Martinez, II

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Já havia passado 3 anos desde a morte do pai do JK e de toda complicação que esse acontecimento trouxe a família. O problema policial nem foi o maior deles. Apesar de toda burocracia devido a um homicídio, a polícia de NY não daria tanta atenção a um assassinato no Bronx, afinal era o que mais acontecia. E com todos os indícios de auto-preservação da vítima o caso logo foi encerrado.  A pobreza foi um dos maiores problemas. Apesar de ser um homem ruim, era dele que vinha parte do pouco dinheiro que alimentava a família e agora eles precisariam se virar. Carmen passou a trabalhar mais, mas o dinheiro continuava pouco para eles. Mas eles iam vivendo como desse. E a mente, a mente do homem é seu maior inimigo. Os três, e principalmente o JK que havia puxado o gatilho, tinham danos psicológicos desde então. Ele tinha se tornado mais quieto. Sua irmãzinha Flávia as vezes tinha pesadelos com a cena. E Carmen sofria por eles. O homem mal danifica até depois da sua morte.

 Mas algo mais tinha mudado. O jeito de lidar com as coisas talvez. Não consegui identificar olhando de tão longe, mas com o tempo as coisas iam clareando o suficiente pra que eu pudesse chegar perto e ver.

 Com o tempo os meninos cresceram, uns foram embora, outros como o JK ficaram. As gangues começaram a nascer no coração de NY com a mudança de mentalidade dos jovens, querendo somente curtir a vida e mostrar que estavam ali seja qual for a maneira que usariam pra aparecer pro mundo. E pra maioria dos garotos do Bronx entrar numa gangue era o único caminho aceitável. "Vestir roupas maneiras, curtir um som, fumar", isso atraia quase todos eles numa época que não tinha muito a oferecer sem lutar. Sancho era o único amigo que tinha insistido em lutar. Terminou o colegial e agora buscava um emprego bom. Todos os dias pela manhã JK o via passar arrumado do outro lado da 6th e todos os dias a noitinha o via passar.  Era uma vida dura, mas justa.

 Eles poucos se falavam. Pelos caminhos que escolheram trilhar era de se esperar que não andassem juntos no mesmo vagão da vida, mas ainda se conheciam muito bem, ainda tinham o respeito um do outro. JK já tinha deixado a escola já a algum tempo, mas fazia um trabalho ou outro com o vizinho de cima que trabalhava com marcenaria. As coisas iam. Iam lentamente. Ele não gostava de lento. E ia se irritando lentamente com a vida.



 Por volta de Maio de 70 a Mad Maus chegou àquela parte do Bronx. Era em sua maioria negros mas que aceitavam porto riquenhos com eles. Vestiam uma jaqueta com um Touro raivoso no fundo, com um cigarro na boca, e chamas em volta. Característico das gangues as chamas nos seus desenhos, talvez se identificassem com suas propriedades destrutivas. Usavam roupas em cores vermelhas, marrom e pretas por baixo das jaquetas. Um fardamento apropriado pra uma gangue que era conhecida em metade de NY. E não por coisas boas. Mas o fato de conseguirem dinheiro era o atrativo, o maior deles.



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19 de Julho de 1970.

 Era fim de tarde. O céu tinha um tom alaranjado de vermelho. Era como se conseguisse, como em ondas, transmitir tanto leveza como um certo peso no avermelhado. Pequenas e quase incolores nuvens caminhavam tão lentamente quanto o Josh, que agora podia voltar pra casa sem pressa aos fins de tarde. Em seu rosto o cansaço do dia e o alívio de vê-lo terminar.  Tinha naquela manhã terminado uma obra de marcenaria com seu vizinho e antes das duas horas da tarde já estava livre. Passou seu resto de tarde com seus amigos, maioria deles agora membros da Mad Maus. No lento caminho pra casa vê as pessoas também na sua luta diária. Dona Frances mesmo idosa subindo a rua com duas sacolas de compras. Seu Mário varrendo a entrada da padaria, enquanto voltavam do trabalho ele iniciava o dele. E viu o Sancho de longe entrar em casa, como sempre no mesmo horário.  Finalmente chega a porta da sua casa. Uma porta de madeira antiga e gasta que logo precisaria ser trocada. Era a primeira porta e estava lá desde que chegaram ao Bronx. Em seu mar de observações viu que a pintura também precisava ser refeita já que queria trocar a porta. Já estava nos planos e ele conseguiria. Abriu a porta, entrou em casa. Apesar da humildade a casa tinha um cheiro maravilhoso de... paz, eu diria. E um toque de lavanda.  A casa estava recém limpa e sua mãe estava terminando de limpar a escrivaninha. Estava abaixada limpando detalhisticamente a última parte dela, não gostava de nenhum pingo de poeira.— Olha a coluna ein — disse o Josh, rindo.— A velha aqui ainda limpa as coisas melhor do que você — retruca a piada dele — Onde você estava? Pensei que ia chegar mais cedo.— No fim da rua com os garotos — diz Josh já sabendo que veria desaprovação. Nesse momento ela para de limpar a escrivaninha, lança um olhar sério sobre o JK e se levanta lentamente de onde estava, e dá uma respirada profunda com as mãos nas costas.— Parece que já não estou assim tão nova — era uma prática dela deixar o clima mais a menos, sem a tensão no ar. Depois de alguns segundos ela diz — Garotos de uma gangue né? Fiquei sabendo. — O que tem? Fala como se fossem vilões ou algo assim. Conheço eles desde pequeno.— Maggie do 8th me disse que os viu no Pelham... fazendo coisas erradas, Josh. — arqueia as sobrancelhas ao dizer o nome dele. Jeito dela de tentar mostrar o quão sério era aquilo.— A Maggie vê coisas demais desde sempre. E não me olha assim. Eles não são ruins. São felizes. Fazem o que querem mesmo vivendo nessa merda de lugar. — cospe essas ultimas três palavras com um rancor inimaginável. Carmen já estava procurando outros afazeres quando decide parar e voltar toda a atenção pra Josh.— Essa "merda de lugar" é nosso lar, Josh. Eu só queria que você desse valor a isso um pouco — há um toque de tristeza em seu olhar, no profundo deles, como se pensasse na possibilidade de ter errado em algo.— E eu não dou valor? Eu estou aqui. Eu tento. A gente tenta. Mas a gente só recebe merda na cara desse mundo idiota. Eu to cansado disso. — não consegue dizer essas palavras olhando diretamente pra mãe, talvez se envergonhe de ter cansado.— Eu já estou velha. Não posso tirar vocês daqui e levar pra um lugar melhor. Mas você... e sua irmã, ainda podem. Mesmo você não gostando tanto de estudar quanto ela e o Sancho — nesse momento o JK lança um olhar de irritação sobre ela — mas ainda pode, se não perder a esperança.— Sempre esse papo né?— Josh...— Não mãe! E o que o Sancho tem a ver com isso? A senhora sempre quis que eu me tornasse ele — paciência nunca foi uma virtude do JK.— Nunca, Josh. Sempre quis que você fosse você. Mas que aprendesse a ser bom.— Desculpa se não sou bom pra senhora. — Para por uns segundos olhando o chão limpo numa parte que ainda não está tão seca. Talvez não fosse realmente bom pra ninguém. — Quem sabe um dia eu acerte em algo.— Josh... Eu amo você. Só quero que você tenha a vida que eu não tive e faça as escolhas que eu não fiz na vida... Olha. De algo eu posso me orgulhar. Você trabalha com seu vizinho na marcenaria. Ainda tenta, e por favor, continue.— É. Talvez não dure tanto esse orgulho. — diz essas palavras baixinho como se fossem pra si mesmo e com um olhar triste já sabendo que desapontaria mais a mãe. Mas quem sabe aquilo valesse de algo. Algo que os tirasse dali. Eles têm alguns segundos de silêncio em que se entreolham com olhares tristes. Olhares que dizem muito.— É. Tenho que terminar de limpar. Sua irmã chega em minutos — Já estava dando as costas quando volta, olha os olhos do seu filho e diz — Amo você, JK. Não esquece.— Também te amo, mãe. Há tristeza em suas palavras. Não por ser mentira. Mas por ser uma verdade que vá doer em alguns momentos. Será que por amor ele poderia ser alguém ruim e tentar salvar os bons?

 Carmen se vira e vai à cozinha. Segundos depois Josh acorda do seu triste devaneio e vai à escrivaninha. Abre a última gaveta e procura no fundo. Ela ainda está lá. Lhe disseram que a partir de agora ele precisaria dela. Então a guarda na cintura. O aço gelado encosta em sua pele e lhe dá um calafrio. A forma é desconfortável na cintura, mas dá pra acostumar. Talvez vá precisar de mais pra cobrir e ninguém perceber. — Uma jaqueta — ele pensou — É, vou ter uma jaqueta daqui uns dias. Fechou a gaveta e foi em direção ao quarto pensando no que sua mãe tinha dito. Que ele ainda tenta. Talvez aquela também fosse uma forma de continuar tentando. Agora resolveu tentar diferente.

 Por isso 2 horas antes tinha aceitado o convite deles. De ser um membro da Mad Maus.

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