𝐁𝐄𝐘𝐎𝐍𝐃 𝐈𝐍𝐅𝐈𝐍𝐈𝐓𝐄 ² | 𝙱𝚎𝚕𝚕𝚊𝚛𝚔𝚎

t w e n t y f i v e

* Dezesseis anos depois *

-- Clarke, eu não me lembro...

Ambos estavam trocando de roupa depois de um refrescante e demorado banho de banheira - juntos - quando Bellamy quebrou o silêncio fazendo Clarke parar o movimento de baixar o suéter e virar pra ele apreensiva.

-- Eu não lembro do nascimento da Zoe...todas as noites quando consigo dormir, eu sonho ouvindo um choro de bebê e vivo de novo cada segundo de quando Octavia veio ao mundo, mas quando tento me lembrar da Zoe...não consigo, é como se uma barreira preta me impedisse de acessar essa memória em específico. Eu sei que sou o pai dela, mas não visualizo o dia mais importante das nossas vidas e ainda sim lembro perfeitamente de quando carreguei Octavia nos braços...

Clarke termina de colocar a blusa de qualquer jeito e senta na cama dando tapinhas no colchão pra ele ir para o lado dela.

-- Há quanto tempo você tem notado isso?

-- Eu não sei... - ele massageia as têmporas frustado.

Clarke não sabia o que fazer pra ajudá-lo, temia essas situações desde que sua perda de memória se tornou frequente. Ja tinham se passado dez anos desde que botaram a filha pra dormir, ambos agora eram um casal de meia idade - se a perguntasse aos dezessete ela nem acharia que viveria tudo isso; líderes e guerreiros não vivem o suficiente pra contar história pra outros. Mas a luta deles não acabou precocemente por incrivel que pareça, houveram sim batalhas e machucados no caminho, pessoais e fora do controle de ambos, mas não era numa guerra contra o mundo, era somente eles dois e a necessidade de se adaptar.

Nos últimos meses Bellamy vinha tendo lapsos maiores, em segredo. Não queria preocupá-la por coisas supérfluas, como para onde estava indo ou o que tinha esquecido, coisas simples que o confundiam diariamente; ele sentia cada vez mais dificuldade em refazer um percusso mental de onde tivera minutos antes, quase como a mesma barreira que isolava a memória da Zoe, a mente dele não permitia que ele a atravessasse.

Só que aquela vez, era a primeira em que ele perdia uma totalidade de lembrança. Hoje esquecia a filha, e se amanhã esquecesse a Clarke?

Ela sabia os temores dele, cada um. Eram os dela também. Dezesseis anos juntos são quase duas décadas, no início ela acreditava piamente que iria surtar diante da fragilidade do estado dele conforme a doença avançasse, por ele e por ela mesmo, pela impotência de como ajudar no que ele precisasse.

Mas o amor...as pessoas não o inventaram quando escreveram em livros que o amor era cura. Ela só queria que ele curasse além de corações partidos, mas não era mágica. Se ela pudesse trocar de vida com ele, ela o faria sem pensar duas vezes. Bellamy era o tipo de pessoa que sentia-se bem doando tudo de si em prol do outro, não ser capaz de protegê-la ou cuidar dele mesmo, o mataria de desgosto antes da doença degenerativa.

No entanto, com tudo que Clarke viveu - e Bellamy ajudou a curar - ela conseguiu transformar a debilidade em força para os dois, e com o autocuidado ela aprendeu a enfrentar o medo de ambos, os unindo no processo. Eles cairam vezes demais para adquirir a habilidade de se levantarem sempre que precisassem, cada vez mais fortes.

Ela tinha ciência que as funções motoras dele iriam se perder até ele não conseguir comer, se vestir, andar sozinho; Ele poderia se desligar da realidade aleatoriamente, assim como o primeiro sintoma, anos atrás quando não soube onde havia deixado a Zoe, e com isso viria a irritabilidade e o isolamento ainda mais intenso, a perda de memória a longo prazo - o que ja estava acontecendo - até que ele fosse derrotado por sua própria mente e ficasse preso em uma existência que só existiria na sua cabeça. Clarke não estava pronta nunca para perder de nenhuma forma o amor da sua vida.