25 - O Escorpião e o Sapo

213 17 0
                                    

Ao longo da semana seguinte, Tedros passou a ser um fantasma. Durante o
dia, ninguém o via — nem na casa, nem no campo, nem perto do bosque de
carvalho — e ninguém tinha a menor ideia se ele dormia, nem onde. Guinevere
temia que o filho passasse fome, até que Agatha sutilmente sugeriu que toda noite
elas deixassem um cesto de comida na varanda para ele. De manhã, o cesto
sempre tinha sumido.
Para Agatha, o sumiço de Tedros provocava tanto pavor quanto alívio. Por
um lado, o sol ia diminuindo a cada dia, deixando os brejos permanentemente
rajados pelos tons de rosa e roxo do crepúsculo. O mundo estava rumando ao fim
e o príncipe que poderia salvá-lo com um beijo não estava em lugar algum à
vista.
E, no entanto, isso também significou que, pela primeira vez em semanas,
Agatha não precisava pensar naquele príncipe. Os dois tinham se tornado
inseparáveis, do jeito que ela e Sophie costumavam ser. Nesses últimos dias,
todos os pensamentos que ela teve foram consumidos por Tedros: preocupandose
com Tedros, brigando com Tedros, fazendo as pazes com Tedros — Tedros,
Tedros, Tedros, até que ela ficou esgotada, vivendo a vida a partir da perspectiva
dos dois. Com o príncipe desaparecido, ela subitamente se lembrou que era um
ser humano inteiro sem ele. E, de fato, se ficar sozinha viesse a ser o seu fim...
então, agora era a hora de começar a se preparar para isso.
Até o sexto dia, ela e o grupo haviam ingressado numa rotina, como uma
família confusa. Hort passava os dias com Lancelot, fazendo tarefas pelo sítio.
De manhã até à noite, eles ordenhavam as vacas, cultivavam a horta, recolhiam
os ovos das galinhas, tosavam as ovelhas, lavavam os cavalos e lidavam com um
bode travesso chamado Fred, que corria atrás de qualquer animal do sexo
feminino, até o meio do brejo. Ensopado de suor, cheirando a feno e esterco,
Hort parecia alegre por ser útil a um homem tão viril, e eles pareciam quase pai
e filho, com os cabelos negros oleosos, o peito estufado e o andar malemolente.
Enquanto isso, Guinevere tinha a casa para cuidar, com uma quantidade
infinita de roupa suja, costura, comida e limpeza, tudo por conta dos hóspedes
extras, coisas que ela fazia avidamente, recusando qualquer tipo de ajuda, como
se precisasse trabalhar para distrair a cabeça.
O que deixava Agatha e Sophie sozinhas.
Pela primeira vez, desde que elas perderam o Felizes Para Sempre, as duas
meninas não tinham um menino entre elas. Presas ali sem nada para fazer, era
como se estivessem de novo sob a proteção de Gavaldon, com um mundo de
príncipes e contos de fadas muito, muito distante.
Enquanto Hort dormia no sofá da sala, as duas meninas tinham que dividir
uma cama no pequeno quarto de hóspedes. Toda manhã, elas comiam ovos com
bacon, junto com Hort, Lancelot e Guinevere, e faziam o melhor que podiam
para arrumar as coisas antes que a mãe de Tedros as enxotassem, e então
passavam o resto da manhã caminhando pelo campo ou cavalgando juntas.

 Toda manhã, elas comiam ovos combacon, junto com Hort, Lancelot e Guinevere, e faziam o melhor que podiampara arrumar as coisas antes que a mãe de Tedros as enxotassem, e entãopassavam o resto da manhã caminhando pelo campo ou cavalgando juntas

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Na primeira semana, elas pareciam ter se esquecido de como serem amigas.
À noite, cada menina virava para o seu lado da cama e murmurava algo
desanimado. Durante as caminhadas ou cavalgadas, a conversa formal girava
em torno do que poderia ter para o almoço ou da abundância de animais rurais e
o clima (que, por conta da localização mágica, era invariavelmente o mesmo).
Agatha notou que Sophie estava nervosa e preocupada, constantemente espiando
a aliança e o nome de Tedros tatuado sob ela. Sempre que Lancelot cruzava o
caminho delas, Sophie fingia mexer numa unha, ou ajustar um sapato, evitando
olhar diretamente para ele. Às vezes, Agatha percebia seu sono agitado,
murmurando frases desconexas: "Não dê ouvidos a ele...", "ouro de cisne
negro...", "os corações não mentem", antes que Sophie acordasse trêmula, com
o rosto vermelho, e se trancasse no banheiro.
Agatha, por sua vez, ainda não conseguia ficar à vontade perto da velha
amiga. Quando estava viajando com Merlin, ela se convencera de que deixar
Sophie terminar com Tedros seria um ato do Bem. Primeiro, porque Sophie
destruiria a aliança e mataria o Diretor da Escola; e, segundo, porque se ela não
pudesse ser a rainha que Tedros precisava, será que Sophie não deveria ter sua
chance?
Mas as palavras de Hort tinham abalado suas convicções. Para começar,
enquanto Sophie aspirava governar um dos reinos do Bem, ali estava ela,
mantendo o Bem refém de sua aliança. Mesmo que concordar com suas
condições viesse a salvar o futuro do Bem... isso ainda parecia do Mal.
Mais importante, será que Sophie realmente faria Tedros feliz? Tedros podia
parecer forte e valentão, mas, no fundo, ele era delicado, solitário e meigo.
Como Sophie poderia conhecer cada parte dele? Quanto mais Agatha tentava
imaginar o Felizes Para Sempre dos dois, mais ela tinha uma sensação
desanimadora, como se estivesse revivendo uma velha história. Como se agora
ela fosse Lancelot, entregando Tedros a Sophie, como o cavaleiro um dia
entregara Guinevere a Arthur. No fim das contas, qual foi o Bem que resultou
daquilo?
À medida que os dias passavam e Tedros não regressava, cada menina
parecia mergulhar ainda mais em seus pensamentos particulares, falando cada
vez menos uma com a outra.
Então, chegou Nellie Mae.
Durante os seis últimos dias, Agatha vinha montando num cavalo chamado
Benedict, a quem ela escolhera por suas patas finas, pelo preto enrugado e uma
tosse persistente.
"Minha nossa, Aggie, você não lê livros de história?", Sophie alfinetou, depois
que Guinevere abriu o estábulo no primeiro dia. "Cavalos pretos não são
adestráveis, são indomáveis e malvados. Além disso, esse aí parece estar com
um pé na cova. O que a possuiu para escolhê-lo?"
"Ele me lembrou eu mesma", Agatha respondeu, esfregando o pescoço do
cavalo e encontrando um punhado de pulgas.
Sophie, por outro lado, escolhera uma elegante égua árabe de pelo castanho,
chamada Nellie Mae, com uma cauda branca arrebatadora.
"Ela tem muita personalidade no olhar", Sophie admirou. "Pelo que sabemos,
pertenceu a Scherezade."
"Shere quem?"
"Ai, Aggie, não lhe ensinaram nenhuma história de princesa naquela escola
do Bem?", Sophie ralhou, montando em sua égua. "Nem toda princesa de contos
de fadas é branca, com um nariz pequenino, chamada Lindinha, ou..."
Agatha não ouviu o restante, porque Nellie Mae disparou dos estábulos como
um demônio saindo do inferno. Pelo resto da semana, Sophie tentou, em vão,
controlar sua égua, que dava coices, relinchava e cuspia, obedecendo Sophie
somente quando ela a estrangulava com as rédeas... enquanto Agatha
calmamente montava Benedict, como se descesse navegando por um rio.
Ainda assim, dia após dia, Sophie se recusava a trocar Nellie Mae, como se
admitir que seu gosto ruim para cavalos de alguma forma invalidasse todas as
suas outras escolhas na vida. Mas, essa manhã, depois que Nellie Mae pisara em
seu pé, soltara um pum em seu rosto e passara um bom tempo caminhando em
círculos, Sophie finalmente virou-se para Agatha.
"Ela é tão difícil quanto eu, não é?"
"Você é pior", Agatha fungou.
"O que é esse negócio que eu tenho com animais de temperamento ruim?",
Sophie choramingava, enquanto Nellie Mae balançava de um lado para o outro,
tentando arremessá-la. "Será que é porque eu não cursei Comunicação Animal?"
"O problema é que você fica lutando com ela, em vez de confiar nela", disse
Agatha. "Às vezes, tem mais na história além de você, Sophie. Você não pode
escolher tudo à primeira vista, só porque parece bom, e depois forçar a ficar
com você, como se fosse uma bolsa, ou um vestido. Relacionamentos são mais
complicados que isso. Você não pode controlar a história dos dois lados."
"Você não tentaria controlar sua história, se alguém lhe dissesse que seu
coração é do Mal, quando você sabe que não é? Você não tentaria provar que os
outros estavam errados?", relutou Sophie, segurando as rédeas com força. "Eu
tenho um bom coração, assim como você, e confio no que ele escolhe pra mim.
Preciso confiar. Porque se eu não confiar, o que me resta?"
Agatha olhou em seus olhos. Nenhuma das duas estava mais falando de
cavalos. Sophie afagou a cabeça de Nellie Mae.
"Eu estou pronta para um relacionamento, Aggie. Você vai ver", ela
sussurrou no ouvido da égua. "Certo, Nellie Mae? Somos uma equipe do Bem,
você e eu. Eu confio em você e você confia em m..."
Nellie Mae se empinou com tanta força que Sophie virou ao contrário, caindo
de cara no lombo do cavalo, antes que Nellie Mae arrancasse pelo campo afora.
"Aggieeeee!", Sophie gritou.
Por um momento, Agatha se deleitou com a visão de Sophie sendo arrastada,
com o nariz no traseiro do cavalo, e seu traseiro na cabeça do cavalo, antes que
Agatha percebesse que se ela não parasse as duas, Nellie Mae jamais iria parar.
Com um chute firme na lateral de Benedict, Agatha seguiu correndo atrás do
cavalo de Sophie, enquanto Hort e Lancelot se matavam de rir no campo,
completamente entretidos.
O problema, claro, era que por ser tão delicado, Benedict vivia a vida num
ritmo glacial e não via motivo para andar mais depressa, principalmente pelo
desprezo que nutria tanto por Sophie quanto por Nellie Mae. Mas agora Agatha
avistava um pântano profundo adiante do cavalo de Sophie, obstruído por uma
árvore caída, do tamanho de uma rocha.
Nellie Mae acelerou em direção à árvore, talvez vendo a chance de se livrar
de sua cavaleira de uma vez por todas.
"Sophie, cuidado!", Agatha gritou.
Sophie olhou para cima, ofegante...
Nellie Mae saltou por cima da árvore, arremessando Sophie para dentro da
lama, onde ela caiu de cabeça, antes que a égua graciosamente aterrissasse do
outro lado e saísse galopando rumo ao pôr do sol. Sophie ouviu o cavalo de
Agatha se aproximar trotando.
"Agora você retira a parte de me achar mais difícil?", gemeu Sophie,
encharcada de lama.
Agatha olhou para baixo do alto de seu cavalo, e estendeu a mão.
"Não."
"Tudo bem, é justo", Sophie suspirou, erguendo-se e subindo em Benedict,
atrás de Agatha.
Enquanto as duas voltavam cavalgando para a casa, Sophie segurando-se
nela, Agatha sentiu a cabeça da amiga pousar em seu ombro.
"Ainda me salvando depois de todos esses anos, Aggie", sussurrou Sophie,
aconchegando-se.
"Você já ouviu uma história chamada O Escorpião e o Sapo?", perguntou
Agatha.
"Obviamente. Você conhece? Realmente, por mais que eu goste de Clarissa
Dovey, o currículo dela parece tristemente limitado", Sophie limpou a garganta.
"Era uma vez, um escorpião desesperado para atravessar um córrego, quando
ele avista um sapo, do outro lado, e lhe pede uma carona. O sapo não quer
ajudar, claro, porque ele diz que o escorpião certamente irá picá-lo e matá-lo. O
escorpião responde dizendo que matar o sapo seria tolice, pois ele não sabe nadar
e se o sapo morrer, ele morrerá também. Convencido por essa lógica, o sapo
oferece uma carona ao escorpião... mas quando eles começam a atravessar o
rio, o escorpião instantaneamente pica o sapo. 'Seu tolo!', o sapo diz num
grasnido, ao afundar. 'Agora nós dois vamos morrer!' Mas o escorpião só sacode
os ombros e faz uma pequena dança nas costas do sapo que está se afogando. 'Eu
não pude evitar', diz o escorpião..."
"É a minha natureza", Agatha concluiu.
"Você conhece mesmo!", Sophie sorriu, surpresa.
"Melhor do que você pode imaginar", Agatha disse, num tom acentuado.
Sophie não disse mais nenhuma palavra durante o resto do trajeto.
No dia seguinte, as meninas tinham voltado à velha amizade, com Agatha
resmungando sobre os monólogos de Sophie, Sophie provocando Agatha por ser
desajeitada, e as duas brigando e rindo como duas adolescentes apaixonadas. Os
dias foram passando, a segunda semana chegou, e ainda não havia o menor sinal
do príncipe, exceto pelos cestos de comida que haviam sumido a cada manhã. E,
no entanto, sua ausência tornava Sophie e Agatha cada vez mais próximas, hora
tomando ponche de cereja diante de uma fogueira, passeando pelos campos, ou
aconchegando-se uma à outra depois que todos da casa estavam dormindo.
"Por que você acha que Lancelot e Guinevere têm um quarto de hóspedes?",
perguntou Agatha, certa noite, enquanto elas compartilhavam um cesto de
piquenique num jardim selvagem, a uma milha da casa. "Até parece que eles
podem ter hóspedes. Exceto Merlin, eu imagino, mas ele prefere dormir numa
árvore."
Sophie ficou olhando Agatha, surpresa.
"Cada coisa que você descobre quando está acampando com alguém", disse
Agatha, dando um sorrisinho malicioso, beliscando um pedaço do bolo de
amêndoas de Guinevere. "Você acha que ela e Lancelot queriam ter um filho
juntos?"
"Isso explicaria a escolha pueril do papel de parede", observou Sophie, dando
um gole em seu suco caseiro de pepino.
"Mas o que os impede? Faz mais de seis anos que Merlin os escondeu aqui."
"Talvez Guinevere tenha percebido que não queria um filho com um homem
cuja personalidade é tão odiosa quanto sua higiene", palpitou Sophie.
Quando terminaram, elas adentraram ainda mais o jardim florido,
divertindo-se no ar enevoado e na sensação de segurança, como se estivessem
numa versão maior e melhor da Floresta Azul.
"Eu venho pensando em lhe dizer algo", disse Agatha, cheirando uma
madressilva. "Quando nós voltamos à Floresta, Tedros e eu encontramos um
portal através do túmulo de sua mãe, em Graves Hill. Mas não havia nenhum
corpo lá dentro. E quando nós saímos do outro lado..."
"Minha mãe tinha uma sepultura de vilã no Cume Necro."
Agatha ficou olhando Sophie, surpresa.
"Cada coisa que você descobre quando está acampando com alguém",
Sophie sorriu. "O Tedros me disse tudo que aconteceu antes que vocês dois me
salvassem. Mas isso também não faz sentido para mim, Aggie. Só pode ser um
engano do Guardião da Cripta. Eu sei que a sua mãe não lhe disse que tinha
frequentado a escola, mas minha mãe teria me contado. Ela nunca frequentou a
Escola do Bem e do Mal. Ela nunca foi à Floresta. Eu tenho certeza disso. Então,
o Storian não poderia ter escrito seu conto de fadas. Porque minha mãe morreu
na minha frente...", Sophie parou, com a voz falhando. "Assim como a sua, que
morreu bem na sua frente."
A garganta de Agatha secou.
"Lamento muito, Aggie", disse Sophie, com a voz rouca.
Agatha sentiu antigas emoções aflorando, enquanto Sophie a envolvia num
abraço apertado. Pela primeira vez desde que tinha deixado Gavaldon, Agatha
chorou por sua mãe.
"Callis te amava muito", sussurrou Sophie, acariciando as costas da amiga.
"Mesmo me odiando."
"Ela não odiava você. Ela só imaginava que nós não seríamos amigas depois
que chegássemos às nossas escolas", disse Agatha, limpando os olhos.
"Ela também imaginou que você ficaria na Escola do Mal e eu, na Escola do
Bem", disse Sophie.
"Isso teria resolvido tudo, não?", disse Agatha.
As duas meninas riram.
"Todos nos acham tão diferentes, Aggie", disse Sophie. "Mas nós duas
sabemos o que é perder alguém que nos entende de verdade."
"E encontrar alguém também", Agatha pousou a cabeça no ombro de
Sophie.
Agora foi a vez de Sophie chorar.
"É melhor a gente voltar", Agatha suspirou. "Acho que Guinevere e Lancelot
já têm dor de cabeça o suficiente sem que a gente também suma."
Enquanto elas caminhavam de volta pra casa, Agatha pegou o braço de
Sophie.
"Falando nisso, o que você acha daqueles dois? Para dois amantes que
mudaram o curso de um reino, eles são um tanto... caseiros."
"Dizer que eles são caseiros é florear, e muito, a situação", disse Sophie,
fazendo uma careta. "Imagine só as coisas que Guinevere poderia estar fazendo
neste exato momento se tivesse ficado com o Arthur: planejando o Baile da
Páscoa, ou dando as boas-vindas a reis vizinhos em jantares formais, ou
administrando a corte real. Mas aqui está ela, dobrando camisas de homem e
fazendo isso com prazer. Arthur teria ficado muito melhor com alguém como a
minha mãe, que sabia que era destinada a uma vida mais grandiosa."
"Eu só vi sua mãe uma ou duas vezes na cidade, quando era bem pequena",
disse Agatha. "Mas eu me lembro que ela era linda, como uma ninfa de cabelos
louros."
"Já faz sete anos, por isso eu já nem consigo mais lembrar do rosto dela",
disse Sophie. "Quanto mais eu tento me lembrar, mais o semblante vai se
modificando, como se eu estivesse tentando recapitular um sonho. Mas ela não
saía muito de casa. Também não tinha nenhuma amiga, exceto Honora, até que...
bem, você sabe. Por isso que eu sei que ela nunca frequentou a escola, nem
entrou na Floresta. Porque ela nunca teria voltado para Gavaldon. Ela detestava
aquele lugar."
"Tal mãe, tal filha", disse Agatha.
"A diferença entre nós é que eu saí", disse Sophie, com o tom mais duro. "Eu
terei a vida grandiosa que ela sempre quis. Terei meu Felizes Para Sempre
grande o bastante para nós duas."
Agatha sorriu tensa e elas ficaram em silêncio. Enquanto as duas meninas se
aproximavam da sede do sítio, avistaram as luzes de Gavaldon ao longe, o escudo
protetor que a envolvia já perfurado com buracos de tamanhos variados, nenhum
deles maior que um melão. Através dos buracos, elas podiam ver nitidamente as
torres verdes das casinhas, o relógio da torre torta e grupos de crianças na praça,
todas com o nariz mergulhado em livros de histórias. Elas viam até algumas das
vitrines das lojas, incluindo a da Livraria de Contos de Fadas do Sr. Deauville,
agora reaberta e apinhada de crianças."
"Eles estão lendo os livros reescritos", Agatha percebeu, lembrando-se do
alerta de Merlin. "Toda vez que o Mal vence, um conto de fadas é reescrito. Por
isso que Gavaldon está se abrindo para o Diretor da Escola e seu Exército
Sinistro. Os Leitores estão acreditando no poder do Mal."
"Ahn... quanto tempo o Merlin disse que teríamos, antes que a Floresta
escurecesse?", Sophie engoliu em seco.
"Agora, não mais que uma semana", alertou Agatha, olhando a aliança no
dedo de Sophie. O FIM estava bem ali... no entanto, tão longe. "Eu estava
querendo lhe perguntar. Outro dia, vi você e Lancelot conversando na sala de
jantar. O que ele lhe disse?"
A amiga parou de andar, mas não disse nada.
"Sophie?"
"Está chegando a hora, não é?", ela disse baixinho, com os olhos ainda em
Gavaldon.
"De quê?"
"Cada um de nós acha que sabe quem é do Bem e quem é do Mal", Sophie se
virou para amiga. "Você, eu, Tedros, Rafal... até o Lancelot. Mas não podemos
estar todos certos, Aggie. Alguém tem que estar errado."
"Eu não entend...", Agatha sacudiu a cabeça.
"E se nós pudéssemos voltar ao começo? Quando éramos só você e eu",
Sophie estava com as bochechas vermelhas, o desespero inundava sua voz. "Foi
nosso primeiro Felizes Para Sempre, Aggie. Não pode ser o último?"
Agatha ficou olhando a amiga esperançosa, iluminada pelas estrelas,
emoldurada pela visão do antigo lar das duas. Agatha delicadamente pegou a
mão de Sophie e olhou em seus olhos.
"Mas não foi, foi? Nosso Felizes Para Sempre não durou."
Sophie a soltou, com a tristeza enfraquecendo seu sorriso.
"Você ainda acha que eu sou aquela mesma garota. Você acha que sou eu
que estou destinada a ficar sozinha."
"Não... não foi isso que eu quis dizer...", Agatha se opôs.
"Diga, Aggie", pediu Sophie, com os lábios tremendo. "Diga-me que você e
Tedros merecem o Felizes Para Sempre. Mais que Tedros e eu. Mais que eu e
você."
Agatha começou a suar.
"Diga-me que você quer ser a rainha de Camelot. Que só você pode fazer o
Tedros feliz para sempre", Sophie continuou, com os olhos se enchendo de
lágrimas. "Diga-me e eu destruirei a aliança essa noite. Eu prometo."
Agatha ficou vermelha de perplexidade. Ela sondou o rosto de Sophie e viu
que ela estava dizendo a verdade. Aí estava O FIM. Essa era a saída do conto de
fadas. Ela só precisava dizer aquelas palavras.
"Diga que você é uma rainha de conto de fadas, Agatha", Sophie incitou.
Agatha abriu a boca... E, no entanto, as palavras não lhe vieram... somente a
imagem dela, numa pintura de Peixes do Desejo, usando a coroa de Tedros.
"Diga, Aggie", Sophie pressionava.
Agatha se imaginou como aquela líder clássica da realeza... digna de estar ao
lado do filho do Rei Arthur.
"Diga para valer", Sophie mandou.
"Eu... eu... eu...", Agatha se esforçava para respirar, mas os ofegos se
esvaiam no ar.
"Mas você não consegue dizer, não é?", Sophie sussurrou, tocando o rosto de
Agatha. "Porque você nunca vai acreditar nisso realmente."
Agatha sentiu as lágrimas quentes a cegá-la, a voz trancada por dentro... Mas
agora havia mais alguém vindo em sua direção, atravessando o campo. Um
garoto louro, de ombros largos, segurando uma única rosa cor-de-rosa. Recémbanhado
e barbeado, Tedros se aproximou de Agatha, usando uma camisa
branca e soltinha, para fora das calças pretas, com a Excalibur presa em seu
cinto.
Só que ele não estava olhando para Agatha. Seus olhos estavam fixos em
Sophie quando ele parou na frente delas, com um sorriso sensual nos lábios.
"Podemos dar uma volta, Sophie? Você e eu?"
Sophie sorriu e deu uma olhada melancólica para Agatha, como se pedisse
sua permissão... mas ela já deixara que Tedros pegasse sua mão. Enquanto ele
conduzia Sophie, afastando-se da casa, Agatha esperou que seu príncipe olhasse
de volta para ela.
Mas ele não olhou.
Ali, em pé, sozinha no campo, Agatha ficou vendo as duas sombras
aninhando-se uma à outra, antes que Tedros colocasse a rosa na mão de Sophie.
Olhando seu príncipe, Sophie segurou a rosa junto ao peito e sussurrou algo para
ele. O futuro rei sorriu e a conduziu adiante, as silhuetas se fundindo ao luar, com
se uma porta do Felizes Para Sempre tivesse sido aberta...
Então, eles sumiram, assim como o último raio de luz no coração de Agatha.
"Aqui estava eu, esperando que você fosse chegar pendurado num cipó, todo
sujo de terra, batendo no peito como o Tedros da Selva", Sophie caçoou,
enquanto eles seguiam de mãos dadas pela escuridão. "Na verdade, eu estou
ligeiramente decepcionada."
"Passei na casa para tomar banho", disse o príncipe, laconicamente.
"Você ficou sumido por mais de uma semana. O que andou fazendo durante
todo esse tempo?"
"Pensando."
Sophie esperou que ele explicasse, mas eles continuaram caminhando mais
de uma hora antes que ele dissesse mais alguma palavra. O cabelo dele
recendendo a limpo roçava no pescoço dela fazendo cócegas, e o príncipe a
conduzia com tanta firmeza que Sophie sentiu uma onda de calor percorrer sua
coluna. Com a outra mão, ela segurava a rosa, assegurando-se de mantê-la bem
perto de si. Houve uma vez, no Baile de Boas-Vindas, que Tedros atirou uma rosa
no ar para ver quem seria seu verdadeiro amor e ela não tinha conseguido pegar.
Mas agora Sophie tinha a rosa.
Um rugido abafado ecoou adiante e ela viu a lua refletida num rio ladeado
por rochas escuras. As águas desciam calmamente, antes de seguir a uma
cachoeira cavernosa, profunda demais para que se visse o fundo. Além da
cachoeira, não havia nada além do brilho branco da lua.
"Só você mesmo para encontrar os confins da terra", disse Sophie.
"Aqui dentro", disse Tedros, puxando-a em direção a uma abertura na rocha
do rio.
Sophie se espremeu para passar pelo buraco, tentando se segurar sem
despedaçar a rosa do príncipe. Quando ela entrou, Tedros segurou-a pela cintura,
ajudando-a a ficar de pé. Por um momento, ela não conseguia enxergar nada.
Então, ouviu o barulho de um fósforo sendo riscado e viu Tedros acender uma
vela alta que devia ter pegado na casa.
Sophie ficou sem ar. Eles estavam numa caverna resplandecente de safira, as
paredes eram inteiramente feitas da pedra azul esverdeada. Fileiras de safiras
perfeitas distorciam seu rosto, como uma parede de espelhos. Num canto havia
um cobertor e um travesseiro, e farelos de comida salpicavam o chão, com
alguns cestos jogados. Ali claramente havia sido o acampamento de Tedros
durante a semana passada.
Ele abriu o cobertor e ajudou Sophie a se sentar, antes de se aninhar ao seu
lado, com a perna encostando na dela, e colocou a vela na frente dos dois.
"Notei que você e Agatha têm passado bastante tempo juntas", ele falou.
Sophie deu uma olhada para a sobrancelha arqueada dele, e não era boba de
perguntar há quanto tempo ele vinha espionando as duas de longe. —
"Bem, você teve seu tempo com Agatha, e teve seu tempo comigo. Não é
justo que ela e eu tenhamos a nossa vez? Principalmente, se for a última vez,
antes que as coisas... mudem", ela lançou um olhar tímido.
"É claro", Tedros concordou, mexendo na cera da vela.
"Nós estávamos preocupados com você, Teddy. Por aí, sozinho. Deve ter sido
terrível ser jogado naquela casa, com..."
"Não quero falar de uma velha história, Sophie. É com a nova história que
me importo", ele se virou para ela, com um olhar penetrante. "Quando
estávamos na trilha, você disse que havia dois tipos de rainha. Aquela que quer
ser uma rainha e a que não quer. Eu perguntei o que você faria como minha
futura rainha..."
"Antes de sermos rudemente interrompidos por piratas zumbis", pontuou
Sophie, mas Tedros não sorriu.
"Fiz a pergunta errada. Deveria ter perguntado por que você quer ser minha
rainha."
Os ombros de Sophie relaxaram. Finalmente, eles terminariam o que
começaram na Floresta. Sem nervoso, sem reveses, dessa vez... Agora estava
tudo nas mãos dela. Tudo que Tedros queria era a verdade. Ela ergueu os olhos
para as safiras entalhadas acima da cabeça deles, refletindo os dois como mil
coroas. Então, Sophie respirou fundo e começou a falar.
"Eu costumava sonhar com príncipes. Com bailes magníficos, cheios de
centenas de belos meninos e só eu de menina. Eu passaria pela fila,
inspecionando-os, tentando escolher qual deles seria o meu Feliz Para Sempre. A
cada noite, eu chegava mais perto, mas sempre acordava antes de encontrá-lo.
Como eu detestava o momento em que os meus olhos se abriam... Estar num
mundo de magia e romance e Bondade, e ser roubada de volta para uma vida
sem sentido; parecia tão... errado. Não era meu lugar, uma rua cheia de
casinhas, com quinze outras casas exatamente iguais à minha. Eu não podia me
casar com um gerente de loja qualquer ou um sapateiro e me arrastar até a
confeitaria, dia após dia, só pra alimentar nossos filhos. Eu queria uma felicidade
verdadeira, onde O FIM não significa ficar velha e inútil, e ser espremida num
cemitério junto de todo mundo. Agatha acha que tudo isso seria o paraíso, é
claro, mas ela quer se esconder numa vida comum. Eu sou especial. Eu sou
diferente. Estou destinada a ter meu nome lembrado mais que a Branca de Neve
e a Bela Adormecida, que não passavam de garotas bonitas e passivas, que
esperaram feito bonecas pela chegada de seus príncipes. Eu estou destinada a
viver no coração das pessoas para sempre, por mais velha que minha história se
torne. Porque, ao contrário de todas essas garotas do Bem, eu fui atrás do meu
final feliz. Eu que o fiz acontecer, independentemente de quantas pessoas
tentaram tirá-lo de mim. Por isso que eu quero ser uma rainha, Tedros. Porque
não importa o que ninguém diga, eu sempre soube que era uma rainha. Em
busca do meu rei."
As lágrimas brotaram nos olhos de Tedros.
"Eu lhe disse", Sophie sorriu. "Eu lhe disse que éramos destinados a ficarmos
juntos, desde o primeiro dia."
O príncipe a enlaçou pela cintura.
"Obrigado por me dizer a verdade, Sophie."
"E a verdade foi... suficiente?", ela perguntou, ruborizada.
Tedros assentiu, deslizando os dedos acima, pelas costas delas.
"Você só deixou uma coisa de fora..."
"O que foi?", ela sussurrou, aproximando-se, inalando seu cheiro doce.
Tedros segurou seu pescoço e lentamente pressionou os lábios aos dela,
macios como uma nuvem. Com um ofego, Sophie mergulhou no beijo, com o
coração disparado no peito, junto ao dele.
Finalmente.
Finalmente!
Ela saboreava cada pedacinho daquela boca perfeita, esperando pela onda
que surgiria entre eles, para selar o final dos dois... a centelha tão elétrica e forte
quanto o amor pudesse suportar... Mas Sophie só sentiu um gosto oco e morto,
como se beijasse uma pedra.
Abalada, ela abraçou Tedros com mais força e o beijou mais profundamente,
mas não sentia nada do lado dele, nada do lado dela, absolutamente nada,
enquanto os lábios dos dois ficavam cada vez mais sem vida, repelindo um ao
outro, até que ela finalmente recuou. Tedros olhava para ela, com um olhar
gélido.
"Você deixou de fora a parte de querer ser a minha rainha porque me ama."
O coração de Sophie se transformou num buraco negro.
"Eu não sou seu verdadeiro amor, Sophie. Nunca fui", disse o príncipe.
"Nosso lugar não é ao lado um do outro."
"Mas... mas... a aliança...", Sophie tentava respirar. Ela olhou rapidamente
para baixo, para sua mão, e viu que a marca com o nome de Tedros estava
desaparecendo sob o ouro, como se nunca tivesse estado ali.
Um tilintar ruidoso assustou-a e ela se virou, encontrando a Excalibur no
chão, ao seu lado. Sophie ergueu os olhos para Tedros, saindo da caverna.
"Quando eu voltar, quero a aliança destruída", ele ordenou.
Então seguiu noite adentro e sumiu de vista.
Sophie olhou para a aliança cintilando sob a vela. O ódio percorreu seu
sangue... um ódio tão forte e primitivo que fazia seu corpo inteiro tremer. Ela
arrancou a aliança do dedo e atirou na parede de safiras, antes que ela caísse no
chão de terra à sua frente.
Lancelot estava certo. A aliança mentira para ela. Ela tinha gravado o nome
de um príncipe a quem ela jamais pertenceu. Propositalmente, conduzira-a ao
caminho errado. Fizera dela uma tola. Assim como o menino que lhe presenteara
com ela.
Cerrando os dentes, Sophie agarrou a Excalibur com as duas mãos,
imaginando o sorriso de Rafal. O Mestre do Mal aprenderia sua lição por traí-la.
Ela ergueu a espada do Bem acima da aliança e desceu o golpe, dando um grito.
A lâmina parou a um milímetro de distância.
Mas, será que ele realmente a traíra?
Por que a aliança do Mal a levaria ao príncipe do Bem? E por que Rafal a
deixaria ir embora com aquele príncipe, sem vir atrás dela?
Ela pensou no Capitão Gancho, que tinha ordens de não levá-la de volta ao
jovem Diretor da Escola. Pensou no belo menino de cabelos alvos na janela,
observando-a partir. Pensou em seus olhos azuis oniscientes, no seu rosto sereno,
suas últimas palavras flutuando, enquanto ela ia caindo...
Você voltará pra mim.
Arregalando os olhos, Sophie lentamente baixou a espada. Rafal não a traíra.
Ele a deixara livre, da mesma forma que Agatha a deixara livre com
Tedros... para que todos eles pudessem encontrar a verdade por conta própria.
Uma verdade da qual Sophie vinha fugindo há muito tempo.
A aliança de ouro estava quente quando ela a pegou no chão e a enfiou no
dedo. Por um instante, ela reluziu em vermelho, como se selasse um novo laço
entre eles, e ela viu seu reflexo na superfície.
Nada de destruir a aliança essa noite. Nem nunca.
Pois o motivo pelo qual ela achava que tinha faltado algo no beijo de Tedros
era por já ter sentido a centelha uma vez, com outra pessoa. Alguém que a
amava pelo que ela realmente era. Alguém por quem ela se sentira amedrontada
demais para amar de volta. Porque se ela o fizesse, isso significava que ela e
Agatha, ambas seriam rainhas — cada uma temendo aceitar seu destino.
No entanto, ao contrário da melhor amiga, agora Sophie estava pronta.
Sozinha à luz da vela, ela fechou os olhos e fez um pedido... Pediu um príncipe...
um castelo... uma coroa... Dessa vez, do Mal, ao invés do Bem.
Um vento frio irrompeu na caverna e apagou a vela.
Agatha estava deitada na escuridão profunda, rezando para dormir. Isso só
durou alguns minutos, antes que ela sentasse e acendesse a vela em sua mesinha
de cabeceira. Seus olhos captaram um espelhinho na parede e ela viu o rosto
cansado, as olheiras, os ombros caídos. Fazia muito tempo que ela havia sido uma
princesa.
Ela estava prestes a se encolher embaixo das cobertas e tentar dormir com a
vela acesa, quando ouviu uma música baixinha e risos vindo da parte de trás da
casa. Ela ajoelhou-se na cama e olhou pela janela, e viu Guinevere dançando no
jardim, enquanto Lancelot tocava flautim, dançando ao lado dela. Lancelot
pegou seu braço, enquanto eles giravam e riam, os dois celebrando o fim de cada
canção com um beijo.
Agatha ficou olhando, fascinada. Todo esse tempo, ela tinha imaginado os
dois como exilados aflitos, banidos ao purgatório e certamente mortos de tédio
um do outro depois de seis longos anos. Em vez disso, eles estavam dançando e se
beijando à meia-noite, sem qualquer motivo, como dois adolescentes inebriados
de ponche. Não importava onde eles estavam, quem estava ao redor, o que eles
tinham e o que não tinham.
Eles ainda tinham um ao outro. Eles tinham amor.
Agatha ficou vermelha de vergonha. Ali estava ela, entregando seu príncipe
porque era medrosa demais para lutar por si mesma. E não apenas isso, ela
estava fingindo fazer isso para proteger os velhos heróis do Bem. O que esses
velhos heróis achariam dela agora? Uma princesa de verdade não se escondia de
seu destino atrás do escudo do Bem. O destino de uma princesa de verdade não
era só dela — mas também de seu príncipe. Ao abrir mão de Tedros, ela estava
arruinando a vida de ambos. Gavaldon ou a Floresta, realeza ou plebe, Bem, Mal,
Meninos, Meninas, Jovens, Velhos... nada disso importava, contanto que eles
estivessem juntos.
Ela não tinha de ser uma rainha. Ela tinha de ser a rainha dele. E, isso, ela
sabia como fazer. Sem pensar, Agatha saiu do quarto cambaleando e seguiu pelo
corredor. Ela escancarou a porta da frente e disparou pelos degraus da varanda,
rumo ao campo orvalhado. Estreitou os olhos para a noite escura, com o coração
despedaçando...
Porque era tarde demais. Tedros e Sophie já teriam partido há muito tempo.
Abatida, ela baixou a cabeça e lentamente começou a voltar para a porta... Até
que ouviu um som baixinho de passos à distância. Agatha ergueu os olhos e viu
uma silhueta volumosa atravessando o campo, em direção à casa. Ela se inclinou
para a frente, com os olhos fixos adiante, enquanto eles se ajustavam à
escuridão.
"Hort?", ela chamou.
Mas, agora, ela reconhecia o peso do andar... os braços longos e musculosos...
o cinto grosso na cintura, sem a espada. O olhar de Tedros se fixou nela enquanto
ele caminhava até a casa. Antes que se desse conta, Agatha estava correndo na
direção dele e Tedros corria na direção dela. Cambaleando no escuro, Agatha
ouvia a própria respiração ofegante, enquanto a sombra dele ia se aproximando
dela, cada vez mais rápido, mais rápido, até que eles colidiram como estrelas e
Agatha caiu. Tedros a levantou em seus braços e ela riu, e então ele a beijou, um
beijo demorado e ardente, como jamais a havia beijado antes.
"Você acha que eu não te conheço, Agatha", sussurrou ele. "Acha que eu não
vejo quem você é."
"Não basta que você veja, Tedros. Eu também tenho que ver."
"E, agora, o meu reino inteiro também verá. A maior rainha do mundo."
Agatha ficou olhando nos olhos dele, tão claros, tão convencidos.
"Mas eu sou somente eu... sou apenas uma garota... e você... você é..."
"Você acha que eu sei como ser um rei?", Tedros disparou.
"O quê? Mas você sempre age tão..."
"Agir. Agir!" Ele sacudiu a cabeça, com a voz falhando. "Diga que você me
ama, Agatha. Diga que jamais abrirá mão de mim novamente. Diga que será
minha rainha para sempre..."
"Eu te amo, Tedros", Agatha declarou, em prantos. "Amo mais do que você
pode imaginar."
"Diga o resto também!"
"Eu..."
Mas não houve mais palavras, enquanto as lágrimas escorriam pelos rostos
dos dois e se misturavam aos lábios, com o açúcar e o sal do amor.
Lá longe, do outro lado do campo, Hort esperou um bom tempo depois que
Tedros saiu da caverna, antes de tomar uma atitude. Ele seguiu o príncipe quando
ele trouxera Sophie até ali, portanto foi inquietante vê-lo deixar a caverna sem
ela. Escondido atrás de uma árvore, Hort deu uma espiada pela entrada, com a
ponta do dedo acesa, até que as paredes de safira o cegaram com seu resplendor.
"Sophie?", ele chamou, protegendo os olhos. "Sophie, onde está você?"
Mas tudo o que Hort encontrou foi uma espada que não havia sido usada e um
punhado de penas negras, como se ela tivesse sido salva por um cisne.

A escola do bem e do mal 3 Infelizes para sempre - Soman ChainaniOnde histórias criam vida. Descubra agora