Deschamps, II

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       Antes uma retratação explicativa:
Não leia esperando inteiras alegrias e bonitos finais, não desejo decepciona-los tanto que já o faço. A minha natureza e o objetivo do meu trabalho não permitem que sejam assim as coisas. Mas se atentem aos detalhes, são eles que eu escrevo.



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 Aos domingos Caleb acordava um pouco mais cedo que os outros dias. Em vez de ir ao encontro dos amigos Carlos e Ruy para irem a pequena praça Saint Helena passar o dia a jogar seus jogos, nesse dia ele ia com seu pai tratar da padaria.
 Durante o dia entre os fardos de trigo que chegavam e os fregueses que compravam ele atentava com seus pequenos olhos castanhos claros para o esforço do seu pai em tratar todos igualmente em respeito. Talvez por isso aquela padaria nunca parasse.
 Nos raros momentos de folga eles conversavam e Audry ensinava coisas sobre a padaria e sobre a vida ao seu filho.


 No fim de Outubro de 1344, no último domingo do mês e por coincidência seu último dia também, o vento frio de Novembro já chegava fazendo com que o acúmulo de pessoas na rua diminuísse... e o de fregueses também. Eles já tinham separado as boas sacas de farinha e trigo.
 O pequeno Caleb já não era mais tão pequeno. Mesmo tendo 9 anos, já era maior e um tanto mais forte que os outros meninos, tinha o porte de um adolescente. Seu pai já lhe deixava carregar alguns dos fardos mais leves. Enquanto observava seu filho carregar seu último fardo, Audry diz:
— Você tem se tornado um homem bem rápido, Caleb. — olhava pra ele com um rosto de orgulho, mas por algum motivo tinha um toque de tristeza que nem mesmo Caleb, observador que era, conseguiu identificar — Na sua idade eu não precisava me preocupar com tanto, os vários irmãos e o bom trabalho do meu pai me deram essa folga.
— Gosto de ajudar aqui, pai. E aprendo a ser forte... como o senhor é! Quero ser muito para cuidar dos outros. — Caleb tinha um brilho nos olhos ao falar do seu pai. Era de longe o seu exemplo, a pessoa que ele queria se tornar quando crescesse e aos olhos dele se resumia a força de um guerreiro.


 E ele tinha realmente a força de um. As várias e várias noites de viagem, os problemas com a família e o medo recente do avanço da guerra com os ingleses e da batalha com a Peste Negra poderiam derrubar qualquer positividade nele. Mas ele nunca deixava de chegar com um sorriso no rosto a sua casa a noite.


 Feliz e surpreso com a resposta do filho, Audry sorri.
— Sempre pronto a ajudar esse meu garoto. — e bagunça os cabelos castanhos do garoto, sujos do trabalho com farinha. — Força é essencial para ser um bom homem, mas você sabe o que mais é preciso?
 Caleb negou com a cabeça.
— Sabedoria, Caleb. É o mais importante. Ela te dá a força pra você ser uma grande muralha pra aqueles que você ama. Mas não tem como resolver com força algo que só o tempo pode arrumar, então a sabedoria te dá paciência. Também não tem como resolver com força algo que é preciso todo cuidado, então ela te dá bondade. E pra algo que envolve várias outras pessoas, todas elas diferentes umas das outras, você vai precisar de justiça. — Caleb prestava atenção como se cada palavra do seu pai precisasse ser anotada num livro dentro dele. Audry passava sua experiência com tanto cuidado e amor que parecia estar escrevendo diretamente no coração de Caleb.
— Uma vez, numa das nossas viagens a fornecedores um homem tentou me roubar a sua mãe. — Audry ri enquanto Caleb se emburrece — Ele a tinha visto nos pátios da praça da cidade e achou que eu era um mercador qualquer e queria toma-la. Se eu não tivesse usado de sabedoria, nós nunca teríamos saído daquele lugar porque a cidade era dele... e hoje ele não viria aqui todo fim de mês deixar seu carregamento de trigo conosco. — Um pouco de silêncio até que se lembrasse do senhor Wixxlen, um homem grande e forte que vinha de um vilarejo distante dali, o que surpreendeu a Caleb mais ainda — A sabedoria me fez ganhar a confiança de pessoas difíceis, e me fez ser a muralha e também a fogueira que mantém aquecida e salva do frio a nossa família. 

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