Capítulo 3

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"Eu vivo tentando disfarçar,
E até meu sorriso é só pra mostrar,
Uma felicidade que em mim não existe,
No rosto um sorriso, mais o coração triste"
Dá um sinal - Sampa Crew

— Para que está se arrumando toda? — Mariana deixou o batom em cima da velha cômoda e se virou para o marido. — Esse batom escuro está ridículo em você. — Riu, terminando de adentrar o quarto. — Aonde vai toda emperiquitada desse jeito? — Se jogou na cama, cruzando os braços sob a cabeça.

— Não vou a lugar nenhum, só ia tirar foto. — Encarou seu reflexo. Talvez o batom estivesse realmente muito forte.

— Já falei que não gosto quando fica postando fotos no Instagram. Você já é mãe, Mariana, é casada, não tem que ficar bancando a blogueirinha descolada. — Se levantou para sair. — Quer ficar se exibindo para macho, isso sim! — resmungou, batendo a porta do quarto ao sair.

Mariana encarou seu reflexo mais uma vez, mas já não lhe agradava aquela mulher refletida ali. Não estava tão bonita quanto havia imaginado.

Apanhou um chumaço de algodão e o embebeu com demaquilante, removendo a pouca maquiagem que havia feito, começando pelo batom vermelho.

— Mari? Tudo bem? — Lucas entrou no camarim improvisado e a trouxe de volta de seus devaneios. A mulher o encarou através do reflexo e forçou um sorriso, assentindo minimamente.

— Só vim retocar o batom que a maquiadora passou. — Pegou o batom carmim e tingiu ainda mais seus lábios com a cor escura. — Eu amo essa cor.

— Você fica bem com tons escuros — disse com um sorriso sincero.

Enquanto esteve casada com o pai de Tessália, vivia deprimida, se depreciando e enxergando em si, defeitos que não possuía. O homem a sugava, a deixava para baixo, muitas vezes sem sequer se dar conta. Era machista e abusivo, um pouco devido a criação que havia recebido, mas também por ser um filho da puta, e quando Mariana se deu conta de que estava em uma relação de merda, que a impedia de seguir em frente, deu fim ao casamento. Claro que não havia sido do dia para a noite. Passou alguns anos aguentando aquela situação, mendigando um pouco de atenção e se sujeitando às humilhações. Era co-dependente de seu ex-marido, mas só se deu conta disso quando começou as sessões escondidas com a psicóloga.

A terapia a ajudou a enxergar que era emocionalmente dependente e, ao se dar conta de tal fato, quis corrigir sua vida; obter um novo propósito, principalmente após ouvir as palavras de Helena, sua psicóloga.

"Afaste-se de pessoas negativas. Procure estar junto de quem quer vê-la bem, quem a impulsiona a seguir seus sonhos. Dos que te puxam para baixo, mantenha distância. Não vale a pena o desgaste de tê-los por perto."

Foi então que se deu conta de que o pior deles vivia sob o mesmo teto que ela. Sofreu de uma forma inimaginável durante os primeiros meses, não por amá-lo, mas por estar acostumada com sua presença e sentir falta do que ela acreditava ser carinho e cuidado. Ele era bom em manipulá-la. Lhe dava doses homeopáticas de afeto quando lhe era conveniente, e ela, carente, enxergava mais do que realmente era. Dar um basta naquela relação havia sido a melhor decisão que tomou para si, como se tivesse se livrado de um peso morto.

Fechou os olhos e respirou profundamente, jogando as lembranças desagradáveis para um canto obscuro de sua mente, onde procurava não visitar, mas que, por alguma razão, aquelas lembranças e sentimentos ruins sempre encontravam um jeito de vir à tona.

Forçou um sorriso, como estava acostumada a fazer, e acompanhou Lucas até o cenário que haviam preparado para a sessão de fotos. As horas de trabalho a ajudariam a esquecer as recordações amargas.

Mais Do Que Sonhei [Desejos Ardentes - Livro Dois]Onde histórias criam vida. Descubra agora