𝐑𝐮𝐧 𝐀𝐰𝐚𝐲 [🌊]. txt, Soobin.

✨•.𝐏𝐫𝐨𝐥𝐨𝐠𝐮𝐞.•✨

Oque acontece quando o corpo se torna apenas uma casca? Quando a alma se esvazia e tudo que resta é um corpo, um corpo vazio, um corpo cansado, quanto tempo leva para a casca aos poucos se deteriorar?

O funeral estava vazio, poucas pessoas, poucos conhecidos, as lágrimas rolavam vagarosamente sobre meu rosto, a cada lágrima, mais eu sentia o cansaço daquela manhã frustrante, mas teria de continuar em pé, por ele e por mim.
O caixão já estava sob a terra, parecia que até mesmo o céu estava comemorando o acontecido, sentia os fortes raios do sol ameaçando queimar minha pele, mas meus pés não queriam se mexer, não queriam se quer acreditar, o maior desejo deles eram não fraquejar em frente a aquelas pessoas desconhecidas que pareciam estar lá apenas para verificar a história.
Aos poucos, as pessoas desconhecidas foram se dispersando, aos poucos o lugar ficou vazio, muitas flores sobre a terra, mas aquelas flores não eram simples rosas vermelhas, mas sim, rosas manchadas de sangue, ele não tinha amigos, ele apenas tinha a mim, aquelas flores eram a lembrança de uma comemoração, não de dor, não de luto, apenas uma forma de dizer que "já era hora".
O céu aos poucos escureceu, a quanto tempo estava parada lá? Quatro horas? Ou mais? Aos poucos a esperança de sua silhueta levantar da terra e mostrar sinal de vida foi diminuindo, foi nesse momento, quando a ficha realmente caiu, que meus pés começaram a andar, que o ar ficou pesado, que as lágrimas não queriam mais cair, que o grito na garganta consumia a alma, palavras rudes e brutas circulavam minha mente, outra lembrança, a lembrança de que a única amiga e família que ele tinha, era apenas eu, de que muitos, naquele exato momento, estariam comemorando e bebendo como uma festança, as pessoas esqueciam, esqueciam de sua filha, a filha que tanto tudo suportava, aquela que julgo ser eu.
Já estava velha, não era mais uma criança, já havia completado a escola e estava pronta para ir á faculdade, já havia perdido muitas outras pessoas, mas a dor que eu sentia naquele momento, era maior do que a idade, maior do que a capacidade de agir de forma madura e adulta, ao chegar em casa, a bolsa caiu naturalmente de minha mão, o cachorro se aproximou para cheira-la, parecia não saber quão trágico o dia havia sido, me aproximei do sofá e me sentei enquanto analisava a cortina, o céu já estava cheio de nuvens, era provável ter uma tempestade, me pergunto, se não poderia ter trovejado antes, para que os céus lamentassem ao meu lado, mas a verdade era rígida, ninguém se importava, ninguém estava ligando para a morte de um homem, "ele era cruel" diziam, como se realmente o conhecessem, como se alguma vez já tivessem perguntado sobre oque ele queria para o futuro da humanidade.
As fotos ao lado da tv eram como uma faca rasgando meu peito, de repente, era como se aquelas memórias tivessem esfriado, como se estivesse em preto e branco, como se toda a cor tivesse ido embora, foi quando o raio iluminou o céu, agradeci por aquele momento em que minha mente apenas pensou na grande luz que vinha da janela, seria bom se tivéssemos um botão de resetar a dor, ou apenas resetar todas as memórias, seria mais eficiente do que uma pessoa reprimida por lembranças antigas e palavras ditas que se desfizeram no ar a muito tempo.
O tempo aos poucos acelerou, não havia se quer notado quando o céu começou a clarear, estava tão cansada, mas não conseguia dormir, era o medo, medo de sonhar com ele, medo de vê-lo indo embora, meu corpo se movimentava sem que eu tivesse que pensar muito, a cozinha estava limpa, sem vestígios, nem de sujeira, nem dele, suspirei pegando um café já pronto que estava na geladeira e o requentando, o cachorro continuava a me seguir, como se quisesse respostas, como se estivesse esperando alguma reação diferente, mas nada, era apenas eu, ou apenas minha casca, agindo mais devagar do que o normal, antes de tudo aquilo ocorrer, era normal me ver correndo, não me importava muito com nada, a não ser na faculdade, mantendo sempre a cabeça no lugar, separando as emoções da carreira profissional, foi quando meu coração voltou a bater, foi quando tomei a decisão, de novamente separar minhas emoções, estava acostumada a fazer isso, mas nunca tinha feito algo tão intensamente, separar as emoções da minha vida comum.