" Eu não tive tempo pra pensar. Não, eu não estou dando desculpa, eu não deveria precisar de tempo pra pensar, pra escolher o que era certo. Mas eu não fiz."
O coração de Aloys ficou tenso. Era como se tivesse parado de bater por uns segundo e rapidamente voltado com toda intensidade fazendo com que o próprio mudasse de local e se alojasse na garganta. Tensão que ele não podia demonstrar.— Como assim saber dos meus amigos? O que... o que tá acontecendo? — disse Aloys se posicionando no sofá.— Ouvimos coisas. — disse um dos senhores. Era mais baixo, e tinha uma voz mais mansa. E levando em conta a fama da SS, esses eram o que se devia ter mais medo. Eram linha de frente numa guerra de espiões, e nisso quando mais sangue frio, melhor. Se chamava Hunzl, ou pelo menos era assim que Aloys o conhecia. — Ouvimos coisas e começamos a investigar. Desde o dia em que começamos a encarcerar e expulsar aqueles miseráveis judeus da nossa terra.— Coisas?— Beatrice Kaiser. — disse Aaron, lendo uma folha de papel — Há vestígios de que em 38 ela estava escondendo eles pelo país. Mas não dá pra esconder tantos por tanto tempo sem ser pego. De algum modo ela está tirando eles daqui.— Não é possível... Ela... Ela viaja tanto, ela dá aulas, é uma professora maravilhosa, ela não teria tempo pra esse negócio de judeus. — Aloys diz, meio sem jeito, quase deixando se decair em nervosismo.— Aloys, a gente sabe que não é você. Você não estaria quase no Partido se a gente não te observasse muito. Mas seus amigos, não sei, há tantos boatos. — os soldados se entreolham.— Mas se vocês tem essas coisas ai, por que precisam de mim?— Não há provas concretas amigo. E nós da SS só trabalhamos com assinaturas. Assinaturas de testemunho. É só assim que estamos entrando aqui na Áustria. Se alguém confirma, a gente vai lá, dá uma olhada, uma conversada, pra saber. Conversada. Expressão cuspida com desdém. Tão costumeiro entre eles.
O negócio é que eles não tinham nomes. Nem locais e não podiam atacar uma ariana de cor tão respeitada pelo Fuhrer. Se não estivessem corretos seria o fim deles na policia nazista.
— Eu não sei. Eu não sei de nada caras, — Um silêncio por uns segundos. Pensamentos que planavam sobre suas nuvens de tempestade.
"Com amor, Beatrice"
E se?
— Se eles fazem algo... eles não me falam. E da Beatrice... a gente não tem mais...contato. — era triste dizer isso, porque vinha acompanhado do carinho que já teve, e da alegria que ela passava, e depois aquela últimas imagens caiam por cima como uma bigorna imensa o esmagando, as ultimas imagens dela cuspindo palavas sobre ele, e seus olhos, outrora belos e brilhantes, agora frios.— Hmm, "nada". Mas você já deve ter visto alguma coisa, qualquer coisa.— Não — "Com amor, Beatrice" — , nada. Aaron coça a barba. E depois de se ajeitar na cadeira, passa a falar.— Entendo. Pra todos os efeitos, a gente só precisa de uma coisa. Aloys faz uma cara de que não está entendendo, então o que chamavam de Hunzl disse o que queriam.— Assinatura de testemunho.— Mas...eu já disse que não vi nada demais.— Não precisa ter visto, só diz que suspeita, que pode ter, ou sei lá o que mais, e a gente só vai dar uma olhada. Só.— Como assim "nada demais"? — o que estava quieto falou. Jun, era o nome que chamavam. Cabelo loiro, olhos negros. Aparência de ter uns 40 anos, mas certamente traços da guerra que o envelhecera.— Ah, coisas da Beatrice. — Aloys coçou a cabeça por ter dito demais — vi, ah, sei lá, uma folha, tinha assinatura dela, e uns nomes.— Nomes?— Não sei quem são, deve ser coisas do trabalho dela. Estava...com o Wael.Os soldados se olham e Hunzl escreve algo numa pequena caderneta.— Na casa dele? — disse Jun Aloys se retrai.— Aloys, não faremos nada com seus amigos. Só queremos conversar. — Enquanto Aaron fala, os outros se entreolham. — Advertir é a palavra. Não se pode ajudar judeus. Eles tem uma arte de impressionar pessoas mas no fim? No fim são a praga do mundo. Mas nem todo mundo vê. Estamos...ensinando isso, até pros nossos. E se você conseguir nos ajudar...Quem sabe veja 40% a mais em contratos em nossas siderúrgicas. Todos ganham, você, seus amigos, a gente.
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A Morte escreve Vida
Ficción históricaEnquanto vivemos, passamos despercebidos por muitas coisas. Momentos, aprendizados. Nos tornarmos ou deixarmos de nos tornar coisas em determinados momentos podem ditar toda uma vida - ou várias delas. Toda vida tem um emaranhado de detalhes. E esse...