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Lisa

Não consigo acreditar que isso está realmente acontecendo comigo, foram cinco meses com ela se formando dentro de mim, cinco! Me apeguei a ela de uma forma que nem consigo explicar, é surreal o quanto nós duas estávamos ligadas. No começo foi difícil para mim, porém, agora não consigo me imaginar sem ela, tudo é por causa dela, saber que ela estava se formando na minha barriga, de certa forma, me dava esperança e vontade de ser uma pessoa melhor para recebê-la da melhor forma possível.

E agora, me encontro vazia e sem saber o que fazer, nada mais tem sentido.

Como um dia chuvoso, ela se foi. De um minuto para o outro, eu a perdi. Nem consegui a pegar nos braços, sentir seu cheiro, nem mesmo escolher um nome a ela, eu fui capaz e agora tudo que tenho são lembranças da sensação de a ter dentro de mim, estou tão mal que às vezes sinto seus chutes e entro em pânico por lembrar que não há mais nada aqui dentro, está vazio. Eu estou vazia.

Os olhares de pena de todos a minha volta, me atormentam a noite, não aguento mais me sentir assim, eu só a queria de volta. Sempre que fecho os olhos, não consigo dormir, as imagens daquele dia ficam se repetindo na minha mente em um looping infinito, fazem três meses que não sei mais o que é ter uma boa noite de sono. Nem consigo colocar meus pés para fora do quarto, minha mãe e o Murilo tentam me ajudar, me fazer superar, porém, isso nunca vai acontecer.

Eu a perdi para sempre, perdi o grande e único amor da minha vida para sempre. Nunca vou superar, ou simplesmente esquecer isso. Não tem como.

Naquele fatídico dia, eu não só a perdi, minha vontade de viver ficou no hospital. Única coisa que quero agora, é morrer, não paro de me culpar por ter a matado, se não fosse por mim, ela estaria viva. Porque tenho que ser tão desatenta? Meu jeito de ser matou minha filha, vou me culpar por isso todos os dias da minha vida.

Eu me odeio.

Tenho vergonha e nojo de encarar o meu reflexo no espelho, reflexo de uma assassina. Não suporto conviver comigo mesma, estou cansada de me auto-sabotar, se eu tivesse prestado mais atenção, não teria caído e a minha bebê ainda estaria se formando dentro da minha barriga. Ela foi vítima da minha burrice, da minha estupidez, foi vítima de mim.

Eu matei minha filha.

— Melissa, já está acordada?— minha mãe entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.

— Se veio trazer comida, obrigado, mas, eu não quero.— ela suspirou e colocou a bandeja em cima da mesa ao lado da cama.

— Filha, pensei que ia te encontrar um pouco feliz hoje. Esqueceu que o Bruno vem passar o final de semana aqui com você?— sentou-se ao meu lado, continuei com o olhar fixo na janela.

— Deixei muito claro que não quero ver ninguém, muito menos ele.

— Algum dia você vai precisar falar com ele, Melissa. Precisa parar de invalidar a dor dele, sabemos muito bem que essa perda foi tão ruim para você quanto para ele!

— Ah, é mesmo? Pelo que vejo, ele está seguindo adiante como se não fosse nada. Na verdade, todos estão! Sou a única que sofre e que realmente sente a perda, afinal, era dentro de mim que ela estava.— a saliva desceu rasgando minha garganta, ainda é difícil falar sobre esse assunto em voz alta.

— Filha, não fale essas coisas! Se passaram três meses, e, mesmo que seja muito difícil, precisamos seguir em frente. Não podemos parar nossas vidas e ficar refém desse trauma.— ri sarcasticamente e me virei para a mesma.

— Quero ficar sozinha, por favor.

— Vou deixar a bandeja aqui, e quando voltar espero que tenha comido. Estou realmente preocupada com a sua saúde, filha, então, por favor, coma!

Me mantive quieta, quando percebeu que eu não falaria mais nada, se levantou e pegou a bandeja, a deixando ao meu lado na cama. Depositou um beijo na minha testa e saiu do quarto, olhei para a bandeja repleta de comida, minha expressão de nojo foi inevitável. Não consigo sentir vontade de comer nada, como sempre faço, joguei tudo no vaso e dei descarga, desse jeito ela acha que me alimentei e não enche o saco.

Deitei na cama novamente, e não demorou muito para as lágrimas caírem livremente pelo meu rosto, não suporto mais me sentir assim. Não aguento mais estar todo o tempo na minha mente, estou sufocada, meu coração está doendo.

As pessoas ao meu redor insistem em dizer que devo superar e continuar a viver, que preciso me livrar da culpa e tentar esquecer tudo, porém, ninguém me disse como fazer isso, estou presa em mim mesma e não consigo enxergar a luz daqui. Tudo o que vejo é a escuridão, tudo o que sinto é o vazio, estou em um abismo sem fim.

Quero saber, como continuar a viver quando se está morto por dentro?

SubmergedOnde histórias criam vida. Descubra agora