Em Memórias, Sancho.

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Como em todas as manhãs, acordava com poucos raios de sol. Fazia um café forte, não permitia que a mãe se levantasse tão cedo pra fazer por ele. Vivia em função de protege-la e assim faria. Olhava pela janela a luz que pouco entrava e tocava a mesa pequena que tinha em casa. Respirava fundo e pensava que lá iria ele mais um dia. Quem sabe a frente a vida melhorasse, tudo funcionasse, e ele conseguisse alcançar o lugar que queria. Tirar a mãe dali, dar uma vida boa a ela. E a si próprio, sentia que seria um bom pagamento pelos seus esforços. Mas não tinha pressa. "Devagar e sempre" ele dizia. E seguia. Após o café vestia seu uniforme azul escuro, de uma empresa de entregas que tinha lhe dado uma chance. Eram raras as chances cedidas a meninos do Bronx, e as poucas não eram tão agradáveis, mas ele não iria reclamar. Era uma chance afinal! Tinha esperado por tanto tempo por um emprego, receber um salário, uma vida digna. Não era muito, mas era seu. Antes de sair, vestia seu casaco preto. As manhãs de outonos sempre eram muito frias e o caminho ao trabalho era longo. Abre a porta e se põe na rua, sente o sol no rosto pela primeira vez aquele dia. Tão cedo, ainda não é o suficiente pra esquentar. Mas o dia é longo, logo logo será. Começa a subir a ladeira calmamente em direção ao metrô, vê aqueles que observou envelhecer também seguirem o caminho pra ganhar sua vida no mundo lá fora. Não é fácil pra ninguém por ali. Vê velhos amigos que hoje, são somente conhecidos, sentados na rua e se lembra do passado, de quando sem responsabilidades vivia, e era cheio de sonhos. Mas a vida não é só sonhos, tinha que agora correr atrás, e fazia. E mesmo perdendo alguns, ainda orava pelo sucesso deles. Entrava no metrô no seu melhor horário, ainda não era tão cheio, tinha pouco calor. Da pouca gente que tinha, alguns já até conhecia, era companhia de sempre no vagão. Outros sempre olhavam tortos, latinos e negros na maioria das vezes recebiam olhares de desaprovação. Mas era da vida e ele sabia que um dia isso ia mudar. Tinha que mudar. No trabalho era correria, todo tempo, Sol e chuva. Entregas, entregas e mais entregas. E tudo bem pra ele, era assim que ganhava a vida. Tinha feito um amigo que agora fazia entregas com ele. Rodrick era o nome, tinham até combinado de ir a um bar no Centro, beber umas. Rodrick disse que iria apresentar seus amigos do bairro pra ele, que saberia que ele ia gostar. O sol esquentou e o casaco já tinha ficado de lado no caminhão de entregas.  O dia tinha sido bom, todas cumpridas até então e já estava quase na hora de voltar pra base e deixar o caminhão.  A pior hora do dia estava pra chegar, o metrô das seis horas. Era sempre lotado e ele já estava super cansado pra ir de pé. Mas não era hora pra pensar nisso, ainda faltava a algumas entregas. Era 16 e 50 quando pararam em frente a Loja de Penhores. Três caixas medias eles tinham e era a vez de Rodrick carregar o carrinho e ele levar as notas. Sorri pro guarda e entra pra falar com a gerência. Tudo certo com as notas, tudo certo com o pacote. Passam 5 minutos lá dentro até conferir tudo. O dia tinha sido corrido, não tinha ido ao banheiro nenhuma vez e parece que tinha chegado a hora. Tinha um lá então decidiu ir antes de partir pra mais uma entrega. A vida tem dessas né? Eu tenho dessas. Ou já se esqueceu quem escreve?

 Já vimos isso aqui. Sabemos como termina.
 Mas não nesses olhos. Não nessas memorias.

 Depois de aliviar e lavar as mãos ele vem rápido pela porta. Não tinha tempo a perder, quem sabe pegasse o metrô mais cedo se conseguisse adiantar. Não percebera o silêncio absoluto quando saiu com pressa. Não viu as pessoas diferentes no local. Rápido. Tombou com alguém e quase pediu desculpas. Quase. Se não fosse o que caiu da pessoa. Era uma arma e naquela fração de segundo percebeu o que estava acontecendo. A mente de vocês funciona assim. Rápido. Não tinha muito a se pensar.Ou tinha. Ele podia ter só ficado quieto,mas o impulso, a merda do impulsoo fez tentar alcançar a arma caída. Não pensou nas outras armas apontadas. Rapidamente, no esticar dos braços ouviu um som tão rápido quanto sentiu a dor. Três disparos de alguém que estava do lado dele, um dos comparças do que parecia ser um assalto. Aqueles olhos que ele parecia conhecer de algum lugar eram olhos assustados. Mas que tinham acabado de lhe roubar a vida. Ele se sentia acabar. E por isso entrava, em silêncio, em desespero. Não podia deixar os seus pra trás. Quem os ajudaria? Quem cuidaria da sua mãe agora? Tinha que brigar pela vida, porque não tinha alcançado seu sonhos. Mas eu já estava lá. E aquela alma leve já era minha. Seria bonito dizer que ele morreu calmamente, mas não foi. Derramado naquele chão de loja, por um dinheiro que não era nem mesmo seu. E nem mesmo seria lembrado pelo dono daquele local. Mas nunca esquecido pelas pessoas do Bronx.   Aquelas que te amavam e que o viram crescer. As que choraram de tristeza. As que choraram de remorso.

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