Capítulo 19

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Thilor entregou um revólver quase caindo aos pedaços a Kilyan. Ariela olhou para ele e tomou a arma de suas mãos. "Pode deixar que eu assumo esse peso", ela sussurrou para o amigo. Thilor apontou pela janela quebrada para o homem que ele desejava morto e voltou para dentro do bar.

- Ari, pode deixar que eu...

- Eu consigo - a menina interrompeu. - Meu coração é mais frio que o seu, e sei que você se sentirá mais culpado depois que tudo isso acabar.

Vendo que insistir seria inútil, Kilyan calou-se. Ariela acenou para que ele se afastasse e se agachou perto da janela, escondendo-se. Mirou em seu alvo e, como se isso não significasse nada, atirou.

E acertou.

Bem na cabeça.

O homem caiu imediatamente, sua cabeça jorrando sangue, fazendo todos ao redor se assustarem. A bagunça foi imediata.

- Corre! - Kilyan gritou, instintivamente.

- Mas e o Thilor?!

- Encontraremos ele. Agora  a gente tem é que ficar vivo!

Eles dispararam em direção à saída do vilarejo,se embrenhando no meio das árvores. Ariela sinalizou um buraco no chão coberto por musgo, chamando Kilyan para se esconderem ali durante a noite, já que estava anoitecendo. Logo ao amanhecer, encontrariam Thilor.

Era uma caverna subterrânea. Insetos horríveis e enormes espreitavam pelas paredes de pedra escura e fedorenta, mas não pareciam ser uma ameaça. Os amigos seguiram pelo túnel cavernoso até darem de cara com um lago. Porém, era um lago de água negras, cuja água caía do teto. Perceberam que era dele que saia o mal cheiro, e quando chegou perto, Kilyan conseguiu ouvir lamúrias e súplicas, como se houvessem pessoas sendo torturadas ali.

- É a mesma água que corre no Rio Schlange - disse Ariela, estupefata. - Me lembro de ter estudado isso antes de vir pra competição, com minha mentora. Esse rio é composto por almas semimortas liquefeitas.... dizem que há várias pessoas que ficam completamente loucas, como as almas, por simplesmente encostar na água. Outras, porém, aquelas que de acordo com as lendas têm a alma valente, não são afetadas. Bom, acho melhor não brincarmos com isso.

- Devemos estar embaixo do Rio - observou Kilyan. - Será que é seguro ficar aqui?

- Com certeza é mais seguro do que lá em cima, onde provavelmente estão nos caçando para arrancar-nos a cabeça.

Eles se sentaram a beira do rio, lado a lado, e ficaram calados, somente observando um ao outro. Ariela se pegou observando os cabelos ruivos e emaranhados de Kilyan, admirando pela primeira vez sua beleza após o seu primeiro contato com o garoto, apesar do estado em que se encontravam. Rapidamente afastou esse pensamento. Ela bem pensada nisso durante toda a competição, por que agora? Após alguns minutos em completo silêncio, Kilyan falou:

- Você nunca havia matado uma pessoa, não é?

Ariela remexeu-se.

- Não. E obviamente não estou me sentindo bem por ter matado. Quando eu vi o sangue jorra do da cabeça eu... eu não sei porque estou te falando isso. Passei a vida inteira me considerando uma pessoa fria, sem sentimentos, mas desde que essa competição começou minha mente virou do avesso. Passei a me importar com vocês, até mesmo com Magnelia apesar de não gostar muito dela, e principalmente com você... estou sentindo como se a parede de gelo que passei a vida inteira construindo em volta do meu coração estivesse derretendo, e não tenho certeza de que isso seja algo bom.

Kilyan aproximou-se mais de Ariela, segurando sua mão. Quando a menina deixou que Kilyan as segurasse, percebeu que suas próprias mãos estavam tremendo e que seu coração deu uma leve acelerada. "Mas que diabos é isso que estou sentindo?", pensou ela, assustada com as novas emoções. A Phi realmente estava mudando-a.

- Na minha dimensão, eu era obrigado a fazer trabalhos braçais que acabavam com minhas forças... - contou Kilyan, de cabeça baixa. - morava com minha mãe e minha irmã, Fanny, em um casebre, no meio daquele deserto insuportável e fumegante. Foi então que, um dia, um dos homens para quem eu trabalhava foram até nossa casa, alegando que minha irmã de 10 anos já estava na idade ideal para ser vendida em casamento. Fanny começou a chorar e gritar que não queria ir, então um dos homens a chicoteou e a nocauteou. Eu perdi a cabeça e entrei em uma briga com ele. O homem conseguiu me derrubar, mas consegui me erguer dando um último golpe que acabou com sua vida. Essa foi a única vez que cheguei a matar uma pessoa. E me senti péssimo com isso, remoendo o sangue do homem em minhas mãos durante a noite inteira. Porém, eu sabia que era a coisa certa quando minha irmã me abraçou. Desde então comecei a praticar luta para caso houvesse um episódio como aquele de novo, e é por isso que sou bom em lutas corporais. Obrigado, por ter me salvado do fardo de matar aquele homem hoje...

Ariela ficou sem palavras. Queria dizer que sentia muito, sentia muito por aquela vida desgraçada que ele tinha, sentia muito por ter reclamado a vida inteira sendo que ele estava muito pior e mesmo assim conseguiu manter aquele bom humor contagiante. Porém, Ariela sabia que palavras não conseguiriam expressar nada, e foi por isso que, num ato impulsivo de seu corpo, ela se inclinou e colou seus lábios nos dele, num beijo rápido e suave. Ele olhou para ela e abriu um sorriso, bastante surpreso, mas aparentemente satisfeito. Deitaram-se naquele chão duro e adormeceram, com a esperança pairando no ar.

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