À frente da catedral, Ivan observa o altar prateado. A imagem do astronauta crucificado, em suas vestes prateadas e rosto espelhado, lhe parece uma zombaria. Sua pele, lustrosa pelo suor, reflete a sebosidade do interior de seu enorme corpo adiposo. O homem caminha pelo centro da igreja silenciosa, envolta em penumbras ominosas.
Politicamente, a religião é uma necessidade, é o que mantém a uniformidade de pensamentos. Cada indivíduo é obrigado a frequentar a igreja. Pelo menos uma vez na semana, aos Domingos. Os outros dias são opcionais, na verdade, é esperado que não haja muitos fiéis presentes nos outros dias, já que todos devem comparecer às esteiras de produção e, a opção pela igreja pode ser interpretada como uma falta de interesse pelo trabalho, esse sim, o maior pecado que alguém pode cometer em Distopx. Os dias de semana são, desse modo, reservados apenas aos casos mais desesperados, onde a palavra do Padre Pietro seja improtelável.
O vazio. Silencioso, ermo e solitário. Apenas a companhia da estátua espacial, dependurada à sua frente, lhe remove a sensação de completa solitude. Seu olhar parvo esconde a real perspicácia de Ivan, um homem inteligente que há anos consegue controlar a cidade mais instável de Megalotopx com mão de ferro. Com um lenço o homem seca o suor da testa, forra o sobretudo cobrindo um dos genuflexórios enquanto se ajoelha simulando uma prece ao Deus prateado, inexistente em suas crenças.
— Prefeito! Que honra recebê-lo! — a voz suave do padre rompe a tumular quietude da igreja. — O que lhe traz aqui em um dia de semana? Imagino que não teria vindo a mim para se confessar... — O sotaque do Padre combina com seu sorriso indecifrável.
— Padre! Que alegria reencontrá-lo! — a voz de Ivan soa rascante, resultado dos anos de inalação da fumaça de seus charutos. — Não... Não vim me confessar... Vim conversar com vossa santidade.
— Ora... O que pode ser tão importante?
— Diana. — Ivan, agora de pé, coloca novamente o sobretudo. — Gostaria de falar sobre Diana.
O padre experimenta um tremor. Diana se confessou há algum tempo e, se recupera dos maus tratos recebidos durante sua detenção, ali, na Igreja. Está sob sua proteção agora.
— Entendo... O que deseja de Diana, afinal?
— Soube que ela está aqui. Não comparece às esteiras há mais de duas semanas. — o olhar de Ivan endurece. — Isso, é algo que não podemos considerar aceitável, não acha?
— A Igreja precisa de braços, tanto quanto as esteiras... — o padre se aproxima do gordo. — Não há nenhum problema em acolhermos cidadãos aqui para as atividades laborativas e para os serviços e, a Igreja jamais foi questionada por receber qualquer alma antes. O que há de especial em Diana que pode ter despertado tamanha preocupação? O trabalho aqui representa um ofício, do mesmo modo que nas esteiras.
— Não há nada de especial em Diana, Padre Pietro. — Ivan encolhe as pálpebras sebentas — Exceto, pelo fato que a poucos dias ela foi detida por suspeita de acobertar uma infiltrada aqui em nossa cidade-Estado.
— Em seu lugar, prefeito, estaria tranquilo em relação a isso. Ela está no melhor lugar possível. Aqui está sendo observada todo o tempo, enquanto sua mente está ocupada apenas com valorosas palavras de nosso Senhor argênteo.
— Gostaria de ter com ela. — Ivan corta repentinamente o Padre.
— Respeitosamente, prefeito, suponho que não seja adequado.
— E por que não, santidade?
— Por que Diana passa por um momento de profunda reflexão de sua essência e... seu corpo também se recupera de... ferimentos físicos.

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GLORX
Ciencia FicciónCapa : Template Canva -- Vencedor do Prêmio Wattys 2020 -- Bem vindos à Megalotopx, um mundo dividido em três Estados: 1 - Utopx: o Estado da felicidade infinita onde se vive quando criança e no final da fase adulta. 2 - Heterotopx: onde os cidadão...