Capítulo III

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Daquela vez, eu me certificaria de que ele não me levaria no papo ou na correria. Após o fim da aula, não fui para casa e aguardei o Professor McWillians às portas da escola, perto dos armários. Ashley e Mark, me encheram de perguntas e de (dessa vez) protestos, e eu dei várias desculpas que não funcionaram, mas estranhamente, eles acreditaram quando eu disse que meu pai viria me buscar (o que não aconteceria de forma alguma). Já eram mais de 17:00 horas e o céu começou a escurecer com uma certa aparência de chuva, mas tudo bem.

Alguns minutos depois, eu avistei o professor vindo em minha direção. Ele logo me notou e veio diretamente a mim com um rosto amigável de professor.

-O que ainda faz aqui, Dan-i? - perguntou. É interessante a forma como ele pronuncia meu sobrenome sem o honorífico, o que na minha opinião, ele ainda não percebeu que faz e quando perceber, não fará mais.

Sem dizer nada, ergui o livro aberto para ele, com a frase exposta bem perto de seu rosto. O encarei com os olhos semicerrados e fazendo um pequeno biquinho com a boca, um biquinho de incomodo, na verdade, de raiva reprimida.

-Ah... - suspirou e olhou para o chão como se estivesse envergonhado por ser descoberto ou algo do tipo e sorriu timidamente.

Um silêncio ficou no ar até começar a chover e o barulho da chuva quebrá-lo. Meu braço cansou e eu fechei o livro trazendo-o junto ao meu peito. O professor olhou as horas em seu relógio e como se eu não tivesse feito a pergunta anterior, ele disse:

-Vamos, eu te levo pra casa. Você não deveria estar aqui até essa hora.

Arregalei meus olhos tentando entender se ele realmente me oferecera carona, mas tive certeza quando ele não me olhou mais e apenas abriu o guarda-chuva que trazia na bolsa, empurrou a porta da escola e fez um sinal para que eu me juntasse a ele. Meio hesitante e sem entender nada do que acontecia, eu fui mesmo assim. Caminhando até o estacionamento, estávamos o mais próximo que estivemos durante todo o tempo em que nos conhecemos. Chegamos ao carro e ele abriu a porta para mim, eu entrei e logo em seguida ele entrou também, colocou o guarda-chuva em uma capa protetora e jogou no banco de trás. Ele começou a dirigir. Aquilo não era adequado, mas simplesmente estávamos fazendo e eu me peguei não me importando, e eu sempre segui regras a risca, não importa quais.

-Quando vou ter explicações sensatas? - perguntei quando estávamos saindo da rua onde fica a escola.

Ele apenas suspirou como se estivesse aborrecido ao escutar reclamações de uma criança. Eu que estava ficando aborrecida com toda aquela situação, ele me trata como uma aluna qualquer e as vezes até age como se eu fosse uma criança, mas me entrega esses livros com essas frases que me confundem e se esquiva quando eu tento perguntar. Eu realmente não entendo. Passamos o caminho todo calados até que ele parou em frente a minha casa.

-E claro que você sabe onde fica minha casa. - murmurei, chateada com tudo aquilo. Começo a pensar em que tipo de relacionamento o Sr. McWillians tinha com a minha mãe. Será que meu pai o conhece também?

-Olha... - ele me encara com franqueza - realmente, é só uma coisa estúpida de escritor - disse de modo enfático.

-Por que não tenta me explicar essa coisa estúpida de escritor? - perguntei com certa hostilidade.

-Como eu disse antes você não entenderia. - falou, insinuando novamente minha falta de habilidade no ramo.

-E como você poderia saber se eu tenho habilidade ou não, na escrita? - perguntei, desafiadora.

-Suas mãos... - ele disse contraindo os lábios.

-O quê?

-Você não tem mãos de escritora. - ele afirma com um sorriso divertido que me desconcentra por um segundo. Foi a primeira vez que eu vi aquele sorriso e a partir dali ele não parecia mais o meu professor.

Lembrei-me de quando ele disse que minhas mãos não pareciam com as de minha mãe, acho que foi isso que ele quis dizer, que eu não tenho mãos de escritora como ela tinha.

-E você tem? - perguntei com graça.

-Veja você mesma. - disse erguendo a mão esquerda para mim e ficando um pouco de frente.

Observei aquela mão grande e receptiva. Tinha marcas de caneta e de lápis por ela toda. Com muita hesitação, toquei com as pontas dos meus dedos aquela palma larga e macia, depois acariciei seus dedos e percebi a diferença.

-A palma é macia, mas os dedos são ásperos. - falei, com os olhos fixos em sua mão.

-Exatamente, agora veja as suas... - disse, pegando em meu pulso e acariciando gentilmente minha mão com a sua. - tem riscos nela, mas são poucos e estão aqui apenas por causa da escola e também - ele apertou delicadamente minha mão. - é macia tanto na palma como nos dedos.

Cruzamos nossos olhares quando ele parou de falar. O jeito que ele pegou meu pulso me lembrou novamente da primeira vez em que nos vimos, talvez ele não se recorde, mas eu nunca esqueceria. Nossas mãos continuavam se tocando e nosso olhar ainda estava fixo um no outro. Senti algo queimar em meu peito, algo que nunca antes havia queimado dessa forma, seus olhos pretensiosos, seu rosto jovial para sua idade, seus cabelos pretos e suas mãos macias e ásperas ao mesmo tempo, estavam causando um efeito em mim nunca antes visto ou sentido. Eu comecei a ficar assustada com aquilo, estava pensando e sentindo coisas estranhas naquele momento e eu tinha quase certeza de que os pensamentos dele não tinham nada a ver com os meus.

Passei a língua nos lábios e desviei meu olhar do dele, tirando minha mão das suas.

-É melhor eu ir... - disse, tirando o cinto e abrindo a porta do carro.

-Claro... - ele pigarreou - descanse bem para as aulas de amanhã. - falou tentando impor um tom de professor preocupado.

Fechei a porta do carro e fui até o outro lado. Me curvei em sua janela e disse:

-Obrigada pela carona, professor McWillians - agradeci, mas sabia que aquilo não era algo para se agradecer, afinal, ele não podia me dar carona.

-Não precisa agradecer é meu dever como professor. - disse sem me olhar. Na verdade, não era, pelo menos, não no nosso colégio, para ele, estávamos burlando uma regra.

-Claro... - murmurei incerta - até amanhã.

-Até...

O observei dar a volta na rua e sumir na curva por onde viemos. Apertei minhas mãos por baixo do terno do uniforme que eu segurava entre os braços. A chuva havia parado uns minutos depois que saímos da escola. A rua estava molhada e o ar estava frio. Suspirei ao encarar a luz branca do poste e depois ao encarar as estrelas no céu. Mordi o lábio inferior e pensei nas mãos do meu professor novamente, fiquei vermelha e meu coração ficou quente. Eu nunca me afeiçoei por nenhum rapaz, não era que eu não queria, só nunca aconteceu e pensar que agora, estou tendo afeição pelo meu professor de literatura me faz crer que tenho padrões muito altos, tão altos que percebo que são inalcançáveis. Não posso tomar esse caminho se não toda a minha vida vai desandar e vou ter problemas demais para lidar, fora as frustrações que já vivo. Isso não é saudável, não é. Suspirei três vezes naquela noite fria, suspirei porque eu sabia que não podia estar apaixonada pelo meu professor de literatura e também sabia que meu coração não dava a mínima para o que eu pensava.

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