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O banho não durou tanto. Eu não sabia se Charlie ainda estava dormindo ou se já tinha saído. Fui olhar pela minha janela e a radiopatrulha não estava lá. Pescaria de novo.

Vesti-me lentamente com a calça jeans do dia anterior e um moletom velho e depois fiz minha cama — só para protelar. Mas eu não podia mais adiar. Fui para minha escrivaninha e liguei o velho computador.

Eu odiava usar a internet aqui. Meu modem era artigo de museu e meu provedor gratuito mostrava que a qualidade do serviço depende mesmo do quanto se paga. Só a discagem levava tanto tempo que decidi preparar uma tigela de cereal enquanto esperava. Comi devagar, e o finalzinho ficou mole demais para eu querer comer.

Lavei a tigela e a colher e guardei. Meus pés se arrastavam ao subir a escada. Fui primeiro pegar meu CD player, enrolei o fio dos fones de ouvido e guardei na gaveta da escrivaninha. Toquei o mesmo CD, mas baixinho, até ficar como ruído de fundo. Com um suspiro, me virei para o computador, já me sentindo idiota antes mesmo de terminar de digitar a palavra.

Vampiro.

Senti-me ainda mais idiota ao olhar para ela. Os resultados foram difíceis de avaliar. A maioria era de entretenimento: filmes, programas de TV , RPG, bandas de heavy metal... Havia roupas e maquiagem gótica, fantasias de Halloween e programações de convenções. Acabei encontrando um site promissor — Vampiros de A-Z — e esperei impacientemente que carregasse. A página era simples e com aparência acadêmica, texto preto em um fundo branco. Duas citações me receberam na home page:

Em todo o vasto mundo das sombras de fantasmas e demônios, não há figura tão terrível, nenhum personagem tão medonho e abominado, e no entanto travestido de tal fascínio temeroso, como o vampiro, que não é nem fantasma nem demônio, mas participa da natureza das sombras e possui as qualidades misteriosas e terríveis de ambos. — Rev . Montague Summers

Se há neste mundo um relato bem documentado, é o dos vampiros. Nada falta ali: relatórios oficiais, atestados de pessoas reputadas, de médicos, de padres, de magistrados; a prova judicial é a mais completa. E com tudo isso, quem há que acredite em vampiros? — Rousseau



O resto do site era uma lista em ordem alfabética de todos os diferentes mitos de vampiros que existem em no mundo. O primeiro em que cliquei, o Danag, era um vampiro filipino supostamente responsável pelo cultivo de inhame nas ilhas havia muito tempo. — vampiro do inhame. Isso é muito patético pra mim. — Dizia o mito que o Danag trabalhou com seres humanos por muitos anos, mas um dia a parceria terminou, quando uma mulher cortou o dedo e um Danag chupou sua ferida, desfrutando tanto do sabor que drenou totalmente o sangue de seu corpo.

Li atentamente as descrições, procurando alguma coisa que parecesse familiar, sem mencionar plausível. Parecia que a maioria dos mitos de vampiros tinha mulheres bonitas como demônios e crianças como vítimas; também pareciam conceitos criados para explicar o alto índice de mortalidade de crianças novas e dar aos homens uma desculpa para a infidelidade. — Como eu disse... Patético...

Muitas histórias envolviam espíritos incorpóreos e alertas contra enterros inadequados. Não havia muito que se parecesse com os filmes que eu vira, e só alguns, como o Estrie hebraico e o Upier polonês, ainda se preocupavam em beber sangue. — Esse Upier, não é os vampiros da série Hemlock Grove?

Só três verbetes realmente prenderam minha atenção: o romeno Varacolaci, um morto-vivo poderoso que podia aparecer como um ser humano bonito de pele clara; o eslovaco Nelapsi, uma criatura tão forte e tão rápida que podia massacrar uma aldeia inteira na primeira hora depois da meia-noite; e outro, chamado Stregoni benefici. Sobre este último, só havia uma frase curta. Stregoni benefici: vampiro italiano que se diz estar do lado do bem e é inimigo mortal de todos os vampiros do mal. Foi um alívio estranho, aquele pequeno verbete, o único mito entre centenas que afirmava a existência de vampiros do bem.

𝐓𝐰𝐢𝐥𝐢𝐠𝐡𝐭 | 𝐕𝐦𝐢𝐧 𝐕𝐞𝐫𝐬𝐢𝐨𝐧Onde histórias criam vida. Descubra agora