Um momento para analisamos o caminhar do tempo. Informações podem ser uteis para que vocês entendam que a chuva está prestes a mudar de garoa para tempestade na humanidade.
No início de 1933 Hitler foi nomeado chanceler alemão. A mais alguns passos naquele mesmo ano viria a implementação da ditadura nazista naquele país. E a chuva começava a ganhar força. Os ideais de Hitler eram claros. Poucas almas vieram as minhas mãos com um peso tão grande e sujo. Ele era aquele que impulsionou a tempestade. Ele não respeitava a vida daqueles diferentes dele. Um instinto de superioridade criado pra dividir. Mas essa história não é dele. Em 1938, a Áustria foi anexada a Alemanha. Sem acordos, mas uma invasão, que foi surpreendentemente aceita. Sem reclamações e oposição, o povo austríaco viu o exército alemão entrar. Eles haviam aceitado a chuva com o passar do anos. E muitos até passaram a fazer parte dela. E ela continuava a aumentar de intensidade.
1938.
"...Com o tempo você me deixou sozinho na empresa. Seu casamento com a Su foi maravilhoso. Se lembra do Berk dançando com as primas dela? O Berk era realmente a vida do nosso grupo. Vocês ficaram com a loja e eu aqui com o Armazém. Felizmente, vocês ainda me faziam as contas finais. O Berk seguiu viajando muito. E a Bea passou a viajar também, ensinava história a socialistas pelo país. Bem, era ela isso.
O mundo da gente virou quando o Adolf entrou no país. 1938. Foi quando os judeus tiveram um ultimato. E nós, austríacos, uma decisão.
Aqueles meses seguintes... Neles vi o Abbe pela última vez. E no mesmo dia falei com a Bea pela última vez."
10 de Novembro de 1938.
Era uma manhã fria em Viena, mas o sol já adentrava pela janela mais alta do armazém. Refletia num espelho e ia direto no rosto de Aloys. Ele tinha ficado até mais tarde do dia anterior organizando os papéis da venda de mais um dos caminhões que tinha. As coisas estavam se recuperando economicamente mas ainda tinha contas a pagar. Dormiu sobre as últimas folhas. Até aquele momento que o sol o acordara. O sol e o burburinho lá fora. Ele certamente se lembrava de ter ouvido durante a madrugada por quatro vezes carros da SS passarem na frente do armazém. Mas agora ouvia nas ruas de trás o som de vidros sendo quebrados.— Mas que inferno estão fazendo por lá? — dizia, coçando os olhos. — Sei que judeus gostam de festividades, mas essa de quebrar coisas eu não conhecia. As lojas das ruas de trás eram as últimas que restaram dos judeus austríacos, porque já estavam distantes do centro de Viena. No final do seu pensamento, Aloys ouve batidas fortes no portão do armazém. — Meu Deus, a essa hora? Mais quatro batidas fortes. E uma voz um pouco mais abafada pela distância da sala pra garagem do armazém. Mas uma voz que ele com certeza reconhecia.— Aloys! — era a voz de Beatrice. Ela estava em Innsbruck na última semana, pelo menos era o que ele ficara sabendo por Susanne. Mas pelo visto já tinha voltado a Viena. Aloys serra os olhos e adianta os passos até o portão de ferro, na entrada da garagem. — Já estou chegando! — grita pegando as chaves sobre a mesa que ficava no final da garagem.
Abre o portão e a luz do início do dia vem direto em seu rosto.— Preciso da sua ajuda, e tem que ser rápido, estão subindo a rua. Leva alguns segundo pros olhos dele se acostumarem com a luz. E assim que consegue ele se depara com dois carros. Um que provavelmente era o que Bea estava, era o que estava com a porta aberta. Nele estavam alguns dos amigos socialistas que ela fizera desde que começou a ensinar história pelo país. Ela já os tinha apresentados aos Brilhantes de Hetzendorf, meses atrás, Aloys se lembrava deles. O motorista era Alex Lange. Como seu sobrenome já remota, ele era alto, e magro. Parecia um poste claro. E tinha bastante esperteza nos olhos, olhos castanhos escuros e sem muito brilho. Nos bancos do fundo estavam Ella e Maximilian Weiß. Ella lembrava um tanto a Beatrice, só não tinha olhos tão claros e vivos. E Max era sua versão masculina. Assim como Aloys e Wael eram gêmeos. Os mesmos olhos espertos contidos em Alex, estavam neles. Só que havia pressa neles e que Aloys logo saberia por quê. No segundo carro estava o mais importante. O motorista era outro socialista do qual ele não lembrava o nome, mas todos os outros lugares estavam ocupados por judeus do fim da rua. Abbe estava no carro. Algo parecia errado, ele estava ferido, um corte na cabeça que ainda não tinha parado de sangrar. Estava visível mesmo a metros de distância.— O qu..Que merda é essa aqui? O que ta acontecendo? Porque ele ta sangrando?— Tá acontecendo Ally — Havia um tanto de desespero nos olhos dela. E tristeza também — , eles estão atacando os judeus. A gente precisa fazer algo.— Como assim atacando? E quem você disse que ta subindo? — A SS, quem mais poderia? Hitler resolveu matar todo mundo que não fosse alemão. A gente precisa tirar eles daqui, olha só como estão — diz apontando o carro — , eles quase foram pegos na subida da rua, se não fosse o Abbe com o caminhão...não sei o que seria deles. Eles acabaram incendiando o caminhão dele lá na terceira rua, e estão vindo atrás. Ao longe se ouve palavras de ordem. Está distante mas não me parece que todos que estão gritando estão sóbrios. Ou talvez fosse o normal dos loucos nazistas.— A gente só precisa... precisa de um tempo, ok? Deixa eles no galpão com o carro. Não vai acontecer nada. A gente só precisa garantir que eles saiam daqui. O coração palpitava forte. Mas parecia uma decisão fácil. Parecia. Todos sabiam o que acontecia com quem protegia quem estava sendo caçado pela SS. E agora era a vez dos judeus.— Não, calma. Todos? Eles estão passando nos lugares. Se eles entrarem aqui, só Deus sabe o que me acon...o que acontece com todos nós aqui dentro. Não dá pra por o carro ai.— Alloys?! Nesse ponto, Alex já desceu do carro e está do lado de Bea.— A gente consegue um outro lugar, temos que ser rápidos. Abbe desce do carro e vem.— E então?— Parece que não vai poder ser aqui, bonitão ai não quer arriscar. — diz Alex. Abbe olha pra Aloys e seus olhos mudam. Por um tempo Aloys vê os mesmos olhos de quando eles conversavam sobre a dificuldade de Abbe em transportar pra Alemanha. Os olhos de alguém que não tinha sua dor entendida. Mas naquele momento eram mais tristes e dolorosos.— Ah, entendo... é um carro grande pra esconder. Bea seguia calada. Indignada.— Não é isso, eu... eu não to me negando, é só... Eles podem pegá-los aqui, é muito perto. — Aloys se entristecia com suas próprias palavras. O som das palavras de ordem seguia aumentando. Junto com o som de vidro quebrando. Era fácil identificar que já estavam no início da rua principal, onde ficava localizado o armazém.— Fica pelo menos com a Lea e a Valentina. Elas podem se esconder fácil no armazém, eles não estão revistando os lugares... só, por favor, deixa elas ficarem. Eu e o Marco nos viramos e depois a Bea vem buscá-las. Tinha uma mulher e uma criança no carro, era a irmã e a sobrinha de Abbe. Era uma criança linda, devia ter seus sete anos. Como um ser podia desenvolver ódio a um povo inteiro, incluindo crianças assim, somente pela raça?— Ok — disse Aloys, preocupado com o início da rua — , elas ficam. Vocês vem buscá-las, certo?— Sim, a tarde. — disse Bea, já com outra expressão pra ele. Não era boa. — Rápido, vamos meninas. Entrem. Esteja aqui, Aloys. Elas se despedem dos outros no carro, Abbe dá um beijo na testa da sobrinha e entra novamente. Já dentro do carro ele olha pra Aloys e dá um leve sorriso. Nos olhos o mesmo peso de antes mas ainda assim ele agradece balançando a cabeça. Não consigo identificar qual era aquele sentimento, talvez fosse um conjunto deles agindo juntos num momento de desespero. Com certeza não era um dia bom.
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A Morte escreve Vida
Fiksi SejarahEnquanto vivemos, passamos despercebidos por muitas coisas. Momentos, aprendizados. Nos tornarmos ou deixarmos de nos tornar coisas em determinados momentos podem ditar toda uma vida - ou várias delas. Toda vida tem um emaranhado de detalhes. E esse...