13 - Meninos Demais

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Geralmente, os professores da Escola do Bem e do Mal lecionavam várias
aulas, mas Lady Lesso designara apenas uma à Sophie, a qual a Reitora
preenchera com os alunos que melhor conheciam Agatha e Tedros. No entanto,
quando a aula seguinte começou, Sophie percorreu o Refúgio de João e Maria
sem qualquer progresso na descoberta do espião, ou sobre como os dois Sempre
pretendiam entrar. Não podia ser o Hort, embora ele tivesse ganhado o desafio,
pois ele sempre odiou Tedros e não tinha qualquer motivo para ajudá-lo. Mas,
então, quem seria? Quem arriscaria a própria vida para ajudar o Bem a matar
Rafal? Quem arriscaria a própria vida para ajudar o Bem a resgatá-la?
Ela passou pelas salas de aula, dando uma espiada nos professores pelas
frestas das portas, enquanto eles preparavam os alunos para emboscar Agatha e
Tedros. Na aula de Enfeiamento, o Professor Manley liderava os alunos num
Desafio de Camuflagem, que magicamente os fundia aos móveis da escola, de
modo a surpreender o inimigo; na aula de História, Rafal palestrou aos
estudantes, contando de que formas os intrusos já haviam tentado invadir a
Escola do Bem e do Mal; em Talentos Especiais, a Professora Sheeks foi a
anfitriã de um torneio em que os alunos mostravam seus talentos, uns contra os
outros; e lá fora, na Floresta Azul, Aric forçou os alunos a passarem por um
percurso de obstáculos, enquanto fadas espetavam todos que ficavam para trás.
Em pé, na sacada do terceiro andar, Sophie olhava admirada para Aric,
volumoso e encharcado de suor, com a camisa sem mangas, cuspindo ordens aos
seus alunos. Para um bandido cretino e assassino, ele tinha uma beleza doentia.
Seu rosto corou. Eu realmente acabei de pensar isso?

Aric subitamente ergueu os olhos para ela, como se estivesse dentro de suacabeça, e lhe deu um sorriso perigoso

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Aric subitamente ergueu os olhos para ela, como se estivesse dentro de sua
cabeça, e lhe deu um sorriso perigoso. Sophie sentiu alguém lhe tocar e deu um
grito.
"Fico contente em saber que ainda sou assustador", brincou Rafal, dando um
sorriso malicioso. Sophie olhou para seu belo rapaz, que estava com os cordões
da camisa desamarrados.
"Desculpe... eu só estava..."
Rafal olhou para baixo e viu Aric em sua linha de visão. O jovem Diretor da
Escola parou de sorrir.
"Como foi a aula?"
Olhando por cima do ombro dele, Sophie reparou em Hort, enquanto Beatrix
flertava com ele, num canto.
"Sophie?"
"Hã?", Rafal a surpreendeu olhando para Hort. Sophie instantaneamente
olhou de volta para Rafal. "Ah! Adorável! A aula foi simplesmente adorável!",
ela disse.
"Olha, eu tenho que entrar", o Diretor da Escola disse franzindo o cenho,
"mas eu a verei no almoço. Nós temos um local privativo na sacada..."
Mas agora Sophie estava encarando Reena e Ravan, que passavam, ambos
usando broches com cisnes brancos com os dizeres Tragam o Bem de Volta!, que
tinham o belo rosto de Tedros pintado. O príncipe estava pintado de forma tão
heroica, tão vistosa, que o coração de Sophie se acendeu...
Rafal se virou e os dois broches voltaram a ser cisnes negros com o rosto
jovem de Rafal e as palavras O Mal que Manda! Ele estreitou os olhos e virou
para Sophie.
"Você parece distraída", ele observou, com um tom gélido na voz.
"Eu? Não, não...", Sophie deu uma tossida forçada. "Só estou cansada. Você
sabe, ainda estou me recuperando, depois de ficar doente..."
Os olhos azuis de Rafal perfuravam os dela, como se sacudissem sua alma, e
Sophie sentiu um revolver no estômago. Ela lhe deu um beijo no rosto e um
apertãozinho no braço.
"Eu o verei no almoço, está bem?"
Rafal sondou seu rosto por um longo tempo... depois abrandou.
"Não se atrase. Esperarei por você", ele tocou-lhe os lábios com os dedos
frios.
Sophie o observou seguir rumo à sua sala de aulas, fazendo questão de
mostrar um sorriso radiante e acenar enquanto ele entrava... No instante em que
a porta dele se fechou, ela disparou como uma lebre, saindo como um raio do
Refúgio de João e Maria, precisando desesperadamente de um lugar para pensar.
Rafal estava certo. Ela estava mesmo distraída, sem conseguir prestar atenção ao
seu único e verdadeiro amor, cujo anel estava usando, o amor de verdade, pelo
qual ela havia lutado para encontrar, ao longo de toda sua história. E ela também
estava distraída por algo que a deixava distraída desde o dia em que nascera...
Meninos.
Meninos demais.
Sophie fechou a porta de vidro atrás de si e parou sob a luz fria do telhado da
antiga Torre da Honra. Recostando-se no vidro fosco, ela olhou para a Floresta
Sem Fim ao longe, além da baía verde viscosa, escondida por trás do céu
iluminado pela luz fraca, que fazia a manhã parecer o crepúsculo. Ela respirou
fundo e endireitou a postura, seguindo em direção à Coleção de Empalhados de
Merlin, local de tributo ao Rei Arthur, onde ela e Agatha sempre consideraram o
cantinho preferido para pensar...
Seus olhos se arregalaram. As cercas-vivas já não refletiam mais a história
do Rei Arthur — em lugar disso, mostravam a história do filho. Sophie foi
andando pelo jardim, observando as cenas de Tedros, de peito nu, encontrando
Agatha pela primeira vez; Tedros convidando Agatha para o Baile da Neve,
Tedros salvando Agatha da Floresta Sem Fim, toda arranhada pelos espinhos...
Por que a Escola do Mal celebraria uma história de amor do Bem? pensou ela,
observando Agatha nos braços de Tedros. As velhas pontadas de ciúmes
voltaram, e ela tentou contê-las, lembrando a si mesma de que Tedros não era
mais seu verdadeiro amor. Ele era o amor de Agatha. Como o Rafal é o meu.
E, no entanto, dez minutos depois, ela ainda estava perambulando por entre as
cercas-vivas, debruçada por cima de cada pedacinho do memorial de Tedros e
Agatha, sem conseguir se afastar, antes de chegar à última escultura do príncipe
e da princesa, abraçados no primeiro beijo que trocaram, embaixo do salgueiro.
Mas que estranho... pensou Sophie, aproximando-se. Ela tinha beijado
Agatha... Agatha tinha beijado Tedros... e, ainda assim, ela, Sophie, nunca tinha
beijado Tedros. E jamais beijaria. Porque agora ele era seu inimigo, ele era o
vilão... e, além disso, ela tinha seu próprio menino para beijar... um menino muito
mais bonito, inteligente e melhor que esse que Agatha beijava à sua frente...
então, por que ela estava na ponta dos pés, inalando o cheiro mentolado do beijo
dos dois, tocando a ponta dourada de seu dedo nos lábios colados de seus
amigos...
A ponta de seu dedo irrompeu numa urticária violenta, cheia de bolhas.
Sophie engasgou de surpresa.
A irritação em tom vermelho vivo foi subindo por sua mão, seu braço, seu
ombro, como um animal carnívoro, queimando tão profundamente que ela não
conseguia respirar...
Depois de alguns segundos, Sophie passou pelo antigo Salão da Coragem
parecendo um rinoceronte, trombando nos alunos que estavam saindo da quarta
aula, que ficaram grudados nas paredes, assim que a viram. Disparando escada
acima, ela escancarou as portas do escritório da Reitora, com o corpo inteiro
coberto de bolhas, as erupções subindo pelo pescoço, chegando ao seu rosto...
O Professor Manley e Lady Lesso olharam calmamente para ela, ambos os
professores com suas silhuetas diante da janela.
"Eu lhe disse que alguém se machucaria, Bilious", Lady Lesso comentou,
suspirando.
"Apenas se for imbecil o suficiente para tocar a história de amor de um
Sempre", Manley rugiu para Sophie. "Vá logo para a Sala de Embelezamento e
fique de molho num banho a vapor."
"Mas a Reitora Sader incinerou a Sala de Embelezamento!", Sophie
argumentou, ofegante de dor.
"Somente a das Meninas", disse Lady Lesso. "Use a dos Meninos."
Sophie correu até a escada enquanto a aliança de Rafal cortava seu dedo
inchado...
"Sophie?", Manley gritou e ela se virou. "Seu amor por Rafal inspirou todo o
Mal", ele continuou, abrandando a voz. "Incluindo os professores."
Sophie sorriu contida e saiu correndo.
Quando Sophie conseguiu chegar à Sala de Embelezamento dos Meninos,
quatro andares abaixo, a urticária já tinha tomado conta de sua pele e de seu
rosto inteiro, e suas pálpebras estavam tão inflamadas que ela mal conseguia
enxergar. Ainda bem que o spa dos meninos parecia deserto. Espiando por entre
as frestas dos olhos lacrimosos, ela vasculhou o recinto dourado de Midas, a sala
de bronzeamento, o ginásio com os martelos escandinavos, a piscina de água
salgada e os banhos turcos a vapor, que cheiravam a enxofre e suor. Seu olho
esquerdo subitamente inchou como um balão, fechando completamente, e ela
seguiu cambaleando rumo à banheira mais quente, antes de escorregar na borda
e cair de cabeça dentro da água pelando, com o vestido inflando como um
paraquedas...
Instantaneamente, as pústulas começaram a regredir. As bolhas da água
fluíam sobre seu rosto dormente e inchado, restaurando seu rosto pouco a pouco,
até que ela sentiu os jatos de água limpando suas bochechas e a aliança de Rafal
afrouxando em seu dedo. Respirando aliviada, Sophie virou para a superfície,
lançando os cabelos ao alto, como uma sereia saindo do mar, e abriu os olhos,
sorrindo.
Hort a encarava, por entre o vapor.
"Ora, se não é a Pequena Senhorita Mentirosa."
Sophie empalideceu e recuou como um siri, querendo escapar.
"Está com medo, né?", Hort provocou.
"Não, só não tenho o hábito de tomar banho a vapor com um menino
qualquer", estrilou Sophie, saindo da banheira.
"Menino qualquer?", Hort riu com deboche. "Eu era seu melhor amigo no ano
passado, lembra? O melhor amigo que te ajudou a sobreviver às aulas dos
meninos, que te ajudou a derrotar o Tedros, a quem você prometeu levar para a
Prova dos Contos, mas, em vez disso, acabou levando o Tedros..."
"O papo tá bom...", Sophie disparou, saindo apressada... Mas só aí ela
percebeu as manchas vermelhas em seus braços, que ainda estavam sarando.
"Em mais alguns minutos elas vão sumir", disse Hort, atrás dela. "Se você for
embora agora, talvez fique com as cicatrizes para sempre."
Sophie o encarou por entre a névoa, ele estava sem camisa, de short preto,
com o peito claro e malhado, rosado pelo calor.
"Mais alguns minutos", murmurou ela, entrando na piscina, o mais distante
possível dele.
"Vantagens de estar na primeira colocação. Posso malhar sempre que eu
quero e os professores não dizem nada", Hort comentou, beliscando uma
pequena espinha em seu braço. "Agora eu entendo por que Tedros era obcecado
por esse lugar. Os narcisistas devem adorar isso aqui. Ainda bem que eles tinham
o pica-pau para cronometrar o tempo, ou o Príncipe Rostinho Bonito nunca sairia
daqui. À essa altura, os pássaros provavelmente estão trancados com os outros
professores do Bem, é claro. As ninfas também. Você deveria ver quem está
preso, trabalhando na Lavanderia."
"Não entendo. Por que ainda tem uma Sala de Embelezamento num castelo
do Mal?"
"Pergunte ao seu namorado", alfinetou Hort. "Ele a utiliza mais que qualquer
um. Claramente está tentando ficar bonito pra você."
"Rafal usa a Sala de Embelezamento?"
"Ah, esse é o nome dele, agora? Imagino que ele precise de um novo nome
para combinar com o novo rosto, para que você não se lembre do antigo. Bela
tentativa, mas eu vou continuar com "Diretor da Escola"."
"Ele não é mais velho que você ou eu", Sophie defendeu.
"Continue dizendo isso a si mesma. De todo modo, não posso falar muito mal
do cara. Ele deu um túmulo decente ao meu pai quando eu implorei. Quer dizer,
não foi no Cume Necro, junto dos melhores vilões, onde meu pai deveria ter sido
enterrado, mas o Vale dos Abutres já foi bom o suficiente. Principalmente
levando-se em conta que o Diretor da Escola não gosta muito de mim. Você
sabe, porque eu era apaixonado por você e tudo mais. Mas, pelo menos, ele teve
a decência de deixar que meu pai repousasse em paz."
"Está vendo, ele não é tão ruim, é?", Sophie abrandou. "E agora, seu pai
finalmente recebeu a sepultura que merecia. Porque ele tinha um filho nobre e
persistente que fez questão disso."
Hort assentiu, escondendo uma fungada.
"Enquanto isso, parece que você também tem passado um bom tempo na
Sala de Embelezamento", Sophie cutucou. "Quase tão parecido com Tedros
quanto a sua imitação dele."
"Bem, eu deveria conhecê-lo melhor que todo mundo, não?", Hort
respondeu, com o rosto sério.
"Hã? Por que você saberia qualquer coisa sobre Tedros?"
"Ou você está mentindo novamente", Hort riu com escárnio. "ou é tão
imbecil quanto parece. No primeiro ano, você me trocou por ele quando você
era uma menina. Depois você me trocou por ele no segundo ano quando era
menino. Você mente, trapaceia e rouba por ele, enquanto ele te trata como lixo; e
eu te ajudo e me importo com você, e te louvo como uma rainha, enquanto você
me trata como lixo! O que aquele cara tem que eu não tenho? O que o torna tão
adorável e a mim tão indigno? Sabe quantas vezes eu me fiz essa pergunta,
Sophie? Quantas vezes eu o estudei como a um livro, ou fiquei sentado, no escuro,
imaginando cada fiapo dele, tentando imaginar por que ele é mais gente que eu?
Ou por que no instante em que ele se foi, você aceita uma aliança do Diretor da
Escola..., ou de Raphael, ou Michelângelo, ou Donatello, ou seja lá do que você
queira chamá-lo, só para se sentir melhor, só porque ele tem a aparência que
você quer que ele tenha e diz o que você quer ouvir? Quando você poderia ter
alguém honesto, bom e real?", os olhos negros miúdos a perfuravam.
Sophie checou seu braço, desesperada para sair da banheira, mas seus
ferimentos ainda estavam sensíveis.
"Em primeiro lugar, não me chame de imbecil, Hort. Em segundo, por favor,
acredite quando eu digo que lamento muito pelo ano passado, está bem? Eu ainda
não sei por que o nome de Tedros saiu da minha boca no lugar do seu. Para mim,
ele acabou. É verdade. Não sei mais o que dizer..."
"Como se eu acreditasse em alguma coisa que você diz...", Hort fungou. "Eu
já te beijei e já te matei na minha cabeça muito mais vezes do que você
merece."
Sophie o encarava. Hort suspirou, remexendo a água.
"Mas aprendi minha lição. Ninguém quer saber do Velho Hort. Então,
conheça o Novo Hort. Modelado segundo seu príncipe másculo. O Hort que as
gatas curtem."
"Mas esse Hort não tem nada de real", disse Sophie, franzindo o rosto. "Esse
Hort não é você."
"Bem, seja quem for...", Hort ergueu os olhos. "Ele finalmente ganhou sua
atenção, não foi?"
Sophie ficou em silêncio.
"Droga, estou ficando enrugado", Hort praguejou, olhando os dedos
enrugados pela água. Ele foi saindo da piscina. "Além disso, seu novo namorado
provavelmente está esperando por você."
Sophie ficou observando, enquanto ele saía, enquanto a água escorria pelas
curvas de suas costas.
"Hort?"
Ele parou, ainda sem olhar para ela. O único som da sala era a água pingando
de seu short, caindo no tapete.
"Você ainda me ama?", ela sussurrou.
Hort lentamente se virou para Sophie, com um sorriso triste, parecendo o
menino sensível e sincero que ela um dia conheceu.
"Não."
"Ah, que bom. Sim. Fico contente em saber", Sophie exclamou, desviando os
olhos e remexendo no vestido antes de erguê-los novamente. "Você sabe, com
meu novo namorado e tudo mais..."
Mas Hort já tinha saído.
Por um longo tempo, Sophie ficou dentro da banheira de água quente, suando
e olhando para o lugar onde ele estivera, mesmo depois que seu braço já tinha
sarado, mesmo depois que sua pele havia enrugado. E somente quando ouviu os
gritinhos das fadas irrompendo pelo castelo, foi que Sophie percebeu que não
tinha apenas perdido o começo do almoço. Ela tinha perdido toda a refeição.
Já passava da meia-noite, mas Sophie permanecia calmamente sentada na
janela do Diretor da Escola, com os cabelos ainda molhados, seu vestido ébano
embolado nos joelhos, enquanto mantinha os dedos dos pés pressionados à
parede. Ela olhava pela janela, vendo a baía de água verde fluorescente
refletindo as sombras de dois castelos negros, ambos escuros e silenciosos.
Como as coisas mudavam depressa num conto de fadas.
Ainda bem que Rafal não ficara muito aborrecido — ela alegou que tinha se
perdido na turba, a caminho do almoço ("Parece um zoológico superpopuloso,
Rafal!") e acabou ficando presa num armário de vassouras ("Tem tanta coisa
preta nesse lugar... fica difícil diferenciar os armários dos alunos!"). Rafal a
interrompeu, parecendo estressado: ele mal tinha almoçado e disse a ela que
tinha negócios importantes na Escola do Velho que o prenderiam por lá até de
manhã. Com um beijo, ele a deixou, sem queixas (só Lady Lesso que a
repreendeu por não ter avançado em nada na descoberta do espião).
Sophie encolheu os joelhos junto ao peito e deu uma olhada para o Storian,
parado acima de uma página em branco. Ele não havia desenhado nenhuma
cena nova desde o começo da noite, quando pintou Agatha e Tedros
desaparecendo dentro da toca de um coelho, e Tedros desmaiando diante da
visão de um velho barbado. Ela tentou folhear o livro pra trás, para ver quem era
esse velho e onde Agatha e seu príncipe estavam, mas o Storian a espetara
quando ela tentou virar as páginas, quase arrancando sua mão. Aparentemente,
quando uma história estava se desvendando, você não podia voltar atrás.
Meio desanimada, Sophie fez algumas poses de ioga, tentando tirar os Sempre
da cabeça, depois desistiu e se amuou na beirada da cama, novamente olhando
pela janela.
Lá fora, em algum lugar, seus melhores amigos estavam escrevendo seu lado
da história. Em algum lugar, lá estavam eles, vindo para salvá-la de uma escola
de onde, algum dia, ela faria tudo para ser salva... vindo para convencê-la a
deixar o Mal e seu Mestre para trás, para sempre...
Ou isso era o que eles pensavam.
Porque, agora, ela se sentia à vontade no Mal. Claro, surgiram alguns
percalços em seu primeiro dia, mas ela ainda era uma professora e uma rainha,
superior a todos os outros alunos. E o mais importante, ela estava prestes a ganhar
o primeiro conto de fadas do Mal, em duzentos anos! Ela estava prestes a se
transformar em uma lenda, para a eternidade, mais famosa que Branca de
Neve, Cinderela e todas as outras princesas de olhos inexpressivos e rostos
rosados que nunca tiveram opinião própria...
E de pensar que eu era como esse bando de tolas.
Mas agora ela estava pronta para lutar pelo Mal. Matar, até.
Pois, ao contrário de todo Mal que veio antes dela, ela tinha algo pelo que
lutar.Rafal, ela pensou, admirando sua aliança, imaginando seu novo rosto
deslumbrante, branco e gélido em seu reflexo... Só que agora, em vez disso, ela
estava pensando em Hort, rosado e meigo, em meio à névoa azulada... Depois,
em Aric, com seus olhos cor de violeta, suando, na Floresta...
Sophie encolheu-se junto à parede, nauseada. Depois de finalmente encontrar
seu verdadeiro amor, agora ela estava fantasiando sobre Hort? Aric? Depois de
tudo o que ela havia feito para encontrar o amor?
Rafal tinha de ser o eleito, no fim das contas.
Ninguém mais a amava. Nem mesmo Hort.
Eu preciso de uma prova, ela pensou. Só isso.
Preciso de uma prova de que Rafal é o tal.
Então, não vou mais duvidar.
Então, vou parar de pensar em outros meninos.
Ela ergueu os olhos para a sala escura e vazia.
Prove, ela implorou ao próprio coração.
Prove que ele é meu verdadeiro amor.
Os aposentos do Diretor da Escola estavam em silêncio absoluto.
Subitamente, a aliança em seu dedo começou a se mexer. Ela foi deslizando
lentamente, por vontade própria, parando abaixo do nó do dedo. Ficou
momentaneamente imóvel e fria em sua mão esquerda. Então, a aliança
magicamente derreteu, diante dos olhos de Sophie, e o ouro foi ficando cada vez
mais escuro, cada vez mais mole, desfazendo-se num círculo de líquido negro e
reluzente. Sophie ficou na expectativa, olhando o círculo de tinta, quente e
molhado em seu dedo, agarrado à sua pele como se fosse uma sanguessuga...
Mas agora ela via o que a aliança estava fazendo. Ela estava escrevendo a
primeira letra em seu dedo. Estava escrevendo o nome de seu verdadeiro amor.
Exatamente como ela havia pedido. Sophie sorriu e fechou os olhos, deixando
que sua fada madrinha interior fizesse seu trabalho.
Escura e molhada, a aliança calmamente rasgava sua pele, controlada por
algo vindo bem do fundo dela. A cada nova letra, a alma de Sophie respirava
mais livre, mais leve, como se um peso esmagador tivesse sido erguido, como se
a força movendo a aliança fosse seu verdadeiro ser, seu ser mais puro... até que
a aliança finalmente terminou a última letra e se solidificou voltando a ser de
ouro, deixando, sem dúvida, o nome "Rafal" escrito... Rafal, com quem ela
ficaria para sempre...
Sophie lentamente abriu os olhos e viu o nome em letras grafadas em tinta
negra.
Não era o nome de Rafal.
Ela caiu na cama, chocada. Petrificada, ela agarrou a bainha do vestido e
esfregou o nome, tentando apagá-lo. Ainda continuava ali. Ela raspou com as
unhas, esfregou no chão, passou na parede — mas o nome estava ainda mais
escuro que antes. Atordoada, ela se encolheu junto à cama, escondendo a mão
no vestido, tentando acalmar seu coração apavorado. Não importava que nome
estava ali!
Não era possível que aquele nome fosse o de seu verdadeiro amor.
Não era possível que aquele nome representasse seu final feliz.
Porque o nome que a aliança havia tatuado na pele de Sophie, o nome que a
aliança jurava ser seu único e verdadeiro amor, era o nome do príncipe que ela
deveria matar.

A escola do bem e do mal 3 Infelizes para sempre - Soman ChainaniOnde histórias criam vida. Descubra agora