.𝟏𝟑.

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Eu precisei desviar os olhos. Concentrei-me em abrir a tampa da limonada. Tomei um gole e fiquei olhando a mesa sem ver.

— Não está com fome? — perguntou ele. Vi com alívio que o olhar dele estava menos penetrante agora.

— Não. — Não achei necessário mencionar que meu estômago não estava em boas condições para receber comida. — E você? — Olhei para a mesa vazia diante dele.

— Não, não estou com fome. — Ele sorriu como se eu não tivesse captado uma piada particular.

— Pode me fazer um favor? — perguntei, com palavras que fugiram antes de eu dar permissão para que saíssem. Ele ficou séria com rapidez.

— Depende do que você quer.

— Não é grande coisa — garanti. Ele esperou, alerta, mas claramente curioso. — Você pode me avisar com antecedência? Na próxima vez que decidir me ignorar? Para o próprio bem do meu psicológico, eu acho. Para que eu fique preparado pra te mandar . — Olhei a garrafa de limonada enquanto falava, desenhando o anel da abertura com um dedo.

— Parece justo.

Ele parecia estar tentando não rir quando eu olhei.

— Obrigado.

— Posso pedir um favor em troca? — perguntou ele

.

— Claro. — Foi minha vez de ficar curioso. O que ele quereria de mim?

— Me conte uma de suas teorias.

Nem fodendo.

— De jeito nenhum.

— Você me prometeu um favor.

— E você já quebrou promessas — lembrei-lhe.

— Só uma teoria... Eu não vou rir.

— Vai, sim. — Eu não tinha dúvida disso. Ele olhou para baixo, depois para mim através dos cílios longos, os olhos dourados abrasadores.

— Por favor? — sussurrou ele, inclinando-se para mim. Sem permissão, meu corpo se inclinou para perto dele, como se ele fosse um ímã e eu fosse um clipe de papel mais patético do mundo, até o rosto dele estar a menos de trinta centímetros do meu. Minha mente ficou totalmente vazia, enquanto eu encarava aqueles lábios cheios e rosados. Balancei a cabeça para tentar pensar com clareza e me obriguei a endireitar o corpo.

— Hã... o quê?

— Só uma teoriazinha. — ronronou ele. — Por favor.

— Bom, hã, você foi picada por uma aranha radioativa? — Ele também sabia hipnotizar? Ou eu é que era um fracote? Ele revirou os olhos.

— Isso não é muito criativo.

— Desculpe, é só o que eu tenho.

— Nem chegou perto.

— Nada de aranhas?

— Nada de aranhas.

— Nada de radioatividade?

— Nadinha.

— Ah — murmurei. Ele riu.

— A criptonita também não me incomoda.

— Droga! Pois eu adoraria te bater com ela, toda vez que quebra uma promessa... — Rebati irritado — Você prometeu não rir, lembra?

Ele apertou os lábios, mas os ombros tremeram do esforço para segurar a gargalhada.

— Um dia eu vou descobrir — murmurei. O senso de humor dele sumiu como se alguém tivesse desligado um interruptor.

— Eu gostaria que você não tentasse.

— Eu gostaria que você não tentasse — Imitei a voz dele o debochando. — Você as vezes é patético Jimin, um enigma pequeno e patético... Achando que só porque você mora em uma bat-caverna ou que pode sair por aí voando, poderia me fazer parar de pensar sobre isso... Sabe... Do mesmo jeito que você não consegue me ler e te deixa frustrado e se faz questionar o "por quê" disso, você também é tudo isso pra mim.

Ele entendeu.

— Mas e se eu não for uma super-heroí? E se eu for a vilão — Ele sorriu ao falar isso, com expressão brincalhona, mas os olhos estavam pesados com algum fardo que eu não conseguia imaginar.

— Ah — eu disse, surpreso. As muitas dicas que ele deu começaram a surgir até fazerem sentido. — Ah, tudo bem.

Ele esperou, rígido de estresse de repente. Naquele segundo, todos os muros dele pareceram desaparecer.

— O que exatamente tudo bem quer dizer? — perguntou ele, tão baixo que foi quase um sussurro. Tentei organizar os pensamentos, mas a ansiedade dele me obrigou a responder mais rápido. Eu falei as palavras sem prepará-las primeiro.

— Você é perigoso?

Saiu como uma pergunta, e havia dúvida na minha voz. Ele era menor do que eu, da mesma idade e com corpo delicado — Se é que eu posso falar assim —. Em circunstâncias normais, eu teria rido por usar a palavra perigoso para me referir a alguém como ele. Mas ele não estava perto de ser normal, e não havia ninguém como ele.

Eu me lembrei da primeira vez que ele me olhou com ódio nos olhos, quando senti um medo genuíno, apesar de não entender a reação dele no momento e achar que foi tolice segundos depois. Agora eu entendia. Por baixo da dúvida, fora da incongruência da palavra "perigoso" aplicada ao corpo magro e perfeito, eu conseguia sentir a verdade. O perigo era real, embora minha mente não conseguisse absorver. E ele estava tentando me dizer isso o tempo todo.

— Perigoso — murmurei de novo, tentando fazer a palavra se encaixar na pessoa à minha frente. O rosto de porcelana ainda estava vulnerável sem muros e sem segredos. Os olhos estavam arregalados agora, na expectativa da minha reação. Ele parecia estar se preparando para algum tipo de impacto. — Mas não o vilão — sussurrei. — Não, eu não acredito nisso.

— Você está enganado. — A voz dele era quase inaudível.

Ele olhou para baixo, roubando minha tampa de garrafa e girando-a de lado entre os dedos. Tirei vantagem da falta de atenção dele para olhar mais. Ele foi sincero no que disse, isso era óbvio. Queria que eu sentisse medo dele. O que eu mais sentia era... fascinação? — Sou a pessoa mais burra nesse mundo? —Havia um certo nervosismo, claro, por estar tão perto dele. Por medo de fazer papel de bobo.

Mas eu só queria ficar sentado aqui para sempre, ouvir a voz dele e ver as expressões surgirem no rosto dele, bem mais rápido do que eu era capaz de perceber. Então, é claro que foi nessa hora que percebi que o refeitório estava quase vazio. Afastei minha cadeira da mesa, e ela levantou o rosto. Ele parecia... triste. Mas resignado. Como se essa fosse a reação que estava esperando.

— Vamos chegar atrasados, bicudo — disse para ele, me levantando.

Ele ficou surpresa por um segundo, mas a expressão divertida já familiar estava de volta em seguida.

— Eu não vou à aula hoje. — Os dedos dele giravam a tampa com tanta rapidez que se tornou apenas só uma mancha.

— Por que não?

Ele sorriu para mim, mas os olhos não estavam totalmente disfarçados. Eu ainda conseguia ver o estresse por trás da fachada.

— É saudável matar de vez em quando — disse ele.

— Ah. Bom, então... estou indo? — Havia outra opção? Eu não era de matar aula, mas se ela me pedisse... Ele voltou a atenção para a tampa.

— A gente se vê depois, então.

Aquilo parecia uma dispensa, e eu não era totalmente contra ser dispensado. Havia muito em que pensar, e eu não pensava muito bem com ela perto. O primeiro sinal tocou, e eu saí correndo pela porta. Olhei para trás uma vez e vi que ela não tinha saído do lugar e a tampinha da garrafa continuava girando em círculo, como se nunca fosse parar. 

𝐓𝐰𝐢𝐥𝐢𝐠𝐡𝐭 | 𝐕𝐦𝐢𝐧 𝐕𝐞𝐫𝐬𝐢𝐨𝐧Onde histórias criam vida. Descubra agora