitora Clarissa Dovey tinha seu próprio túmulo glacial, o coque grisalho
e as bochechas rosadas estavam embaçadas pelo gelo, embora Sophie notasse
um buraquinho na beirada, onde o rato de Anadil deve ter cavado para pegar a
varinha de Dovey emprestada, na noite em que Agatha e Tedros invadiram o
castelo.
"A Brigada de Traidores guarda todos aqueles que fugiram de sua lealdade ao
Mal, ao longo da história de nossa escola, incluindo o antigo corpo docente da
Escola do Bem, embora cada membro tenha recebido a chance de lecionar na
nova escola e todos tenham recusado", disse Rafal.
Pólux fungava no fundo do palco, lamentoso, esperando reconhecimento.
Rafal o ignorou.
"E, para a sorte de vocês, hoje nós temos três novas imagens para a
Brigada..."
Gritinhos e chiados agudos ecoaram acima dele, e a plateia ergueu a cabeça
para ver Hester, Anadil e Dot, amarradas juntas com uma corda, sendo baixadas
por uma roldana nas vigas, por Beezle, que ria.
"Essas três assim chamadas Nunca conspiraram para deixar que nossos
inimigos entrassem por nossos portões, enquanto uma delas até mutilou nosso
próprio Reitor, com seu talento concedido pelo Mal", disse o Diretor da Escola,
olhando de esguelha para Hester e seu demônio, enquanto ambos se retorciam
nas amarras sufocantes. "No entanto, até o mais culpado dos traidores merece
um julgamento justo, antes de ser condenado à Brigada, por uma sentença
indefinida..."
As três bruxas agora quase nem prestavam atenção, pois tinham avistado
Sophie, de volta ao lado do Diretor da Escola, com sua coroa ameaçadora.
"Dessa forma, deixo o destino delas à minha rainha que, além de ser
intimamente familiar com as acusadas, um dia até compartilhou um quarto com
elas", disse Rafal, virando-se para Sophie. "Então, o que você diz, meu amor?
Devemos poupá-las? Ou condená-las?"
Sophie viu as bruxas olhando diretamente para ela, silenciosamente
implorando piedade. Até Hester, que iria preferir arrancar o próprio olho a
demonstrar fraqueza, parecia morta de medo.
Tantas coisas que passamos juntas, pensou Sophie. Ela e as Três Bruxas do
Quarto 66. Por todos os altos e baixos tempestivos, ela quase chegou a pensar
nelas como amigas.
Quase.
Pois eram essas as amigas que sempre acreditaram que ela terminaria
sozinha... amigas que empurraram Agatha para ficar com seu príncipe, passando
por cima dela... amigas que a espionaram dentro de sua própria escola... amigas
que jamais estiveram presentes para ela, quando ela mais precisou...
E agora essas amigas esperavam que ela fosse a heroína no cavalo branco,
quando elas precisavam. O rosto de Sophie ficou frio. Se havia uma moral para
seu conto de fadas, era que as bruxas sempre estiveram certas. Nunca veio nada
de bom de sua tentativa de ser do Bem.
"Condene-as", Sophie sentenciou.
"Não!", gritou Dot.
"Então, eu receio que essa é a despedida", Rafal deu um sorriso irônico para
as bruxas aterrorizadas. "Ele ergueu o dedo para romper a corda acima da
Brigada..."
"Nunca gostei muito de despedidas", disse uma voz acima dele.
Rafal olhou para o alto. Merlin sorriu da viga, segurando Beezle pelo pescoço.
"Mama!", guinchou o anão.
Rafal apontou o dedo, mas Merlin atirou primeiro e um clarão de fogo
explodiu descendo pela corda, lançando Rafal e Sophie para fora do palco e
arremessando Beezle como uma bala de canhão na direção dos bancos. Lá no
chão, os olhos de Sophie se abriram e ela viu os vilões zumbis irrompendo com
grande estampido ao palco, Rafal pulando de pé e a fumaça acima da corda se
dissipando. Mas Merlin e as bruxas já tinham desaparecido.
O jovem Diretor da Escola rugiu furioso e liderou a horda de vilões para fora
do teatro, na caça aos fugitivos. Sophie se levantou para se juntar a eles, mas
parou de repente. Pois havia algo na frente de seu vestido, algo que não estava ali
antes. Uma estrelinha branca de cinco pontas, fumegando resplandecente,
contrastando com o veludo preto... como um lembrete do Bem deixado pelo
mago.
Quando o sol se levantou sobre o campo, Agatha se recostou num carvalho,
vestindo uma camisa marrom larga que tinha pegado emprestada com Lancelot,
os cabelos oleosos e desgrenhados e a barriga roncando de fome. Ela olhou para
o diadema de prata e diamantes reluzindo na caixinha de madeira, nas mãos de
Guinevere.
"Foi o Lance que te deu isso? É adorável, eu acho, mas não entendo nada de
joias nem roupas, e coisas que têm a ver com... você sabe... meninas", ela disse,
ainda meio grogue. Depois de passar metade da noite acordada com Tedros, e
dormir apenas algumas horas, a mãe do príncipe arrastou-a para fora casa bem
cedo, insistindo que tinha algo para lhe mostrar. Se Agatha soubesse que seria um
adereço para cabeça, teria ficado na cama. "Mas é ligeiramente formal. O tipo
de acessório que você usa para ir a um Baile, ou a um casamento, portanto não
deve ser exatamente prático para perambular pelo campo e ...", a voz de Agatha
foi sumindo. Onde Lancelot arranjaria prata e diamantes naquele lugar? Será que
ele andou explorando minas de pedras em meio às suas atividades de limpar
cocô de cavalo e ordenhar as vacas?
Ainda sonolenta, Agatha examinou o diadema e seus contornos de diamantes
pendurados no círculo de prata. Na verdade, não parecia novo. E quanto mais
atentamente olhava, mas ela sentia uma sensação de aperto na garganta, pois,
subitamente, teve certeza de já ter visto essa peça...
No reflexo do lago, iluminado pela lua... Cintilando dentro de uma pintura de
Peixes do Desejo...
Fixada no alto de sua própria cabeça. Agatha lentamente ergueu os olhos para
Guinevere, que parecia imponente, apesar de seu rosto envelhecido e do vestido
sujo dos afazeres de casa.
"Isso é a... isso é a sua..."
"Receio que agora seja sua", disse Guinevere. "Por mais formal e pouco
prática que possa ser."
"Minha? Não, não, não... não é nada minha...", Agatha ganiu, com a voz
esganiçada, recuando junto à árvore.
"Quando Lance e eu avistamos você e Tedros juntos no campo, ontem à
noite, fiquei muito zangada comigo mesma", Guinevere suspirou. "Eu devia
saber que Merlin tinha me dito o nome certo naquele Natal. No mínimo pela
forma como você me olhou no jantar, quando eu me confundi. Como posso ter
sido tão tola? Acho que às vezes é mais fácil enxergar a resposta mais simples
em vez de ver a verdade. Isso sempre foi difícil para mim", ela sorriu com
franqueza, estendendo a caixa. "Mas agora não haverá mais enganos."
Agatha olhou a coroa, boquiaberta, depois fechou a tampa da caixa.
"Olha, eu não posso aceitar isso! Ainda não sou rainha! Ainda não sou nada...
ainda nem tomei um banho..."
"O Bem não pode mais esperar por sua rainha, Agatha", Guinevere atalhou,
com o semblante sério. "Ontem à noite, seu amigo Hort foi procurar Sophie e
descobriu que ela havia desaparecido de nosso refúgio e magicamente
regressado ao Diretor da Escola."
Por um instante, Agatha achou que não tivesse ouvido direito, ou que se
tratasse de uma piada de mau gosto, mas nada no rosto de Guinevere sugeria
isso.
"O quê? A Sophie voltou para e-ele? Mas isso é impossível... não há como sair
desse lugar..."
"A Dama do Lago só pode proteger aqueles que são aliados do Bem. Tudo
que sua amiga teve de fazer foi desejar se reunir ao Diretor da Escola, e ele
conseguiu romper o encanto do lago e resgatá-la", respondeu Guinevere. "O
pobre Hort ficou desolado quando descobriu que ela havia desaparecido. Disse
que faria qualquer coisa para matar o Diretor da Escola e afastá-la dele. Então,
passou a noite acordado comigo e com o Lance, e nos contou tudo que
precisávamos saber sobre sua história com Sophie. E, pelo que eu ouvi, Agatha,
não tenho dúvidas de que sua amiga se comprometeu de corpo e alma a ser a
rainha do Mal. Você tem de assumir seu lugar como a rainha do Bem com a
mesma determinação e crença. Ou você e meu filho não terão a menor
chance."
Agatha não disse nada, as palavras "meu filho" ficaram pairando entre elas.
Um longo momento se passou. Os dedos de Agatha foram devagar até a palma
da mão de Guinevere e abriram só uma frestinha na caixa de madeira.
"Você... ahn... guardou sua coroa por todo esse tempo?"
"A coroa de Arthur permanece em Camelot, até que Tedros a reivindique", a
antiga rainha respondeu, pacientemente. "Mas eu trouxe a minha no dia em que
fugi do castelo, torcendo para que os guardas imaginassem que eu estava saindo
para uma agenda oficial e não acordassem Arthur. Todos esses anos, quis destruir
a coroa para que Lance e eu esquecêssemos dessa parte da minha história... mas
a verdade é que eu ainda sou rainha e ainda sou mãe, Agatha. Nada pode mudar
isso, mesmo que eu me esconda do mundo. Como detentora da coroa, um dos
meus deveres para com meu reino, meu filho e comigo mesma, por mais que eu
tenha falhado com os três, é passar a coroa adiante", a voz de Guinevere falhou,
mas ela logo se recompôs. "Eu sei que jamais poderei ter meu filho de volta.
Não mereço. Mas ainda tenho que proteger Tedros da melhor forma que posso. E
a única maneira de fazer isso é me assegurando de que ele tenha a rainha que
Arthur nunca teve. Uma rainha que tenha certeza de sua coroa, e que esteja
pronta para lutar por ela quando chegar a hora."
Guinevere deslizou a mão e ergueu a diadema da caixa. Agatha sentiu o
coração disparar quando a antiga rainha a ergueu contra o sol.
"E essa hora é agora."
Agatha esperava mais protestos de si mesma e achou que seu corpo iria
recuar... mas, em vez disso, ela permaneceu onde estava, sentindo algo mudar
dentro de si. Ao erguer os olhos para a coroa de Camelot, Agatha sentiu o medo e
a tensão se dissipando, como se as palavras da rainha tivessem evocado algo
mais profundo em seu interior. O fogo e a determinação inflamaram em seu
interior e tomaram conta dela, como uma armadura por baixo da pele,
apoderando-se da velha Agatha e enrijecendo seus ombros e seu peito.
Guinevere estava certa. Isso não era mais sobre ela.
Isso tinha a ver com dois lados guerreando pelo amor.
Ela e Tedros lutando pelo Bem. Sophie e o Diretor da Escola lutando pelo Mal.
Houve uma época em que ela e sua melhor amiga tentaram encontrar um final
feliz juntas. Agora, somente uma delas poderia sair viva.
Bem ali, naquele momento, Agatha soube por que não poderia ter uma vida
comum. Ela nunca havia sido destinada a ter uma. E no instante em que se deu
conta de que seu destino era maior que ela... tão grandioso quanto o próprio
Bem... Agatha finalmente se sentiu livre para abraçá-lo.
Ela abaixou a cabeça lentamente para a rainha, enquanto os filetes de luz
prateada salpicaram sua testa e um clarão do sol vermelho explodiu nos
diamantes. Agatha ergueu os olhos e viu Guinevere levar as mãos entrelaçadas à
boca, com um sorriso deslumbrante. Era o único espelho de que Agatha
precisava.
Subitamente, Guinevere empalideceu e seu sorriso sumiu. Agatha viu Tedros
do outro lado do campo, observando as duas.
"Eu vou indo...", Guinevere começou a dizer.
"Não... fique", seu filho ordenou. Ele foi em direção a Agatha, vestindo uma
camisa manchada de grama e calçolas amassadas, com os olhos fixos em sua
princesa. "Todos apenas... fiquem."
Conforme Tedros se aproximava, Agatha sentiu o cheiro de orvalho e suor, e
viu as olheiras sob os olhos dele. O príncipe passou as pontas dos dedos sobre o
diadema, lembrando de cada curva e de cada côncavo, mas seu foco ainda
estava nela, e ele desceu a mão da coroa para o rosto de sua princesa, até roçar
em seus lábios. Sem dizer uma palavra, ele se curvou e a beijou, um beijo longo
e lento, como se para ter certeza de que ainda era a antiga Agatha, por dentro e
por fora.
"Você não tem permissão para tirá-la", Tedros sussurrou.
"Nem um 'bom dia' antes de começar a me dar ordens", Agatha brincou.
"Além disso, você está tentando mandar numa rainha?"
"Ah, então hoje você é uma rainha", Tedros provocou, puxando-a para mais
perto.
"Descoberta tardia, caso você não tenha notado."
"Bem, mesmo assim... um rei ainda é um rei."
"O que significa que sua rainha está abaixo de você?"
"Não, só que você deve fazer conforme lhe for dito."
"Se não o quê?", Agatha debochou. "Você vai proclamar uma sentença de
morte contra minha..."
Ela viu a expressão de Tedros e seu corpo inteiro enregelou. Ambos se
viraram para Guinevere, ainda ali, branca como um fantasma.
"O que é isso?", bravateou a voz de Lancelot, conforme o cavaleiro adentrou
o bosque com Hort. "Uma coroação e não fomos convidados?"
"Eu nunca sou convidado para nada", Hort murmurou.
Nem Tedros, Agatha ou Guinevere deram atenção à presença deles.
"Bem, já era hora dessa coroa detestável ter alguma utilidade depois de nos
causar tantos problemas", Lancelot acrescentou. "Embora talvez você queira dar
à menina um vestido apropriado para aproveitar a ocasião. Diamantes não
combinam com essa blusa."
Ninguém riu.
"Um belo começo de manhã", o cavaleiro continuou. "Bem, faça seu pedido,
Agatha, e ande logo com isso. É hora do almoço e ainda há tarefas a serem
feitas."
"Pedido?", Agatha olhou para ele.
Lancelot franziu o cenho.
"Numa coroação apropriada, a rainha faz um pedido para seu reino, uma vez
que recebe a coroa. É o rito de fechamento da cerimônia. Gwen certamente lhe
disse isso."
"Então, receio que eu não tenha feito um bom trabalho", Guinevere disse
com suavidade, olhando para o filho.
Tedros continuou olhando para ela por um momento, depois desviou o olhar.
"Então, eu devo fazer um pedido, não é?", disse Agatha, estudando seu
príncipe. Ela endireitou a postura. "Eu desejo que todos nós possamos nos sentar
e almoçar juntos."
Os olhos de Tedros rapidamente desviaram-se para ela. Guinevere ficou
petrificada. Lancelot e Hort ficaram na expectativa. Agatha continuou olhando
para seu príncipe, esperando uma resposta. Tedros não dizia nada, encarando
Agatha, com sua nova coroa. O bosque estava em silêncio. Tedros virou-se para
a mãe.
"Bem, o que você está preparando?", ele perguntou.
Guinevere ficou vermelha como um pimentão. Então, seu rosto se contorceu
numa careta e ela meneou a cabeça, com as lágrimas brotando em seus olhos.
"É... é segunda-feira... e-eu... não tenho nenhuma comida..."
"Está ouvindo isso, menino?", disse Lancelot. "A mamãe não tem comida
nenhuma. A sentença de morte era por isso, não era?"
Todos ficaram olhando para ele, num silêncio horrendo.
Então, Agatha caiu na gargalhada. Ao vê-la, Tedros tentou resistir, mas
também começou a rir.
Sua mãe estava chorando e soluçando tanto que não conseguia respirar,
dando vazão a anos de sentimentos contidos, que finalmente eram extravasados.
"Não tem... não tem graça..."
O príncipe passou o braço em volta de Guinevere e a abraçou com força,
enquanto ela chorava em seu peito.
"Nós vamos dar um jeito, mamãe", ele sussurrou. "Tudo vai ficar bem."
Vendo Guinevere e Tedros juntos, Agatha sentiu-se tomada pela emoção.
Eles precisavam de um tempo sozinhos, sem mais ninguém.
"Podem deixar que eu e os meninos vamos preparar o almoço", ela disse
rapidamente, olhando para Lancelot e pegando a mão de Hort.
"Eu?", Hort disparou. "Por que o príncipe mimado não pode fazer? Eu nem
preguei os olhos essa noite, depois passei metade da manhã arrebanhando porcos,
enquanto você e ele passaram a noite se aconchegando no celeiro, fazendo Deus
sabe o quê...", ele soltou um grito quando Agatha cravou as unhas em seu punho.
"Em breve, voltaremos com a comida", ela disse, arrastando-o.
"Você vai precisar de muito mais do que imagina", alguém falou.
Agatha se virou e viu uma porção de silhuetas caminhando sob o sol,
atravessando o campo.
Merlin vinha na frente, liderando grupo, seguido por Hester, Anadil, Dot,
Peter Pan, Sininho, Cinderela, Pinóquio, João do Pé de Feijão, A Bela
Adormecida, João e Maria, Chapeuzinho Vermelho, Yuba, o Coelho Branco e a
Princesa Uma, todos imundos, cansados, olhando o campo boquiabertos, como se
tivessem saído do inferno e atravessado um portal para o paraíso.
"Eu vou cuidar do cardápio", Merlin se prontificou, "embora teremos que
aturar um pouco de murmúrio do meu chapéu. Ele ainda está se recuperando
depois de ter servido o café da manhã. Mas nós temos muito a discutir e não há
muito tem...", o mago parou bruscamente, diante da visão de Agatha com a
coroa. O mesmo fizeram todos que vinham atrás dele e um profundo silêncio
tomou o campo.
Merlin sorriu, com os olhos grandes e azuis brilhando.
"Da escuridão surge uma rainha", ele sussurrou.
O velho mago foi se abaixando devagar sobre um dos joelhos, diante de
Agatha, e curvou a cabeça em reverência. Assim como todos os outros atrás
dele, jovens e idosos. Em seguida, Guinevere, Lancelot, Hort... até que Tedros
olhou bem no fundo dos olhos de Agatha e também se ajoelhou.
Naquele momento, sob o sol moribundo, com um exército de heróis
ajoelhados à sua frente, Agatha fez um segundo pedido. Que ela fosse a rainha
que o Bem precisava.
"Não vejo por que tanto estardalhaço", Cinderela murmurou alto, para que
todos ouvissem. "Parece uma girafa com a coroa da vovó."
Mas, conforme todos eles caminharam juntos em direção à casa, os heróis da
Liga fungavam silenciosamente, e Agatha até viu uma lágrima no olho da velha
princesa.

A escola do bem e do mal 3 Infelizes para sempre - Soman ChainaniOnde histórias criam vida. Descubra agora