Martinez, IV

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O tempo foi passando e o JK não buscou o caminho contrário como o Benjie. Talvez seja nisso que os humanos depositam toda a culpa por permanecer em velhos erros: O tempo. Ele passa e faz com que eles esqueçam de coisas que prometeram nunca fazer. Passa e faz com que esqueçam de coisas que prometeram que iam mudar. E assim permanecem nos velhos, porém já habituados, erros.  A febre das gangues tem uma ligeira baixa, mas não no Bronx. Coisas novas vem, como um novo som que chamam de Hip Hop. E entre a guerra rotineira de gangues, a venda de drogas e a eventual disputa com a polícia de NY pós assaltos, o JK ainda curtia esse novo movimento musical e os antigos como o próprio Guetto Brothers. Em alguns dos fins de tarde mantia as velhas amizades em dia. Saia com o Break Town e o Julian, pra fumar seus baseados no St. Marys. Havia se tornado um ritual pra manter a mente em paz. Acabou criando um outro ritual. Quando levantava mais cedo que os outros, saia e sentava no último degrau da escada de casa, acendia um cigarro e fumava enquanto via o sol subir. Algumas pessoas já saiam de suas casas e ninguém gostava muito de encarar ele e ele entendia o triste porquê. Somente os poucos antigos ainda o tratavam igual, Dona Maria acompanhava o neto com o carro de mão de frutas, o Zé ia abrir cedo a padaria. E o Sancho que sempre passava indo ao trabalho do outro lado de NY aquele horário.— As coisas deram certo pra alguém afinal — pensava o Martinez. Já não tinham nenhuma proximidade, mas ainda se cumprimentavam e, no fundo dos olhos se via a raiz da antiga amizade. Ele não sabia no que Sancho trabalhava, mas ele parecia feliz no que fazia. Tudo parecia monótono, mas lentamente ele decaía. E em sua queda aos poucos se entranhava no fundo mais escuro da gangue e passou a se envolver nos assaltos no centro de NY. Era uma perna da gangue sem muito comando que dizia tirar dos que sempre tiraram deles. E essa parte foi a "maça do Éden" para o Martinez que sempre quis se vingar da existência por tudo que tinha. Ou melhor, do que não tinha.  E aquilo o consumia. Consumia e ele não via. Até que em certo ponto, no qual os humanos caem em si, e já não tinha mais pra onde voltar. E esse ponto o retalhou mais que qualquer coisa na vida.





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 Já é manhã daquele dia 2 de Novembro de 1974 e o JK nem se deu conta da noite passar. O sol já se levanta no horizonte enquanto a música ainda toca naquele evento de Hip Hop. O próprio Kool Herc tinha aparecido por lá aquela madrugada e era o melhor som de break que o JK já tinha ouvido. Não era atoa que o Herc era o inventor daquilo tudo. JK está na janela daquele segundo andar olhando o sol se levantar e brilhar aos pouquinhos. Ele está naquela sala com mais quatro parceiros de gangue. Break Town que havia passado a acompanhar ele nos seus novos trabalhos. Um homem que chamavam de Black River, era um negro baixo, mas bem forte. E um rosto ameaçador com duas cicatrizes na sobrancelha esquerda. Um dos irmãos Rocco, Marco. Pele um pouco mais clara que a do JK, tinha cabelos bem cacheados e curtos e estava sempre com um cigarro na boca. E um chamado John. Pouco se sabia sobre ele. Era um negro alto e quieto. Mas era bom como comando e não tinha fama de piedade. E por isso liderava. — Todos certos pro dia 4? — disse John. Aquele era o canto mais quieto do andar, mas ainda se ouvia muita música. — Se alguém tiver com duvida de algo é só falar que a gente resolve. Ninguém gostava de ter dúvidas quanto a assaltos, ainda mais com o John. Ele não gostava de repetir as coisas mais de duas vezes. Mas manter as dúvidas também não seria algo bom. Poderia valer a ida de todos pra uma penitenciaria americana, e ninguém queria aquilo.  Todos confirmam estar sem dúvidas. Não fariam algo considerado dificil. Era uma loja de penhores no centro de NY. Mas num local um tanto distante das várias academias de polícia, o que dificultaria a chegada deles antes que tivessem executado o assalto.— Martinez, você foi olhar o local? Nada de surpreendente por lá né?— Não fui. Eu te disse, era aniversário da mãe. O River foi com outro garoto — diz JK.— Tudo uma beleza por lá. Somente um segurança, e duas saídas se for preciso. A loja não é grande, mas temos que manter o controle das portas, pode aparecer alguém sem vermos. Vai ser fácil fácil — diz River sorrindo do jeito estranho dele.— Ok. Já sabemos o combinado. Repassamos isso três vezes lá. Entramos e saímos em menos de 15 minutos. Qualquer contratempo, fazemos como eles fazem conosco: Tocamos fogo em tudo e fugimos. Nova York é nossa e eles não podem fazer nada a respeito. — diz John acendendo um baseado. — E no fim de tudo, assim como pra eles, o que importa é a grana. Seria o quinto dos assaltos grandes daquele ano. Estavam ficando experientes nisso. Aproveitando a Nova York em caos. Afinal, era o que todos faziam: Tirar vantagem de algum maneira de algo ruim. Enquanto voltava pra casa aquela manhã, pensava no quanto já não se importava com a brutalidade das coisas. Sabia que o dinheiro não era dos vendedores, mas ainda assim os exporia ao trauma do assalto. E aquilo já nem o afetava mais. O tempo em erro já o tinha anestesiado.

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